A meritocracia presente do Bolsa Família ao Pronatec

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Publicado no Jornal GGN – 

Ricardo Paes de Barros, considerado o principal especialista em políticas sociais aponta os fundamentos da desigualdade social brasileira

Jornal GGN – Em entrevista concedida ao apresentador Luis Nassif, do Brasilianas.org, nessa segunda (04), Ricardo Paes de Barros destacou a importância das políticas públicas para a redução da miséria no pais, fazendo o Brasil sair da lista da fome da Organização das Nações Unidas, em 2014.




Mentor intelectual do grupo de economistas que concebeu o Bolsa Família, o professor do Insper avalia que o programa de transferência de renda contribuiu em 20% para a redução da miséria. Para ele os outros 80% de sucesso no combate à miséria se deve às ações que incluíram os trabalhadores pobres no mercado produtivo, a exemplo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), Programa Universidade para Todos (Prouni), e as ações de cotas para a entrada no ensino superior.

Paes de Barros defende que todos esses programas são compatíveis com a concepção de meritocracia.

“Não tem nada mais meritocrático do que você pegar pessoas que tiveram tantas desvantagens durante tanto tempo e compensar isso. Então ter um programa de cotas é a mesma coisa que você ter uma competição de regatas com barcos de tamanhos diferentes e com velas de tamanhos diferentes”. Portanto, para dizer que o primeiro que chegar é o que ganha é preciso fazer uma correção do tamanho das embarcações e das velas.

Professor do Insper, na Cátedra Instituto Ayrton Senna, engenheiro de formação, e doutor em Economia pela Universidade de Chicago, Ricardo Paes de Barros é considerado um dos principais especialistas em estudos social do país. Trabalhou no Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) durante 30 anos e foi subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República até o segundo semestre de 2015. Como acadêmico, arrecadou diversos títulos, dentre eles o Prêmio Celso Furtado em Estudos Sociais, oferecido pela Academia Mundial de Ciências (The World Academy of Sciences – TWAS)

Veja a seguir a transcrição completa da sua entrevista ao Brasilianas.org.

Luis Nassif – Como foi sua carreira e a evolução da ciência sobre os indicadores sociais?

Ricardo Paes de Barros – A minha carreira toda foi meio que dedicada a desenhar a política pública com base em evidência. Nem tudo da política pública você precisa desenhar baseado em evidências, mas não é muito inteligente você desenhar uma política pública que viola a evidência. Então para você aprender a usar evidência para desenhar a política pública, primeiro tem que ter uma base muito boa e conceitual para poder entender o que é desigualdade, o que é solidariedade, o que é produtividade, o que é meritocracia, o que é igualdade de oportunidade etc. Daí você tem que ter as técnicas, estatísticas, para medir essas coisas, saber teoria econômica, sociológica, antropológica, para relacionar essas coisas, pra saber o que causou a fantástica redução da desigualdade que aconteceu no Brasil nos últimos 15 anos.

LN – Quando você fala em política baseada em evidências, dá um exemplo.

RPB – É você desenhar a política bem informado sobre as informações existentes. Então, por exemplo, o Brasil hoje tem 4% ou 5% da população idosa. Então nós podemos ser bastante generosos com os nossos idosos, porque são 4% ou 5%. Mas a gente sabe que o Brasil está envelhecendo, por exemplo – uma evidência empírica -, cinco vezes mais rápido do que a França envelheceu. O que a França demorou 120 anos para envelhecer o Brasil vai fazer em 20 anos. Isso quer dizer, a nossa proporção idosa vai crescer muito rapidamente em 20 anos. Então se nós não procurarmos as formas corretas de financiar as políticas para esta população idosa, rapidamente nossa política vai entrar em colapso. Então isso significa você usar a evidência de um envelhecimento rápido para desenhar melhor a tua política.

LN – Quando você fala em desigualdade social, em geral se foca muito na questão da renda. Você fala que tem que ter os indicadores sócio-econômicos, culturais… Quais são os fatores que levam a essa desigualdade, além da renda?

RPB – Um dos fatores fundamentais ainda no Brasil, para a gente ter a desigualdade que a gente tem, é a fantástica desigualdade educacional. Essa é talvez a maior e mais importante desigualdade que a gente tem no Brasil. E essa desigualdade educacional vem, em boa medida, de uma desigualdade de oportunidade, vem exatamente da geração anterior. O sistema educacional brasileiro em vez de ele combater a desigualdade, de uma maneira que entram pessoas de origem familiares mais vulneráveis e mais ricas, e saem alunos com o mesmo nível educacional, ou nível educacional relacionado com o seu talento, a gente reproduz essas desigualdades.

Então a gente acaba pegando a desigualdade familiar, em ambiente familiar, traduzindo em desigualdades educacionais, tanto e quantidade quanto em qualidade. Lembra que só pouco mais de 50% dos jovens brasileiros terminam o ensino médio. Então a gente gera uma enorme desigualdade educacional, daqueles 50% terminam muitos vão para a universidade, 15% ou 20% terminam a universidade e outros tem uma escolaridade muito baixa. Isso gera uma enorme desigualdade. Essa é uma maneira. A outra maneira, é o tratamento diferenciado que acontece no mercado de trabalho, por exemplo, para brancos e negros; homens e mulheres…

LN – As relações sociais também pesam muito, né?

