A margem desigual

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Não é obra do acaso que as mulheres negras estejam sobre-representadas em número desproporcional nos piores indicadores, tendo dificuldades para adquirir renda

Por Prosa Preta, compartilhado de Projeto Colabora




Desde que a primeira mulher negra pisou em território brasileiro, sua condição econômica foi estabelecida na ordem das desigualdades. Contudo, quando se trata das agendas centrais para o movimento negro raramente analisamos a forma com que o racismo e o sexismo sistêmicos alicerçam o sistema econômico, prejudicando de forma severa as mulheres negras que ainda estão na extremidade socioeconômica. Não é obra do acaso que estejam sobre-representadas em número desproporcional nos piores indicadores, tendo dificuldades para adquirir renda.

No contexto brasileiro, as mulheres negras enfrentam desafios significativos no mercado de trabalho. São frequentemente relegadas a empregos informais e mal remunerados, enfrentando discriminação racial e de gênero. As taxas de desemprego são mais altas para as mulheres negras em comparação com outros grupos demográficos, e elas têm acesso limitado a oportunidades de educação e avanço na carreira. A média salarial das mulheres negras no Brasil é significativamente mais baixa em comparação a outros grupos demográficos. De acordo com o IBGE, as mulheres negras enfrentam disparidade salarial em relação aos homens brancos e mulheres brancas. 

Os recentes dados do Painel do Relatório da Transparência Salarial, lançado em março de 2024 em parceria do Ministério das Mulheres com o Ministério do Trabalho, deixa evidente o que mulheres negras vêm diagnosticando há décadas: a profunda desigualdade salarial que as atinge desproporcionalmente. A remuneração média é de pouco mais de R$ 3 mil, enquanto a dos homens não negros é quase o dobro. A menor participação no mercado de trabalho bem como as altas taxas de desemprego e informalidade são responsáveis por este cenário, decorrência da estrutura racista e patriarcal que configura a sociedade brasileira.

Os salários mais baixos e as perspectivas limitadas de avanço na carreira são resultados diretos de fenômenos sociais que justificam ideologicamente esse cenário, como é o caso das imagens de controle e do impacto das micro agressões no mercado de trabalho. Além disso, as mulheres negras são desproporcionalmente representadas em setores de emprego informal e precário, como o trabalho doméstico e a venda ambulante. Esses setores oferecem renda instável, falta de proteção social e condições de trabalho exploratórias. Como resultado, as mulheres negras brasileiras estão presas em um ciclo de pobreza, lutando para sobreviver apesar de seu trabalho árduo e resiliência.

O trabalho de cuidado também contribui para a precariedade, pois o acúmulo de responsabilidades familiares sustentadas pelas ideologias de gênero, aquelas que perpetuam ideias arcaicas sobre o lugar da mulher na sociedade, são centrais na exploração do trabalho de mulheres negras. A relação entre trabalho e família possui contornos distintivos em nossa experiência, as quais historicamente o feminismo negro busca analisar, por meio da teoria interseccional. As políticas desenvolvidas no interior do feminismo negro reconhecem que a luta por equidade necessariamente precisa desafiar o racismo e o sexismo sistêmicos, principais responsáveis pela perpetuação de desigualdades na contratação, promoção e remuneração.

As noções tradicionais de família e também precisam ser desafiadas, por manter expectativa sociohistórica de que mulheres negras cumpram os deveres de cuidado de forma não remunerada dentro de suas próprias famílias e de forma mal remunerada na sociedade. Muitas vezes às custas de suas próprias aspirações pessoais e profissionais.  

Nesse sentido, o feminismo negro brasileiro tem se dedicado cada vez mais a valorizar e reconhecer estruturas familiares e arranjos de cuidado distinto, que fogem da lógica da família nuclear, justamente porque excluem e marginalizam as configurações de família historicamente experimentadas pela negritude, como de famílias estendidas, monoparentais e escolhidas. As experiências de mulheres negras moldam a forma com que a exploração do trabalho irá atingi-las. Logo, é necessário ouvi-las para elaborar políticas públicas efetivas que promovam melhores condições de trabalho, relações familiares menos sobrecarregadas e organização de ações coletivas que possibilitem eliminar as dinâmicas de exploração da mão de obra delas.

Mobilizar cada vez mais esforços para a construção de instalações de cuidado infantil e geriátrico acessíveis, bem como sistemas de apoio emocional para mães solo, por exemplo, são políticas centrais para aprimorar as oportunidades econômicas disponíveis a mulheres negras, eliminando assim o ciclo de pobreza e marginalização.

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