A Justiça no País dos Porsches e no País do Restolho

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Por Ademir Assunção, jornalista e poeta

Há um posto de gasolina bem no final da ponte Cidade Jardim, no lado que segue para o bairro do Morumbi. Mesmo quem não é de São Paulo certamente sabe que o Morumbi não é bairro de pobre. Ali, aos domingos, é comum a concentração de Porsches. Já vi crianças e adolescentes filmando com seus celulares, fascinados, a chegada desses carros que custam mais de 1 milhão de reais. Dali, é comum dezenas deles pegarem a marginal Pinheiros em alta velocidade, rumo à zona sul, com os motores roncando, ensurdecedores.




Em cima da ponte sempre há aglomeração de jovens, filmando com seus celulares, e até equipes com câmeras mais sofisticadas, a passagem a milhão dessas máquinas. Jamais vi a presença de uma única viatura policial na redondeza.

Corte.

No último dia 31 de março, o jovem Fernando Sastre de Andrade Filho cruzou a avenida Salim Farah Maluf a 156 km/h (segundo laudo técnico da polícia), colidiu contra a traseira de um Renaut e matou o motorista de Uber Orlando da Silva Viana. Câmeras de vídeo mostram a violência da colisão. Fernando, segundo testemunhas, tentou se mandar sem prestar socorro à vítima.

Os policiais militares que atenderam a ocorrência não fizeram teste do bafômetro no motorista. E deixaram que ele fosse levado para casa pela mãe e por um tio. Somente 38 horas após a colisão, Fernando se apresentou à polícia para prestar depoimento.

A Polícia Civil indiciou o jovem milionário por homicídio doloso (quando há intenção de matar), lesão corporal e tentativa de fuga. Também pediu, por duas vezes, sua prisão preventiva. A Justiça negou nas duas vezes.

Corte.

Agora mudemos a perspectiva. Vamos imaginar o contrário: o motorista do Renaut atravessa a avenida Salim Farah Maluf a 156 km/h, bate na traseira de um Porsche de 1,3 milhão de reais, mata o seu condutor e tenta cair fora do local sem prestar socorro à vítima.

O que o senhor e a senhora de bem acham que aconteceria?

Agora, vamos imaginar o lado mais truculento da Polícia Militar entrando em uma favela do Guarujá para uma “operação de rotina”.

Quantos litros de sangue – inocente ou não – os policiais deixam esparramados no chão ao saírem?

Corte.

O senhor e a senhora de bem não possuem um Porsche estacionado na garagem? Não?

Ah, então rezem, rezem muito, para que seu filho, ao sair de uma balada, certamente após ter bebido umas e outras, não faça a cagada de pisar no acelerador e matar alguém que esteja voltando pra casa.

Isso só é permitido aos que possuem Porsches, não se esqueça.

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