RPB – Claro.

LN – Quando se fala em escola, você vai para uma escola privada, além do ensino melhor, você tem todo um relacionamento que te facilita a vida…

RPB – Isso é o que a gente chama de capital social. É evidentemente que se você tem uma pequena empresa, os teus clientes dependem muito do seu relacionamento e o progresso teu, a tua inserção no mercado de trabalho depende muito das referências que você tem e da reputação que você construiu.

LN – O José de Castro, naqueles livros históricos, ele dizia que a pobreza, a miséria absoluta era uma questão cultural, tão entranhada assim que dificilmente as pessoas conseguiriam superar. A lógica do Bolsa Família, quando começou, lembro que vocês falavam ‘nós estamos salvando a geração dos filhos’. Essa fala estava um pouco dentro desse entendimento da miséria absoluta?

RPB – Claro. Se você está numa miséria absoluta você tem muito pouco tempo, condições, para planejar o futuro. E muito do progresso humano, de cada uma das pessoas e da humanidade em geral foi a capacidade de planejar o futuro, foi a capacidade de você investir hoje para você conseguir o retorno amanhã. Para um pobre, numa situação em que ele não tem nem comida para amanhã, para o dia seguinte, ele tem muito pouca capacidade de reclamar do trabalho dele, de fazer uma greve ou de fazer qualquer investimento na educação dos filhos dele.

Então qualquer sociedade minimamente razoável vai inventar um programa tipo Bolsa Família que garante a todas as pessoas o mínimo de tal maneira que aquela pessoa possa sair um pouco dessa trágica situação de lutar pela sobrevivência para uma situação em que ela pode, pelo menos, planejar minimamente o seu futuro. Ainda falta muito no Bolsa Família para a gente conseguir minimamente isso, mas é o caminho.

LN – Ricardo, se a gente pegar ao longo de sua carreira acadêmica e pesquisadora, o que mudou nos indicadores sociais brasileiros e internacionais?

RPB – Brasileiros mudou tudo. Eu jamais imaginaria que ao longo da minha carreira profissional eu ia ver tanta mudança social como nós vimos…

LN – Mas o que eu digo é nas estatísticas, mesmo, na qualidade das estatísticas.

RPB – Exatamente. Nas estatísticas no sentido de que a queda, por exemplo, da desigualdade no Brasil é uma coisa gigantesca. Na verdade nós temos um país que nos últimos 15 anos a renda dos mais pobres cresceu a uma taxa três, quatro vezes mais rápida do que a renda dos mais ricos. Então a renda dos ricos cresceu a uma velocidade X e a dos pobres estava crescendo a uma velocidade 4X. Na verdade os pobres brasileiros estavam crescendo 7% ao ano em níveis quase parecidos com a China, enquanto os mais ricos brasileiros, os 20 milhões mais ricos, os 10% mais ricos, cresciam 1% ou 2%, que é uma taxa típica de uma Suécia ou de um país muito desenvolvido que já está com uma taxa de crescimento relativamente muito baixa.

As mudanças sociais no Brasil hoje…a subnutrição no Nordeste, por exemplo, hoje é parecida, igual estatisticamente, à subnutrição na região Sul do Brasil. Eu achava que era uma coisa que nos próximos 50 anos a gente não ia conseguir ver.

LN – Você tem os indicadores hoje que mostram a melhoria em geral dos mais pobres, mas esses indicadores não captam a riqueza da maneira como o próprio [Thomas] Piketty andou levantando recentemente, sobre a concentração da riqueza, é mais a questão da renda e do salário, né?

RPB – É, ele capta aquilo que a gente vem, historicamente, captando e que é dramaticamente desigual no Brasil, que é fundamentalmente os salários, a renda dos trabalhadores. Hoje nós estamos com uma distribuição de renda entre os trabalhadores muito mais igual do que a gente tinha há 20 anos atrás.

LN – De um lado você teve o Bolsa Família, mas o salário mínimo também elevou o piso de entrada no mercado, teve um peso também?

RPB – O salário mínimo para a redução da pobreza tem muito pouco peso. Porque eu acho que o salário mínimo já está afetando as pessoas…  40% a 50% da população brasileiras vive abaixo do salário mínimo. Então esse povo, na verdade, não é tão afetado pelo salário mínimo. O salário mínimo parece que tem tido um grande impacto sobre o grau de desigualdade, mas relativamente menos impacto sobre a pobreza.

LN – E nessas estatísticas eu lembro de alguns estudos e relatórios que vocês soltaram mostrando que grande parte dessas famílias vivia da agricultura familiar. Como era, digamos, a estabilização da renda, de que maneira que interferiu na lógica dessas famílias?

RPB – Primeira coisa a gente tem que entender o seguinte, o Bolsa Família, esse tipo de transferência de renda, é 20% do sucesso social brasileiro. O grande sucesso social brasileiro foi a inclusão produtiva das famílias pobres no Brasil e isso aconteceu, em particular, na agricultura familiar. Em particular devido a fantásticos programas do MDA, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, como, por exemplo,  o programa de aquisição de alimentos, aonde o governo compra a produção dos agricultores familiares para usar em hospitais. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), também faz a mesma coisa. Isso promoveu uma enorme inclusão dos agricultores familiares brasileiros na economia brasileira. Então eles estão muito mais hoje parte dos mercados, com muito mais renda monetária e, portanto, tendo acesso a uma amplitude aos mercados muito maior.

