Por José Geraldo Couto, editor do Blog do Cinema, publicado em Outras Palavras –
Autor de oito longas, ele morreu amargurado com a situação do país. Pagou um alto preço por sua radicalidade em 50 anos de carreira: produção errática e intermitente, obra sem a repercussão merecida e uma debilitada saúde
Poucos cineastas brasileiros, e talvez mundiais, poderiam ostentar o epíteto “independente” com tanta propriedade quanto Luiz Rosemberg Filho, que morreu no último domingo (19 de maio) aos 75 anos. À margem do establishment cinematográfico, avesso às patotas e panelas, ele realizou, em meio século de carreira, oito longas-metragens e dezenas de curtas, vídeos e colagens audiovisuais, todos de baixo orçamento, alta invenção e nenhuma concessão.
O preço que pagou por essa independência radical foi alto. Sua carreira foi errática e intermitente, feita de longos períodos de silêncio, e sua obra não alcançou o público e a repercussão crítica que merecia. Tudo isso sem falar no prejuízo a sua saúde delicada.
Nos últimos anos, apesar da condição física debilitada, estava mais produtivo do que nunca, tendo realizado desde 2014 três longas-metragens (entre eles o ainda inédito Os príncipes) e um sem-número de curtas, vídeos e colagens.
Mas sempre é tempo de conhecer ou reavaliar essa obra ímpar. Estão disponíveis no Youtube seus títulos essenciais dos anos 1970 e 80, como O jardim das espumas (1971), A$$untina das Amérikas (1976), Crônica de um industrial (1978) e O santo e a vedete (1982), bem como o mais recente Guerra do Paraguay (2017). Seu trabalho derradeiro, Os príncipes (2018), que ganhou uma porção de prêmios no Cine-PE, em Recife, estreia na próxima semana no Now e depois vai ao Canal Brasil, sem antes passar pelo circuito exibidor.
Santa indignação
Esse filme-testamento é uma obra visceral, terrível, um vômito da santa indignação do cineasta com um país entregue à sanha predatória de machos ressentidos e truculentos. Quem conversou com Luiz Rosemberg nos últimos tempos, ou acompanhou seus textos nas redes sociais, teve a dimensão da amargura com que ele vivia o contexto atual e vislumbrava o futuro, ou a falta dele. Uma boa compilação desses textos altamente pessoais, que revelam a erudição, a generosidade e o empenho cívico do diretor, está no blog Crônicas de um cineasta.
Uma introdução mais sucinta ao pensamento e à estética de Luiz Rosemberg Filho é o belo (e curtíssimo) O cinema segundo Luiz Rô, de Renato Coelho:
A atitude inflexivelmente independente não significava intolerância, nem fazia do cineasta um misantropo, muito pelo contrário. Embora frequentemente classificado a contragosto no chamado “cinema marginal”, ele sempre teve relações profícuas e afetuosas com gente de todos os grupos e gerações. Entre seus interlocutores mais importantes estiveram, ao longo das décadas, criadores tão distintos como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e, principalmente, Andrea Tonacci, talvez seu amigo mais íntimo e permanente, e cuja morte, em 2016, certamente contribuiu para aumentar sua tristeza e abalar ainda mais sua saúde.
Renascimento tardio
Nos últimos anos, a produção de Luiz Rosemberg teve um renascimento notável graças a sua associação com o jovem produtor Cavi Borges e um pequeno e fiel grupo de atores (Patricia Niedermeier, Ana Abbott e Alexandre Dacosta).
O temperamento passional acabou transformando uma pequena desavença com o produtor numa ruptura dramática que consternou amigos e conhecidos dos dois, mas não empanou o brilho da obra e a lembrança de um grande artista e grande ser humano.