Compartilhado de Brasil 247 –
“Um país com milhões de excluídos precisa, sim, de uma esquerda forte, mas precisa também de uma mídia plural e democrática, coisa que a Globo não é, nem mesmo como caricatura”, afirma o jornalista Ricardo Amaral
Uma das maiores limitações da mídia brasileira é acreditar no que publica; uma imprensa que não lê a divergência, para não mencionar os fatos, e se enreda nas realidades virtuais que vai criando. É o caso dos artigos de Ascânio Seleme, no Globo de 11 de julho, sobre “perdoar” um PT que a maior parte da mídia criou para ser odiado, e de sábado (18), em que um outro PT é criado para receber o perdão que nunca pediu. Os PTs ali retratados são criações fictícias como enredos de novela, com a diferença de que estes são mais próximos da vida real.
O primeiro artigo parte de uma constatação rara em nossa imprensa, a de que o país em crise profunda não vai se reencontrar excluindo um terço da população, a parcela identificada com Lula e seu partido. Mas não extrai desse fato a consequência que estaria ao alcance da própria Globo: levantar a censura imposta ao PT e a Lula pelo maior grupo de comunicação do país. Seria o gesto imprescindível para restabelecer o debate democrático, mais eficaz que a arrogante oferta de perdão a quem sofreu a maior campanha de destruição de imagem já feita contra um partido e seu líder.
O PT e o Lula excluídos da Globo e do debate foram forjados nas 13 horas de notícias negativas somadas no Jornal Nacional entre janeiro e agosto de 2016; o julgamento midiático que antecedeu a denúncia do powerpoint em setembro. O “tríplex do Lula” nasceu numa notícia falsa e jamais corrigida do Globo, em dezembro de 2010, e transformada na última hora em “prova” da denúncia frívola (“Tesão demais essa matéria de O Globo. Vou dar um beijo em quem de vocês achou isso”, registrou Deltan Dallagnol nos arquivos da Vazajato). Foi pela Globo que Sergio Moro fez a diferença, vazando o grampo ilegal da presidenta Dilma em 16 de março de 2016
Diferentemente do que diz o artigo deste sábado, o PT não foge do assunto Petrobrás: denuncia a manipulação dos processos e o acobertamento da corrupção tucana, confessada desde Pedro Barusco, o pai das delações. Nem diz que o mensalão foi inventado pela mídia: denuncia a pressão que ela exerceu sobre um STF que julgou “com a faca no pescoço”. Tampouco o PT defende o “controle popular” da mídia, mas a regulamentação dos artigos 220 a 240 da Constituição, que não interessam à Globo e seus associados regionais porque estabelecem diversidade, pluralidade, respeito às identidades étnicas e regionais nas concessões de TV. Coisa de outro mundo.
De fato, o PT da Globo e da maioria da imprensa é uma longa criação, para a qual contribuem fragmentos da realidade, mitos, preconceitos e, obviamente, os erros cometidos em 40 anos de uma trajetória que jamais foi objeto de debate equilibrado na mídia. E não seria agora, porque essa narrativa histórica, com perdão pela palavra gasta, justificaria outra, terrivelmente atual, de que a rejeição ao PT seria responsável pela ascensão de Bolsonaro. Como se a mídia não fosse acionista fundadora da indústria do antipetismo que a tantos propósitos tem servido, inclusive o de explicar sua responsabilidade no golpe de 2016 e no processo eleitoral de 2018.
A imprensa daria um grande passo se criticasse o PT pelo que o partido realmente é, não o que ela gostaria que fosse. Da mesma forma que Sergio Moro e a Lava Jato tornaram-se prisioneiros da farsa judicial que criaram para condenar Lula (e eleger Bolsonaro), a maior parte da mídia é refém da caricatura do PT que ela desenhou e não consegue apagar nem mesmo para permitir o inadiável reencontro do país com a normalidade. E por isso tem de desenhar, volta e meia, um PT que não seria nem o real nem sua caricatura, nem sua direção nem sua militância, mas um partido domesticado e livre dessa ideia radical de acabar com a desigualdade no Brasil.
Só que não existem dois PTs, como não existem duas Globos. No PT convivem e podem divergir Lula, Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad, Eduardo Suplicy, Rui Costa e Benedita da Silva, mas, diferentemente da Globo, onde também convivem divergências, o PT não tem dono. A Globo tem. E é ele (ou eles) quem define o que é o que é não é notícia, como fazia Roberto Marinho, quem pode e quem não pode falar no JN. É quem não admite o PT no jogo político. Um país com milhões de excluídos precisa, sim, de uma esquerda forte, mas precisa também de uma mídia plural e democrática, coisa que a Globo não é, nem mesmo como caricatura.