Eles não estão mortos, doentes ou alquebrados. A cabeleira agora é branca, mas o olhar segue altivo. Apenas o grito de “abaixo a ditadura” foi trocado pelo “Fora Bolsonaro”. Sabem que a vida não está perdida quando há resistência nas ruas…
Por Urariano Mota , compartilhado de Outras Palavras
Eu não reprimi o impulso ao ver este casal protestando na calçada da Avenida Conde da Boa Vista, no Recife. E me lembrei dos amigos, das amigas, dos companheiros, das companheiras que resistem todos os dias. Aquilo me fez pedir emocionado à minha esposa que batesse uma foto deste lindo casal.
Enquanto minha esposa acionava o seu celular, eu falava para eles:
“Vocês são a resistência permanente. Talvez não saibam, mas vocês estão em páginas do meu romance ‘A mais longa duração da juventude’”. Eles fizeram então um silêncio comovido que só falava em gestos. E como se fosse uma lembrança daqueles tempos de feroz repressão, eu nem quis perguntar os seus nomes.
Depois, ao ver a foto em minha página no Face, o médico Paulo Dantas esclareceu quem era o casal:
“Excelente a sua iniciativa de homenagear e documentar com foto o casal Paulo Figueredo e Natália. Companheiros da luta de resistência contra a Ditadura de 64, educadores, participantes ativos de movimentos sociais por desenvolvimento e justiça social e meus queridos amigos”.
Eu não sabia os seus nomes, mas bem sabia que possuíamos uma identidade comum. Então, para Natália e Paulo Figueiredo, e para todos Paulos e Natálias, com um beijo fraterno dedico um trecho do romance A mais longa duração da juventude. Trata-se de uma página em que o narrador recebe uma surpresa, quando pensava que a vida toda era perdida:
“E volto os olhos para os manifestantes, que são muitos e ruidosos. Pareço ouvir ‘abaixo a ditadura’ em outras vozes, em novas bandeiras. Olho de novo e não acredito: aqueles a quem eu procurava estão todos ali. E eu a pensar que estavam mortos, velhos, doentes, alquebrados. Que míope eu sou. Então abro melhor os olhos, os ouvidos, a percepção. Meu Deus, nós somos estes jovens. Então me ponho a sorrir, a gargalhar de quem gargalhava de mim. E vejo o mais íntimo do outro nome da felicidade”