LN – Em relação aos sistemas de controle de auditoria, como foi montado com as universidades?

RPB – Em que sentido auditoria? Avaliação, você diz?

LN – De avaliação e identificação e de fraudes também.

RPB – O Brasil sempre teve um sistema bom. A Receita Federal sempre teve um trabalho fantástico de trabalhar na calda superior. Com o advento do Bolsa Família e outros programas que dependem muito da focalização na calda inferior, acho que o MDS, o Ministério do Desenvolvimento Social, e o TCU [Tribunal de Contas da União], trabalharam bastante para eliminar um conjunto grande de potenciais fraudes em vários componentes deste programa…

LN – Mas quando você fala em receita, as fraudes que ocorriam era no âmbito de pessoas com renda, né?

RPB – Um dos grandes avanços que o fez Brasil foi exatamente a fiscalização, por exemplo, na legislação do trabalho, que foi muito importante. Grande parte de formalização brasileira veio do fato da fiscalização da informalidade ter ficado mais dura. E acho que grande parte da redução na evasão fiscal veio do fato de que a Receita Federal e dos Estados passaram a ter uma atitude e uma maneira de fiscalização da arrecadação de impostos mais dura. Então acho que tudo isso aumentou a arrecadação, aumentou a formalização e melhorou a focalização dos programas entre os mais pobres.

LN – Uma coisa que eu não sei se as estatísticas estão avançando, se os indicadores estão avançando nesse sentido, mas uma coisa que a gente não vê nesses programas são as chamadas externalidades positivas. Mas para dar um exemplo, o IPEA divulgou um trabalho, tempos atrás, com base nas pesquisas do IBGE, mostrando que 55% dos aposentados e pensionistas eram arrimo de família, então se eram arrimo de família, você tinha impacto na educação – porque os filhos ou netos não precisariam entrar tão cedo no mercado de trabalho -, na saúde, na própria segurança. Mas estes indicadores se pensava intuitivamente, você não tem indicadores medindo. Por que essa questão da externalidade positiva entre programas não avançou nos nossos estatísticos?

RPB – Porque é difícil medir isso. Já é difícil medir o impacto de uma política isolada, ou seja, medir essas externalidades que estão sempre presentes…

LN – Mas se você for comparar o universo de crianças embaixo de um aposentado e um universo de crianças sem isso, você faz a comparação. Este estudo, por exemplo, mostrava que as crianças em famílias de aposentados e pensionistas tinham mais tempo de estudo…

RPB – É difícil dizer que isso é o impacto da presença destas pessoas mais idosas porque tem várias outras razões que poderiam também contribuído para essa diferença. Uma família que tem  presente uma pessoa idosa, um avô ou uma avó, é tipicamente uma família muito mais estruturada do que aquela que não tem. Tem várias outras razões que poderiam levar a esse fato…

LN – Mas daí que entra a arte dos estatísticos…

RPB – Pois é. Exatamente é uma área que estamos puxando ao limite. Mas é muito impressionante como no Brasil, acho que talvez diferente de outros países do mundo, mais da metade dos nossos idosos, ou mais da metade das pessoas com mais de 70 anos vivem em famílias onde a renda dele é maior do que a renda per capita da família que ele vive. Então, na verdade, ele é um doador líquido de renda para a família dele, mesmo aos 70 anos…

LN – Provavelmente quando criança ele ajudou a sustentar a família e quando aposentado agora também…

RPB – Exatamente. Isso acontece porque temos um sistema de aposentadorias bastante generoso comparado, por exemplo, com o Bolsa Família. Se as crianças receberem o Bolsa Família, vão estar recebendo muito menos do que o idoso vai receber como pensão.

Pergunta da internauta Teresa Coutinho de Belo Horizonte: O Brasil ainda sofre com uma taxa significativa de evasão escolar, sobretudo nos últimos anos do ensino fundamental, existe algum esboço de políticas sociais que possam segurar os jovens nas escolas, torná-las mais atrativas?

LN – A gente poderia focar no Bolsa Família e na obrigatoriedade?

RPB – É uma pergunta fantástica, muito importante. É uma das questões mais importantes para o Brasil hoje a evasão da juventude da escola, não só na segunda parte do ensino fundamental, mas no ensino médio inteiro. A gente fica se perguntando um pouco por que isso. Acho que é menos uma questão da insuficiência de renda. Tem muito a ver com a perda de significado da escola. Acho que a escola hoje ela significa menos para esses jovens, e ela hoje tem menos impacto sobre a inserção desse jovem no mercado de trabalho do que ela talvez tivesse no passado.

LN – Você fala que ela deveria ser mais profissionalizante?

