A irmandade do rádio

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Por Claudio Lovato Filho, jornalista, escritor

Isto começou a acontecer há muito tempo e continua até hoje.




São quatro amigos que moram em uma pequena cidade do interior. Uma cidade cercada de morros, quente como uma fornalha no verão, fria como uma geleira no inverno.

Uma cidade pequena que tem um clube de futebol que fez e continua fazendo estragos e história entre os grandes.

Em todos os dias de jogo, os quatro amigos – Renê, Lauro, Francisco e Cléber – se reúnem no bar do primeiro para ouvir pelo rádio a transmissão do jogo daquele time que é do coração de todos eles.

Só os quatro – porque quando é dia de jogo Renê fecha as portas do bar, e ninguém ousa bater; todo mundo sabe que em dia de jogo o Renê fecha a birosca.

As narrações. É tudo por causa delas.

Renê, Lauro, Francisco e Cléber só ouvem os jogos com a narração feita por uma certa pessoa, numa estação que só eles conhecem.

O narrador é Jairo, Jairão, irmão deles todos.

Tudo por causa das narrações do Jairão.

Tentando explicar: as narrações do Jairão são capazes de transportar o ouvinte não apenas para dentro do estádio, mas para dentro do próprio campo de jogo.

Fazem o ouvinte escutar o jogo de pé, de tanta vibração que aquela voz é capaz de transmitir; aquela voz é adrenalina e paixão puras e concentradas.

Tentando explicar: as narrações do Jairão misturam descrição técnica minuciosa com poesia delirante; leitura tática precisa com a fantasia mais viajante.

Levam o ouvinte para um outro estágio da experiência de acompanhar o jogo pelo rádio; fazem o ouvinte viver uma experiência transcendental, mística, religiosa.

As narrações do Jairão são aquilo a que se chegou de mais perfeito em termos de manifestação física do amor pelo futebol.

E lá estão eles de novo, os quatro, nesta quarta-feira à noite de chuva, vento e frio, sentados em torno da mesa que fica no meio do boteco, tomando suas cervejas e suas pingas, fumando seus cigarros, olhos marejados, sempre marejados, como velhos marujos à deriva, ainda assim felizes por estarem no lugar ao qual pertencem mais do que a qualquer outro.

Estaria tudo isso dentro de uma certa normalidade se não fosse um fato que tornaria tudo incompreensível e inaceitável e inacreditável e bizarro para os que dele tivessem conhecimento fora daquele grupo de amigos-irmãos; o fato que tornou tudo mais triste na vida deles, mas que, ao mesmo tempo, deu origem a essa celebração que acontece em cada dia de jogo do time e que os fez enxergar a vida (e a morte) de uma nova forma, de um jeito que não conseguem explicar – nem querem.

Não, Jairão não está mais entre eles. Sim, Jairão sempre esteve entre eles, e continua e sempre estará, a cada novo jogo nessa estação de rádio que só eles conhecem e que se encarrega de mantê-los unidos, aconteça o que acontecer.

 

Obs.: O blog vai publicar periodicamente crônicas deste valioso artistas das teclas, que engrandece mais ainda o ecanto do futebol.

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