O desenvolvimento tem sido um processo desigual, ancorado em uma estrutura de coisificação da força de trabalho e da natureza.
A ideia de sustentabilidade defendida nos discursos propagandistas das grandes empresas de produção e midiáticas, cai por terra quando as catástrofes, nada naturais, ocorrem. O caso do rompimento da barragem em Mariana expõe:
1. A vulnerabilidade de um grupo expressivo de trabalhadores que vivem ou da venda de sua força de trabalho, ou da condição de “auto-gestores” de sua sobrevivência, como as populações ribeirinhas, em tempos de acentuação da precarização do trabalho.
2. A participação orgânica das esferas públicas em associação direta com os grandes capitais tanto na proposta, quanto na execução das políticas do desenvolvimento.
3. A necessidade, do capital, de participação conjunta entre esferas públicas e privadas para a resolução de situação como estas. No momento da catástrofe, o discurso de Estado mínimo não existe e apontam como natural algo socialmente produzido.
4. A grande mídia protagonista de notícias intencionalmente construídas que expressa e reforça uma comoção nacional, sem abrir um debate sobre os impactos ambientais e sociais do modelo via lucro sobre a vida.
5. A centralidade posta na solidariedade, como única alternativa comum próxima à consigna “um por todos, todos por um”, em substituição às políticas de socorro às reais vítimas: os trabalhadores.
Mas, e quando não há catástrofe, só lucro? O lucro da Vale pertence a todos? Não pertence a poucos, frente a muitos “nenhuns”?
O desenvolvimento é uma questão sempre em aberto. Urge ser debatido com profundidade pois expõe, nos momentos de dramas como as catástrofes sociais, a história das mazelas do subdesenvolvimento. A catástrofe atinge vários sujeitos e coloca na pauta do dia a discussão sobre o que se tem, e o que se quer. Mas não o faz fora da perspectiva de classe pois, ainda que muitos sejam atingidos, não o são na mesma magnitude.
O debate sobre desenvolvimento apresenta problemas históricos que se acentuam ao longo dos desdobramentos do capital no Brasil: latifúndio, monocultivo, contaminações de toda ordem, trabalho precarizado, fome, dívida, desemprego, diferenças de acesso às políticas públicas, etc.
A hegemonia da ideia de progresso levadas a cabo no Brasil desde 1940, manifesta a atual centralidade do complexo agroindustrial, que exige: – A consolidação contínua de grandes barragens; – Um sistema logístico que escoe suas mercadorias; – A transposições de rios; – A ampliação do extrativismo; – a remoção de famílias de áreas que entram na valorização imobiliária; – A especulação de tudo o que pode se tornar mercadoria, entre outros feitos do capital financeiro nos territórios. Na ode dos megaprojetos o grande capital não se preocupa com as múltiplas poluições da natureza somadas à acentuação da superexploração do força de trabalho.
Para o capital, desenvolvimento narra sua moral consolidada de forma objetiva: o lucro. Logo, seu único temor é a baixa do lucro. Seu único projeto, é a ampliação do lucro. A qualquer custo, desde que o mesmo seja calculado por eles, fiscalizado pelo Estado – parceiro manifesto nos financiamentos de campanhas – e, caso haja algo que saia da rota, compartilhado por todos, de forma “mosqueteira”.
A tragédia, cujas fissuras foram abertas em Mariana e se propagaram para outras regiões de Minas Gerais e Espírito Santo, é um exemplo real do sentido que a burguesia dá ao desenvolvimento. Esses poucos gigantes, ainda que momentaneamente afetados no bolso, não correm riscos de vida nessa catástrofe. Pois, o capital acumulado ao longo da história, às custas do sangue e suor dos trabalhadores e da extração dos recursos naturais nos quais essa riqueza se firma, permitem que ele se recupere em pouco tempo da perda econômica fruto de sua própria negligência.
E no caso dos trabalhadores afetados por essa catástrofes? Quem garante a retomada de suas vidas? Como se recuperam de um dano dessa dimensão?
O Governo Federal modificou legalmente um artigo para poder incluir a catástrofe social como processo natural. Com isso permite que o trabalhador saque o FGTS para reconstrução de suas casas. Mas isso esse é o único caminho viável? Mesmo que seja legal, é justo? Isso não explicita a forma como o governo lê quem deve pagar as contas de uma catástrofe social como esta cujos protagonistas são evidentes? Todos sofrem da mesma maneira? Todos correm os mesmos riscos? Quem paga a conta, por trás do conto da solidariedade?
O debate sobre o desenvolvimento exige explicitar as coisas como elas de fato são: processo desigual e combinado, ancorado em uma estrutura de coisificação da força de trabalho e da natureza. No progresso ou na crise, os donos do capital manifestam a equação social sobre quem paga a conta do progresso, na opulência depredadora de poucos gigantes proprietários privados.
Em tempos de ideias pós-modernas a catástrofe social e histórica na lama do desenvolvimento nos exige parar de discutir sobre o menos pior e voltar a pensar sobre o inédito e necessário processo viável de reconstrução em outros projetos de desenvolvimento para além do capital. A relação entre os seres humanos, demais seres vivos e natureza neste modelo de desenvolvimento não é sustentável e nunca será. Suas bases são enraizadas na sangria dos corpos e no veneno da terra.
A catástrofe de Mariana, narra – nas raias da louca corrida pela ampliação dos lucros pelo capital financeiro monopolista que compõe a Vale -, o terror do desenvolvimento capitalista desmedido que utiliza a natureza e o ser humano como objetos para a produção de riqueza na forma de propriedade privada de poucos.
É lastimável que em tempos de crises como o atual, alguns na defesa do ideal, não sejam capazes de expor e tomar partido sobre as reais condições de vida do povo numa sociedade como essa. Sem tomar partido, sem diferenciar um processo de outro, o tema concreto ganha valores morais e as ideias em vez de serem debatidas como projetos societários de disputa de poder, transformam-se em caminhos coletivos de socorros comuns. Mas não há igualdade possível numa sociedade que se ancora na desigualdade. Nem liberdade concreta quando os mecanismos de escravização são obter rendas mínimas para consumos desnecessários máximos. Frente à catástrofe se abre um debate sobre a política, a natureza do modelo de desenvolvimento e a possibilidade do porvir.
Créditos da foto: Rogério Alves / TV Senado