RPB – Não necessariamente mais profissionalizante. Acho que ela precisava ter mais significado. Ou seja, os jovens hoje, com tanta informação que eles têm, por vários caminhos, a escola tem que ser muito mais um lugar para eles desenvolverem o senso crítico, a capacidade de organizar essa informação, capacidade de processar essa informação, do que ser mais um lugar onde apresenta o mesmo que ele já tem acesso por outros caminhos, de uma forma pouco estimulante. Então parte dessa evasão acho que vem do conteúdo, portanto toda a mudança que a gente pode fazer agora com a nova Base Educacional Comum pode ser muito importante pra gente mexer isso.

A gente tem que ter uma escola menos conteudista e muito mais voltada para desenvolver o raciocínio crítico, o raciocínio criativo e outras formas de raciocínio. Hoje em dia as pessoas não vão aprender em N anos, elas vão aprender durante a vida inteira. Então durante o período que ela está na escola ela tem que aprender, e pode ser algo mais prático, pode ser alguma coisa mais abstrata, para ela se dedicar depois à ciência ou a outras áreas. Mas o que tem que ser é alguma coisa mais aberta, mais crítica e que permita às pessoas se desenvolver. [Tem que ser uma escola] mais moderna e que esteja mais conectada com o nosso mundo hoje.

Esses jovens que evadem não são poucos, são muitos e custam uma fortuna. Você gasta uma quantidade enorme com educação, tem lá o lugar e o jovem vai embora da escola. São bilhões de reais que a gente gasta todo o ano. Ninguém evade a escola sem nenhum aviso. O aluno falta uma aula, falta outra. Mostra que está descontente. Aí, ele evade. A gente precisa ter programas, e acho que no Brasil temos vários avanços nessa direção. O Ceará criou um programa muito grande, interessante, adaptado e copiado de Portugal, que é o professor diretor de turma. Onde ele bota em cada turma, ele escolhe um professor que cuida dos alunos de cada turma, sabe o que aqueles alunos estão precisando…

LN – Cuida de uma forma ampla?

RPB – Cuida de uma forma ampla, conversa com os pais. Se aquele aluno tem algum problema, vai lá tentar resolver o conflito. Se aquele aluno está descontente com a escola, ele vai conversar para ver o que o aluno quer, o que está faltando etc. Participa de todos os conselhos de classe.

A gente vai continuar tendo evasão se o aluno não se sentir acolhido e se o aluno não sentir que a escola é dele. Então acho que no Ceará eles têm esse plano de tornar a escola não uma escola para a juventude, mas uma escola da juventude. Isso é o que vai eliminar a evasão.

LN – Há alguns anos atrás as escolas do Piauí foram muito bem colocadas e tentaram levantar a metodologia e era essa participação do professor ir até a casa do aluno e essa integração toda…

Segundo Bloco

LN – Antes tinha uma discussão muito grande entre os focalistas que queriam focar nos mais pobres, e uma desconfiança que essa poderia ser uma maneira de não universalizar o combate à miséria. No Bolsa Família vocês usaram toda essa metodologia e conseguiram essa universalização. Como foram montados os passos iniciais?

RPB – Primeira essa discussão da focalização, evidentemente que os extremamente pobres são extremamente pobres. Se você der uma renda para todos os brasileiros evidentemente a maior parte dessa renda não vai para os extremamente pobres. O receio de fazer uma política focalizada é que, de alguma maneira, você vai segregar os pobres, você vai estigmatizar os pobres. O que tem que se ter em mente é o seguinte: o que a gente quer é uma política pública absolutamente não segregada. Nós gostaríamos na educação, por exemplo, que os alunos fossem todos para a mesma escola, ou mesma universidade, pobres e ricos, que eles fossem tipicamente no mesmo ônibus, tivessem na mesa sala, fossem almoçar no mesmo lugar, assim por diante. A única diferença é que vai chegar no final do mês e o pobre não vai receber nenhuma conta em casa, e o rico irá receber uma conta dizendo ‘pague isso’. Essa é a diferença entre focalizar e não.

No não focalizado você vai dar de graça para todo mundo. Mas dando de graça para todo o mundo obviamente seu imposto terá que ser muito maior. Se você cobrar dos ricos e não cobrar dos pobres…

LN – Você está falando em relação ao ensino gratuito?

RPB – No ensino gratuito, por exemplo, se você não cobrar dos ricos e não cobrar dos pobres vai ter que ter um imposto maior para cobrir essa conta toda. Se você cobrar dos ricos e não cobrar dos pobres, obviamente que teu imposto vai ser menor.

No caso do Bolsa Família a focalização era meio óbvia. A grande história do Bolsa Família é que é um resultado empírico aritmético óbvio que, vamos dizer, os 10% mais pobres do Brasil eles não conseguem nem ter 1% da renda brasileira e, portanto, você com 1% da renda brasileira você dobra a renda dos dez por cento mais pobres no Brasil. É uma aritmética simples que eu acho que o presidente Lula entendeu maravilhosamente bem e aí implementou esse programa, e com a ideia de que, dado que vou adotar uma transferência de renda e vou aliviar a pobreza dessas famílias, nada mais justa do que pedir para eles, como uma contrapartida, façam os devidos investimentos na saúde e na educação dos seus filhos, que vai promover uma próxima geração já sem a necessidade de transferências do Bolsa Família, embora o Bolsa Família seja um programa que sempre vai existir, porque seja na Suécia, seja nos países mais ricos, você ainda tem população que vai ficar pobre por diversas razões, por desemprego por exemplo, que vai necessitar de transferência de renda.

