Por Luis Nassif, publicado em Jornal GGN –
O momento de impedir essa escalada rumo à narcorepública é agora. Qualquer recuo tornará irreversível essa tragédia.
Segundo matéria da UOL, o novo sistema de interfone do condomínio Vivendas da Barra é da Intelbras – notável empresa brasileira, nascida nos anos 70 em Santa Rita do Sapucaí.
No site da Intelbras, tem o Portal Condomínio Autônomo, com várias implementações para condomínios. Dentre elas, sistemas que permitem transferir ligações da portaria para celulares. No Fórum da Intelbras, há inúmeras páginas explicando como redirecionar ligações.
Portanto é verossímil que o porteiro livesse ligado para a casa 58 e Bolsonaro tivesse atendido, mesmo estando em Brasilia.
A constatação sobre o sistema interno do condomínio não é suficiente para garantir que Elvio Queiroz iria visitar Jair Bolsonaro. Mas seria suficiente para mostrar que Bolsonaro mentiu em seu vídeo apoplético, quando negou ter recebido a ligação por estar em Brasília.
A vida no condomínio
Até a eleição de Bolsonaro, havia uma casa alugada pelo mesmo advogado responsável pelo aluguel da casa de Ronnie Lessa. A casa era utilizada nos fins de semana para churrascos para um grupo de pessoas de aspecto destoante dos demais moradores do condomínio.
Tinham relações com os Bolsonaro, já que a casa em questão ficava quase de frente para a casa do pai de todos. Logo após as eleições, os convivas ocasionais sumiram e a casa foi fechada.
É evidente que o mistério da morte de Marielle será desvendado a partir do condomínio, das relações entre os milicianos com a família Bolsonaro.
Mas até hoje não foi escrita uma matéria sequer sobre a vida interna no condomínio, nem sequer após se descobrir que o principal suspeito da morte de Marielle Franco, Ronnie Lessa, morava no condomínio e escondia em sua casa armamento pesado.
Mais que isso, onde está o porteiro? Uma reportagem expõe um homem humilde aos piores riscos, pois tratando com uma milícia, e não se vê um movimento para blindá-lo, ouvindo-o ou colocando-o em um programa de defesa de testemunha.
Civilização x barbárie
O Brasil está perto de se tornar uma Colômbio piorada.
Por lá, as FARCs entraram na luta armada e racharam o país por décadas.
Por aqui, é pior: o próprio crime organizado se apossou do poder. E, neste momento, luta com todas suas forças, e com o poder da caneta do Presidente da República, para se entronizar definitivamente.
Tem-se uma guerra que transcende em muito as disputas políticas tradicionais. Trata-se de um embate em que estão envolvidos algumas das mais perigosas organizações criminosas em ascensão. E o Brasil legal está fraquejando na luta contra o crime. Todas as instituições ou foram cooptadas ou estão com medo.
O jornalismo
Há dois motivos para a falta de jornalismo neste episódio.
O primeiro, é o potencial altamente letal dos personagens envolvidos na história. Não se está falando de factoides bolivarianos, de ectoplasmas das FARCs e outras bobagens, mas de personagens reais, milícias, Escritório do Crime: gente que mata. O problema dos Bolsonaros não é o apoio das milícias digitais, mas as ligações com as milícias reais.
O segundo são as implicações de ordem política. Uma hora Bolsonaro terá que entrar no centro das suspeitas sobre a morte de Marielle. Haverá um terremoto de proporções e, aparentemente, a mídia ainda não se julga apta a enfrentar o cataclisma.
A imprensa mundial já tem claramente definidas as suspeitas, como é o caso da CNN do Chile, cuja reportagem termina assim:
La policía aseguró que la autoría material del crimen está esclarecida, pero en contraste no existen pruebas que guíen hacia quién la mando a matar. Sin embargo, existen una serie de pistas que apuntan hacia una figura altamente conocida: el presidente brasileño Jair Bolsonaro.
O GAECO-RJ
Até ontem, um dos pilares da luta contra o crime organizado era o GAECO (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro.
De repente, se descobrem manipulações do grupo visando blindar Jair Bolsonaro. O episódio da coletiva convocada às pressas, para apresentar um simulacro de auditoria tentando desmentir o porteiro do condomínio, expos de forma implacável as vísceras da instituição.
O problema não é a promotora bolsonarista, que claramente manipulou as informações para defender Bolsonaro. Ela foi incluída na fase final das apurações sobre a morte da Marielle Franco por seu suposto conhecimento penal. Ora, é impossível que sua militância não fosse de conhecimento do MPERJ. Quem a colocou e por quê?
Mais que isso, a manipulação da coletiva teve a participação das três promotoras envolvidas com o caso. Foi um ato coletivo, e não fruto do desvario de uma militante.
É evidente que sua indicação não foi um cochilo da Procuradoria Geral do MPE, mas uma intenção deliberada.
A Polícia Federal
No meio desse terremoto, a Polícia Federal de Sérgio Moro toma duas posições.
Em relação ao caso, Moro endossa de pronto a versão de que o depoimento do porteiro foi um ato político.
Paralelamente, a PF tenta uma delação premiada com Adélio, o homem que esfaqueou Bolsonaro e foi diagnosticado com “transtorno delirante persistente”.
Veja bem, mesmo se fosse uma disputa meramente política, a convocação da PF por Moro, por ordem de Bolsonaro, seria um acinte às regras democráticas. É mais que isso: é tentativa de obstrução à apuração do assassinato de uma vereadora.
A cúpula da PF, hoje em dia, é composta pelos delegados do Paraná, que se valeram de todos os expedientes para silenciar colegas que apontavam seus ilícitos. A história do grampo colocado na cela de Alberto Yousseff, e a perseguição implacável contra os colegas legalistas, que ousaram questionar o episódio, mostra o perfil do atual comando da PF.
O mesmo ocorre com o Procurador Geral da República Augusto Aras, ameaçando o porteiro com a Lei de Segurança Nacional. E colocando em postos-chave do MPF procuradores claramente alinhados com o terraplanismo e o bolsonarismo.
Agora, Moro anuncia a intenção de federalizar a apuração do crime.
Dias decisivos
Repito, a República atravessa dias decisivos. Em alguns momentos, a única luz que aparece no final do túnel são as disputas entre semelhantes, Wilson Witzel x Bolsonaro, Bolsonaro x PSL, tal a inação da institucionalidade.
Ao mesmo tempo, espocam notícias na imprensa que mostram a escalada exponencial das milícias, se aliando ao tráfico e expandindo seu controle territorial.
O momento de impedir essa escalada rumo à narcorepública é agora. Qualquer recuo tornará irreversível essa tragédia. Não se trata mais de batalha política, mas de uma guerra contra o crime organizado que ameaça se apossar da república.