A luta da mãe dos sem-teto, irmã Helena

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A religiosa morreu no dia 13 de junho e deixou um legado de atuação como grande líder do movimento social por moradia popular em Manaus (FotoClóvis Miranda/Acervo A Crítica).

Por Ariel Bentes, compartilhado de Amazônia Real




Manaus (AM) – Corajosa, profeta e sábia. É assim que amigos e admiradores descrevem a irmã Helena Augusta Walcott, considerada uma das grandes lideranças do movimento social por moradia popular em Manaus. Por duas décadas ela enfrentou a elite e o poder na capital amazonense em favor daqueles que tinham negado o direito de um teto para morar. A religiosa morreu na tarde do dia 13 de junho, dois dias antes de completar 88 anos.

Conhecida como a “mãe dos sem-teto”, irmã Helena ajudou a conquistar moradias para cerca de 500 mil pessoas na periferia da cidade durante as décadas de 70 e 80. Assistente social e falante dos idiomas português, inglês e francês, ela esteve à frente da ocupação e da criação de mais de dez bairros na cidade, entre eles Terra Nova, São José, João Paulo II, Nossa Senhora de Fátima e Compensa, da qual foi moradora. 

À Amazônia Real, Neila Gomes dos Santos, integrante do Movimento Nacional de Luta por Moradia que acompanhou a freira em ocupações em Manaus, disse que irmã Helena estava há alguns meses com a saúde debilitada e acamada. Ela vivia no Convento das Adoradoras do Sangue de Cristo, congregação da qual fazia parte, localizada no bairro São Geraldo, com outras idosas. Por conta da pandemia da Covid-19, as visitas são restritas ao local. O sepultamento ocorreu no dia 14 no Cemitério São João Batista, mas a causa da morte não foi divulgada. 

Quem esteve ao lado da religiosa na luta por moradia foi Ruth Duarte, professora aposentada e moradora do João Paulo II, bairro localizado na zona leste de Manaus. Ela e a mãe, Francisca Duarte, que morreu em 2021, e a irmã Marta Duarte, participaram com a freira da ocupação do bairro em que moram há quase 30 anos, medindo e capinando os terrenos que seriam distribuídos para a população.

Segundo Ruth, no início dos anos 90, com a pressão da freira, a Prefeitura de Manaus criou a Secretaria Municipal de Organização Social e Fundiária (Semosf), com o objetivo de regularizar os terrenos e amenizar as ocupações. Ainda sim, irmã Helena fazia reuniões para orientar os moradores. 

“As reuniões eram para orientar como cuidar daqueles terrenos. Funcionava como uma missa, cantávamos e comíamos. Era uma alegria e união enorme entre a comunidade e a Irmã Helena’’, lembra Ruth.

O último encontro presencial da família Duarte com a irmã Helena ocorreu em 2017. Na época, ela estava morando no Pará e, em passagem por Manaus, foi jantar na casa de Ruth. “Minha mãe preparou as comidas que ela gostava e ficamos conversando até tarde. Pena que naquele período não tínhamos a facilidade de guardar fotos como temos agora”.

Atualmente, o bairro João Paulo II possui uma escola municipal que leva o nome da irmã Helena Augusta Walcott. 

Filha de barbadianos

Irmã Helena (Foto: Clóvis Miranda/ A Crítica/01/07/2009)

Segundo o artigo “As primeiras lutas por moradia popular em Manaus: vida e militância da Irmã Helena Augusta Walcott”, de Mara Tereza Oliveira de Assis, irmã Helena nasceu em Guajará Mirim, em Rondônia, e era a sétima filha dos barbadianos Lorenzo Walcott e Clarissa Knights. Barbados é um dos países que compõem o Caribe, colonizado por ingleses que sequestravam africanos da Guiné Bissau e Senegal e os escravizavam na região.

Os pais de Helena vieram para o Brasil para trabalhar na construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, ferrovia que liga Porto Velho a Guajará-Mirim, sendo a 15ª ferrovia a ser construída em território brasileiro. A intenção do casal era voltar ao país de origem após o fim da construção em 1912, o que não ocorreu. 

Em Manaus, ela morou no bairro da Compensa, onde passou a trabalhar em ações com a Igreja Católica e com o Instituto de Amparo e Bem-estar do Menor e a Comissão Intercomunitária pela Defesa da Compensa. 

A ambientalista Elisa França conta que entre os anos 70 e 80 agricultores, indígenas e ribeirinhos do interior do Amazonas migraram para a capital com o objetivo de ter acesso a políticas públicas e aos empregos que seriam gerados pela Zona Franca, mas na prática atuaram como “exército industrial”.

“Eram pessoas que não tinham o mínimo de dignidade para viver, mas que serviam para trabalhar no Polo Industrial com salários mais baixos. Com o êxodo rural e um quadro de pobreza grave na cidade, a Irmã Helena ia até a prefeitura e o governo pedir que cedessem terras para as famílias. Mas era uma luta. Então, quando não dava certo, ela promovia uma belíssima organização comunitária para ocupar essas áreas”, diz Elisa. 

As terras ocupadas sob a liderança dela eram áreas da União que tinham sido griladas por grandes latifundiários urbanos e que não faziam parte de áreas de proteção ou reservas ambientais, preocupação dos ambientalistas respeitada pela freira à época. “Boa parte de Manaus tem moradia por causa da Irmã Helena. Uma preocupação dela com o próximo, querendo garantir o direito fundamental e humano da moradia digna”, assegura a ambientalista. 

“Não tinha medo”

Irmã Helena (Foto: Jimmy Crhistian/Acervo A Crítica)

A atuação da irmã Helena incomodava o poder público, a elite e grileiros que viviam na capital amazonense. Ameaçada e perseguida, em 1987 ela sofreu um atentado no bairro Armando Mendes que resultou na morte de um jovem que a acompanhava, além do seu exílio no continente africanano. De acordo com amigos, ela voltou ao Brasil em 2003. 

Fátima Monteiro, que foi militante do Sindicato dos Trabalhadores de Vidros e Cristais, disse à Amazônia Real que o primeiro encontro com a irmã Helena aconteceu ainda na infância, no Colégio Preciosíssimo Sangue, onde ela estudava e trabalhava. Já o reencontro entre elas ocorreu somente na década de 80, durante uma ocupação no bairro Japiim. A partir disso, Fátima passou a atuar na proteção da líder, com um grupo de pessoas responsável por acompanhá-la durante as ações. 

“Helena não tinha medo. Durante uma ocupação na Ponta Negra ela ficou na frente de um trator que estava prometendo derrubar tudo. Ela não arredou de lá até ele recuar, mas acabou sendo presa”, revela Fátima. 

Outro pessoa importante na vida e militância da freira é Maria Alzira Fritzen, da Congregação de Nossa Senhora Cônegas de Santo Agostinho. A freira Alzira participou de mais de 20 ocupações em Manaus com a irmã Helena. Juntas lutavam pela moradia digna para as populações mais pobres. 

“Nunca conseguimos entender porque nesse mundo algumas pessoas têm tudo e os pobres não têm nem onde morar. Hoje, posso dizer com toda certeza: Manaus tem uma periferia mais ampla, em que as pessoas estão nos seus próprios terrenos, porque tinha a Irmã Helena e um grupo que os ajudava a permanecerem nas suas casas”, finaliza a freira Alzira Fritzen. 

Ir´~a helena durante a comemoração dos 50 anos de vida religiosa em 2009 (Foto; Clóvis Miranda/Acervo A Crítica)

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