LN – Essa crítica repetitiva daquilo que não tem  porta de saída, de que o pobres se acostumam, como se fosse possível se acostumar com uma renda tão baixa, como é que foi pensado dentro da lógica do Bolsa Família?

RPB – O Bolsa Família, originalmente, não tinha nada desenhado, especificamente, como porta de saída. Agora com o [programa] Brasil sem Miséria, o Brasil está trabalhando de forma muito acentuada para criar essas portas de saídas. Essas portas de saída foram criadas, como estávamos falando antes, como na Agricultura Familiar, vários programas, desde o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], que é o crédito rural, aos programas de aquisição de alimento, programas de assistência técnica rural, extensão rural, qualificação profissional e etc., esses programas todos…

LN – Esse de qualificação profissional eu lembro quando começaram as obras de construção civil, lá atrás, de uma parceria da Câmara Brasileira da Indústria de Construção Civil com o Bolsa Família, envolvendo o SENAI… chegou a dar frutos?

RPB – A conexão do Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego] com o Bolsa Família é um sucesso, pelo menos, no número de famílias atendidas. Ou Seja, o Brasil,  na verdade, no cenário mundial deu um show de inclusão produtiva. Ele mostrou que as pessoas querem sair da pobreza. Não tem nenhum maluco que queira se eternizar como beneficiário do Bolsa Família…

LN – Essa história de querer ter filho…

RPB – Não tem ninguém que queira isso. Acho que o Brasil deu um exemplo de como somar o Bolsa Família com um conjunto de políticas que facilitem a inclusão produtiva do pobre, como é que ele agarra isso e o pobre, mais do que ninguém, quer progredir ele e os filhos na vida. Agora tem muito mais que a gente tem que fazer.

Por exemplo, uma iniciativa do MDS muito boa que a gente está aproveitando pouco, não está funcionando com a devida intensidade, é se você conseguir um emprego formal, mas você está com medo, em dúvida se vai continuar empregado, porque o cara pode te demitir a qualquer momento, é só pegar seu cartão, avisar ao programa que em princípio não precisar mais do Bolsa Família.

O Bolsa Família generosamente diz, ‘Por alguns meses mantenho o teu benefício, depois vou cortar. Mas, se por acaso, você perder seu emprego, me avisa que você volta automaticamente’.

Essa é uma maneira de encorajar as pessoas que queiram trabalhar no setor formal. Então mais dispositivos desse tipo podem ser feitos para melhorar o desenho do programa. Um erro que a gente pode cometer é achar que a gente desenhou o melhor programa do mundo, e de que esse programa não pode ser melhorado. Tem cinquenta mil maneiras. A França mesmo, nos últimos anos, reformou todo o sistema dela de benefícios para a população mais pobre exatamente voltado para a ideia de que um programa de transferência de renda tem que ser solidário, mas ao mesmo tempo tem que estimular as pessoas que querem trabalhar e as pessoas que querem trabalhar de maneira formal.

LN – Uma crítica que veio da esquerda e da direita também foi essa questão do consumo como elemento de inclusão. A esquerda achando que o Frei Betto que tinha que fazer catequese, e a direita achando que é um desperdício, porque põe o dinheiro e não diz onde gastar. Como vocês viram a questão do consumo como elemento de inclusão. O livre arbítrio é um fator pedagógico?

RPB – É claro que você dá certos incentivos é sempre útil. O livre arbítrio é fundamental pra saída da pobreza. Ninguém sai da pobreza sem autonomia, se não tiver protagonismo. E você restringir o livre arbítrio dessa pessoa é um absurdo. Mas, evidentemente, o Bolsa Família, em certo sentido, dá incentivos. Na medida em que dele exige botar seu filho na escola, isso é um incentivo e nós estamos o tempo todo, na economia, dando livre arbítrio mas, ao mesmo tempo, criando incentivos.

Na medida em que a gente tira os impostos, por exemplo, dos alimentos a gente diz pras pessoas: ‘Se alimentar é uma coisa legal, beber e fumar é uma coisa ruim’. A gente bota imposto aqui, e tira ali. Agora uma coisa é você mexer no preço aqui e ali, outra coisa é você ficar medindo quantos quilos, quantas batatas você comeu hoje, ou se você se alimentou, ou se gastou seu dinheiro com outra coisa. Então o livre arbítrio é uma coisa fundamental.

LN – E o protagonismo das mulheres também…

RPB – A taxa de participação feminina e o engajamento das mulheres na inclusão produtiva no Brasil tem sido espetacular.

LN – Tem estudo sobre a influência desse novo papel da mulher na formação dos filhos na sociedade, principalmente nas classes mais baixas a mulher sempre foi muito jogada para quinto…

RPB – Tem muitos estudos que mostram exatamente a direção contrária. Apesar de tudo, nós estamos incrivelmente em dívida ainda com as mulheres, tanto em termos da enorme discriminação que elas ainda recebem no mercado de trabalho, como da ainda fantástica discriminação que tem no ambiente familiar, onde elas são percebidas como excepcionais cuidadoras das crianças, da casa etc. Mas nós que reconhecemos a contribuição enorme delas, as vezes não fazemos o mesmo em termos de compartilhar o custo e o esforço que esse avanço trouxe. Ou seja, a gente reconhece o esforço dela mas, as vezes, não compartilha e dedica o próprio esforço em aliviar um pouco.

