A MECalvinização da Educação: ser doutor em educação não é ser educador

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Por Alexandre Filordi, compartilhado de Jornal GGN – 

Ao cabo, o pastor pastoreia e o fará no MEC. A Educação nunca esteve em situação tão ameaçada em sua laicidade.

(Tela de John Rogers Hebert: Quadro que representa controvérsia sobre o governo da Igreja Presbiteriana na Assembleia de Westminster. Extraído de: http://covenantgrace.church/the-westminster-directory-of-public-worship-discussed-by-mark-dever-and-sinclair-ferguson/)

Nietzsche disse que não se é impunemente filho de seus pais.  Fui criado na Igreja Presbiteriana do Brasil – IPB, epígono de terceira geração. Entre 1993-1996, cursei Teologia no mesmo Seminário Presbiteriano do Sul no qual também se formou o atual ministro da Educação, em 1981. Adendo: este curso de Teologia não é reconhecido pelo MEC, logo, não tem valor acadêmico, pois não é um curso aberto, de teologia científica, se é que isso é possível. Fazer Seminário é submeter-se ao aprimoramento doutrinário da Igreja e se especializar em propagá-lo na pastoralização.

O pastor, como mostrou historicamente Michel Foucault, é um governador omnes et singulatim, isto é, conduz a conduta no âmbito coletivo e individual, nos mínimos detalhes e cotidianamente. Rompi com a IPB ainda no Seminário, pois ali descobria que há pastores perseguidos e expulsos dela por falta de adesão doutrinária ou por serem críticos demais; que historicamente a IPB suportou a ditadura militar no Brasil, como se lê em Inquisição sem fogueiras de João D. Araújo e Protestantismo e Repressãde Rubem Alves.




O atual ministro da Educação é doutor em Educação. A sua tese investigou o presbiterianismo educador: Calvinismo no Brasil e Organização: o poder estruturador da educação. Há um elemento problematizador aí interessante. O bolsonarismo e seus evangélicos vivem dizendo que a Universidade não faz nada de prático para acrescentar à sociedade. Weintraub não perdia oportunidade em condenar o viés ideológico das pesquisas humanas. Pesquisar culturas LGBTQAI+, indígenas ou fazer filosofia, por exemplo, seria desperdício de dinheiro público, eles argumentam. Pesquisar o calvinismo, porém, seria o quê? Não há ideologia aí? Se o argumento é conhecimento histórico, válido, certamente, por que isso não se aplica a outros interesses?

Um detalhe acerca do currículo do ministro não pode passar despercebido. Na plataforma Lattes, ele declara que fez doutorado com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq. Será que ele deixou de receber prebenda – remuneração – como pastor naquele período? Estava ele atuando nas estruturas remuneradas da IPB: Mackenzie, por exemplo, e recebendo bolsa?

Seja como for, os pastores da IPB, com mestrado ou não, com doutorado ou não, não deixam de ser pastores. Para estar atuando no Mackenzie é preciso afinidade política com o Supremo Concílio da IPB. Ninguém se torna chanceler do Mackenzie, diretor do Instituto Gammon ou de qualquer escola presbiteriana etc. sem submissão ao mando político superior da Igreja, conforme a circunstância em vigor, claro está. Na Igreja, ser mestre ou doutor é possuir distinção, na perspectiva de Bourdieu, para se cacifar às posições de prestígio internas, de poder e sempre remuneradas. Isso não tem nada a ver com conhecimento científico ou interesse científico laico.

O pastor sendo pastor jamais abandonará os ecos da formação decalcada no Seminário e do núcleo vivo dos dogmas da Igreja. Ele continuará criacionista, pregando a soberania irrestrita de Deus, replicador do credo etc. Exemplo incômodo: para ser pastor na IPB é preciso declarar que se aceita a totalidade da Confissão de Fé de Westminster. Nessa síntese doutrinária há coisas preciosas, como no Capítulo XXV – VI: “Não há outro Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo; em sentido algum pode ser o Papa de Roma o cabeça dela, mas ele é aquele anticristo (Sic), aquele homem do pecado e filho da perdição que se exalta na Igreja contra Cristo e contra tudo o que se chama Deus.”  Ou, a minha preferida, no Capítulo XXX, II: “A esses oficiais (os líderes da Igreja) estão entregues as chaves do Reino do Céu. Em virtude disso, eles têm respectivamente o poder de reter ou remitir pecados (Sic); fechar esse reino a impenitentes, tanto pela palavra como pelas censuras (Sic); abri-lo aos pecadores penitentes, pelo ministério do Evangelho e pela absolvição das censuras, quando as circunstâncias o exigirem.”

Qual a questão? O ministro atual da Educação é pastor, ponto. A sua atuação como educador não ultrapassa quase nada os limites de como conduz seu rebanho; no Mackenzie seus cargos foram creditados pela confiança da estrutura política da IPB. Ele nunca publicou um artigo científico na vida; não sabe o que é orientar iniciação científica, mestrado, doutorado; desconhece o que é a educação pública e seus desafios empíricos. O novo ministro é um pastor.

Por isso pode dizer que se educa a criança na vara, pois a bíblia o diz; por isso afirma que a Universidade estimula o sexo fora dos padrões bíblicos; por isso devemos esperar o pior nessa MECalvinização da educação. Detalhe: o novo ministro já apagou de suas redes sociais o vídeo acerca de sua pedagogia Pinochet e não Piaget para as crianças. Sinais do quê?

Ao cabo, o pastor pastoreia e o fará no MEC. A Educação nunca esteve em situação tão ameaçada em sua laicidade. Temos agora um ministro que não falará palavrões; detentor de titulação verdadeira; experiente político acrisolado no cadinho presbiteriano; orador carismático; doutrinador convincente – um nobre pastor.

Daí o perigo: pode um pastor abrir mão de suas crenças em nome do que é e deve ser científico para a Educação?  Pode um calvinista, formatado mentalmente nos princípios Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gratia, Solo Christo, Soli Deo Gloria comungar com o que escapada de “seus”: livro sagrado, fé, dogmas, perspectivas divinas? O pastor-doutor permitirá espaço nos livros didáticos para o candomblé; para a orientação sexual inclusiva; para o evolucionismo; para a crítica histórica à ditadura cívico-militar brasileira etc.?

Não deixo de ouvir os ecos das aulas de Teologia Sistemática nas velhas paredes do Seminário Presbiteriano do Sul. É uma passagem bíblica que se torna mantra ao rolo compressor autoritário de todo crente conforme a conveniência. Está na epístola de Paulo aos Romanos, capítulo 13, versículos 1 e 2: Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas.
Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos.

Mas isso só vale se forem autoridades condizentes com o ideário evangélico, tá ok?

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