LN – Mas quando vocês entregam o cartão para ela administrar cria uma nova dinâmica aí, inclusive de estabilidade familiar. A mulher, a mãe, sempre é o ponto de estabilidade…

RPB – É uma coisa que as pessoas têm estudado bastante, porque deve dominar o papel emancipador. Quer dizer, deve dominar o papel de que é o Estado dizendo: ‘Você é a pessoa mais importante, você é o mais responsável, é pra você que vou transferir os recursos’. Mas, por outro lado, na medida em que o Estado diz que a criança tem que ir pra escola, os pré-natais têm que ser feitos, o Estado também está dizendo que é função dela fazer isso. Então o pai vira pra mãe e diz: ‘Esse cara não está querendo ir para a escola, o problema é teu. O Bolsa Família diz que dá o dinheiro pra você, pra você botar ele na escola’. Então, ao mesmo tempo que dá esse reconhecimento reforça um pouco também de que ela é responsável por tudo o que acontece naquela família.

LN – Tive algum tempo uma discussão com um colega seu, há alguns anos atrás, num certo período dos anos 90, que a renda caiu, e as mulheres saíram de casa e foram trabalhar fora, então a renda monetária aumentou, mas [nesse período] não se computou o que se perdeu do papel da mulher na formação da educação dos filhos. Tem algum estudo mostrando o impacto da mãe saindo de casa sobre a educação dos filhos?

RPB – Acho que têm vários, mas o que a gente tem que ter em mente é que é claro que se a mãe e o pai saem de casa para trabalhar, se os devidos cuidados não forem tomados, isso pode ter alguma repercussão negativa na educação do filho. O duro é dizer que porque a mulher foi a última a sair a culpa é dela. Então, a questão é o seguinte, na medida em que a mulher entra no mercado de trabalho e exerce seu direito da mesma maneira que os homens exercem esse direito, tem que dividir o trabalho e obviamente o custo ou o impacto não pode ser atribuído ao último que entrou. Mas, evidentemente, que tem esses impactos.

Pergunta da internauta Vitória Fonseca, de São Paulo: As políticas sociais brasileiras sempre sofreram pela falta de continuidade. Corremos esse risco hoje com o Bolsa Família?

LN – Daí entramos nessa questão da tentativa de cortes orçamentários…

RPB – Eu acho que o Bolsa Família não corre nenhum risco, acreditando no bom senso dos nossos dirigentes de hoje e de amanhã. Acho que é absolutamente um programa que veio para ficar.

Evidentemente, como todo o programa, tem várias mudanças e vários ajustes que precisam e que vão melhorar o seu desenho, mas acho que o Brasil hoje tem mais maturidade pra dar continuidade a uma série de programas importantes que ele construiu. Por exemplo, o Prouni [Programa Universidade para Todos], ou mesmo o Fies [Fundo de Financiamento Estudantil], tem que ser reformulado, repensado, mas acho que dificilmente não vão deixar de ter continuidade. Então hoje existe um respeito muito maior pelas instituições e por esses programas do que talvez tenha tido no passado. Mas isso não quer dizer que o programa continuando ele vai ser exatamente igual ao que era antes. Acho que a gente vai ter sempre que melhorar o desenho desses programas.

Terceiro Bloco

LN –
Como é que tem avançado esses programas de renda mínima em países mais ricos ou mais pobres que o Brasil?

RPB – Hoje uma quantidade enorme, não sei te dizer com exatidão quantos, mas dezenas de países pobres no mundo adotaram programas parecidos com o Bolsa Família e todos, praticamente, com renda mediana, como o Brasil, tem um programa como o Bolsa Família. O Brasil foi um dos exemplos nesse movimento a nível mundial.

LN – Você antes do Bolsa Família dava consultoria para muitos países da América Central etc. Em que consistiam a preocupação desses governos?

RPB – A preocupação de todos eles, os mais pobres, como Honduras, Nicarágua, El Salvador, Guatemala, muito preocupados com a redução da pobreza, um pouco preocupados com a desigualdade. Oaíses como Panamá, Colômbia, muito preocupados com a desigualdade. Tudo muito parecido com o Brasil, exceto que o Brasil sempre foi um país relativamente mais rico e muito desigual.

LN – Os Estados Unidos, aquele programas de alimentos, em Nova Iorque, quais eram as características desses programas? O que é a miséria nesses países? Quando falamos em miséria, em países como o Brasil, pensamos diferenças entre regiões, como metropolitana… Mas nesses países desenvolvidos onde se concentra a miséria, qual é a cara da miséria?

RPB – A característica que o Brasil tinha e que está deixando de ter com uma velocidade muito grande era ter o trabalhador pobre. Esses países, se você está trabalhando de uma maneira estável, dificilmente você chega perto da linha de pobreza. Então a pobreza é uma situação das pessoas cronicamente desempregadas, ou com alguma impossibilidade de se inserir no mercado de trabalho por alguma doença ou alguma coisa desse tipo, ou famílias muito desestruturadas, não típicas de uma família trabalhadora. O que o Brasil tinha, até vinte anos atrás, era uma quantidade imensa de trabalhadores que eles trabalhavam desde os quinze anos de idade, sempre trabalharam, os pais e os avôs sempre trabalharam e eles eram pobres. Isso, na cabeça de alguém de um mundo desenvolvido, quando chegava no Brasil não entendia nada. Ou seja, como pode alguém trabalhar a vida inteira e ser pobres? Não existe isso nos países deles.

Então eu acho que isso é que o Brasil [conseguiu], com esse aumento fantástico, a queda no desemprego, que a gente espera que não volte a aumentar, e com um aumento enorme da formalização, da melhoria fantástica da remuneração do trabalho [foi a diminuição dessa da desigualdade]. Hoje no Brasil quem trabalha dificilmente vai pertencer às famílias mais pobres, mesmo quem está lá no interior trabalhando na agricultura familiar. Cada vez mais a gente está incorporando as pessoas e tirando da pobreza.

Isso muda a cara da nossa pobreza. Nossa pobreza passou a ficar mais parecida com a pobreza americana, nesse sentido, que é uma pobreza onde a pessoa, se trabalha, normalmente, não é pobre.

LN – Os programas sociais de renda mínima, por exemplo, nos Estados Unidos, quais são as condicionantes?

RPB – Eles têm muito pouca. Eles não tem um programa tipo Bolsa Família, com esse tipo de condicionalidade. O que eles têm, que acho que o Brasil tem que desenvolver bastante também, porque acho que damos pouca atenção, é o nosso abono salarial.

Nós temos duas coisas no Brasil que foram maravilhosamente bem desenhadas e a gente dá pouco valor que é o FGTS e o abono salarial. O abono salarial é uma maneira de você aumentar o salário. O que ele é? Um trabalhador que tem baixo salário no Brasil recebe do governo um aumento todo mês de 8%, que dá um salário no final do ano. Então ele recebe como se fosse um 14º salário todo ano. Só que como ele não recebe exatamente no mês que ele trabalha, não se dá conta que é um subsídio ao trabalho. O que os americanos têm e que muitos países desenvolvidos têm é um programa de incentivo fiscal ao trabalho. Ou seja, você é um trabalhador com baixa remuneração? Cada hora que você trabalhar vou te dar 10% de aumento, por minha conta, o governo, não por conta do teu empregador. O que isso faz? Isso aumenta o salário de quem tem baixo salário, mas por outro lado você só ganha isso se tiver trabalhando. Então é um incentivo enorme ao trabalho, uma valorização do trabalho e do trabalhador com baixa remuneração.

Todos os países, praticamente, da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne os países mais ricos do mundo] tem um programa desse tipo. O nosso abono salarial é isso. O nosso salário família, em certo sentido, é isso. Mas é alguma coisa que a gente tem valorizado pouco e dado pouca atenção.

LN – No outro bloco você tinha falado do programa Brasil Sem Miséria, é muito pouco comentado. Em que ele consiste, e quais os resultados alcançados?

RPB – Não sei te dizer ainda qual é exatamente isolado o impacto do Brasil Sem Miséria, mas conceitualmente é um dos programas mais bem desenhados no mundo, talvez, de combate à miséria, porque ele parte do seguinte princípio: o que alguém, na miséria, quer? Quer sair da miséria. Então, em primeiro lugar, você tem que dar a mão para o cara, aliviar a pobreza dele, de tal maneira que ele possa… Enquanto você está mergulhado na miséria você não consegue dar um passo à frente. E você sair da miséria envolve ter protagonismo, ter que tomar certas atitudes, fazer certos investimentos, melhorar um pouco seu negócio, melhorar um pouco a sua produção agrícola pra você sair da pobreza. Então, o primeiro passo é o alívio da pobreza que vem com o Bolsa Família, e um Bolsa Família cada vez mais generoso e amplo.

Então, o primeiro pilar do Brasil sem Miséria é aliviar a pobreza da pessoa. Aliviei a sua pobreza, agora você pode pensar um pouco melhor, pode investir um pouco melhor, você pode fazer um programa de qualificação, você pode prestar atenção num agente de assistência técnica e extensão rural que vai te visitar, porque caso contrário, você estava desesperado, simplesmente com a tua colheita, você não iria prestar atenção nele. Então o segundo pilar do Brasil sem Miséria é a inclusão produtiva. É um conjunto de programas que busca levar ao pobre estratégias para ele se engajar produtivamente na economia brasileira.

LN – E quem é envolvido nessas estratégias?

RPB – Você tem, por exemplo, Ministério do Desenvolvimento Agrário envolvido, Ministério via vários programas de crédito, de assistência, de investimento, de infraestrutura e etc, e de compra e de comercialização. Então você dá ao pobre tanto acesso à insumos, sementes, você da assistência técnica, dá crédito e você dá apoio à comercialização. Dá esse pacote para ele.

Na área urbana você dá crédito para os pequenos empreendedores, você tem o papel fundamental do Ministério do Trabalho, principalmente com a economia solidária, formação de cooperativas e comunidades produtivas, arranjos produtivos locais, e você entra com educação, com o Pronatec, dando formação para essas pessoas. O Ministério do trabalho entra também com a intermediação de mão de obra, tentando casar esses trabalhadores com possíveis postos de trabalho. Então com um pouco de informação, com um pouco de insumos, informação e apoio à comercialização você consegue tirar…

LN – E tem sistemas de avaliação?

RPB – Muito menos do que a gente gostaria de ter. Então é um desenho fantástico, é um programa que reúne o MDS, com o Ministério do Trabalho, com o MDA, com o Ministério da Educação, com o Ministério da Cultura, com alguns programas de economia criativa. Então é um desenho fantástico, que é o segundo pilar.

E o terceiro pilar é que essas pessoas, pra sair da pobreza, elas precisam de serviços de boa qualidade, como de saúde e de educação. As vezes você está em uma situação em uma área isolada na Amazônia. Por que o cara é pobre naquela área isolada na Amazônia? Ele não tem acesso a telecomunicações, não tem acesso à comercialização, não tem como escoar a produção dele, não tem acesso à educação, à saúde. Então uma das coisas pra gente garantir uma vida digna a todos os brasileiros é aliviar a pobreza, garantir um leque mínimo básico de serviços, como Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, tudo isso entra pra você garantir serviços mínimos. E, mais importante que tudo, essa inclusão produtiva capacita  você a transitar para o carro chefe da economia brasileira.

LN – Agora, em cima do conceito, no dia a dia, dá pra perceber essa integração das diversas áreas?

RPB – Essa [integração] que acho que é o grande desenho. Foi criada no Ministério do Desenvolvimento Social uma secretaria especial exatamente para cuidar desse programa, e o nível de integração dele [Brasil sem Miséria] com os diversos ministérios é fantástico exatamente porque ele foi, durante todo o primeiro governo da presidente Dilma, o carro chefe do governo.

Então, por exemplo, a integração dele com o Pronatec é fantástica, a integração dele com todo o programa de agricultura familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário foi fantástico, a integração dele com a área de economia solidária do Ministério do Trabalho foi fantástico. Ele foi um programa muito bem articulado entre os diversos ministérios. Falta muito em termos de ter uma avaliação dele mais sólida.

Agora o que é certo é o seguinte, hoje exceto pelos 5% mais pobres no Brasil, os outros pobres estão cada vez mais conectados com a economia brasileira, estão cada vez mais produtivos e aumentando a sua renda devido ao seu próprio esforço, devido a sua própria produtividade.

Pergunta do internauta Lucas Abreu do Rio de Janeiro: Por que parcela da sociedade brasileira tem tanta resistência aos programas sociais como o Bolsa Família e as cotas nas universidades?

RPB – Pode ser que exista uma parcela desse grupo que tenha algumas razões ideológicas que dificultem eles ou levem a que eles concluam que não são bons programas. Mas acho que a maior parte desconhece, talvez, os detalhes dessas políticas e a eficácia dessas políticas em combater a pobreza e o fato de que elas são perfeitamente… Acho que a maior parte dessas pessoas tem uma certa percepção de que essas políticas são incompatíveis com a meritocracia e eu acho que talvez faltou um pouco nós conseguirmos demonstrar o como não tem nada mais meritocrático do mundo do que um Bolsa Família e um programa de cotas. Um Bolsa Família é aquilo que te alivia a pobreza de tal maneira que você possa ter controle sobre sua própria vida, passar a ter o livre arbítrio e poder tomar decisões com relação ao futuro.

Não tem nada mais meritocrático do que você dar às pessoas condições para elas poderem fazer isso. É a mesma coisa, um programa de cotas, não tem nada mais meritocrático em você pegar pessoas que tiveram tantas desvantagens durante tanto tempo e compensar isso. Então ter um programa de cotas é a mesma coisa que você ter [uma compensação em uma competição] de regatas com barcos de tamanhos diferentes e com velas de tamanhos diferentes. Então numa regata ele já sabe que o primeiro que chega não é o que ganha. Você teve uma correção pelo tamanho das embarcações, pelo tamanho das velas etc.

A gente tem que, na hora que for admitir alguém na universidade, olhar para frente, e tem que saber o seguinte, qual é o potencial da pessoa em termos de aprendizado? As vezes alguém que vem de um ambiente familiar muito mais pobre, vem de uma família negra, a quantidade de coisas que ele teve que aprender durante a vida dele é muito maior do que uma pessoa que vem de uma família rica, como a garra. O potencial dele para frente pode ser até maior

Então você tem que compensar, mas obviamente não será fazendo uma prova num dia que você vai ta equalizando as oportunidades, nem promovendo a meritocracia. A meritocracia é mais sofisticada do que uma prova em um dado dia e, portanto, o sistema de cotas é uma tentativa de você gerar um sistema de compensações que busca a meritocracia. Acho que o que a gente tem que chamar muita atenção é que nenhuma sociedade jamais em tempo algum vai ter sucesso sem meritocracia. Só que tem que interpretar a meritocracia da maneira correta e a gente tem que, no desenho de todas as políticas brasileiras incorporar a meritocracia e demonstrar como que ela está presente do Bolsa Família ao Pronatec, ao Prouni e assim por diante.

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