A miséria humana expande os limites do tolerável na capital paulista

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Por Adriana do Amaral e Tião Nicomedes de Oliveira, jornalista e artesão e ativista dos direitos da PopRua

Vem aí um período tenso para a PopRua . Ações da prefeitura e do estado prometem uma intervenção ainda mais forte na região da Luz e a chamada Cracolândia, centro histórico de São Paulo. A comunidade em situação de rua se dispersa, se espalhou pela cidade.




Em meio ao combate contra o tráfico, furtos, roubos e depredação, tudo o que remete ao “cachimbo”, está a protagonista do caos: a miséria. Consequência do descaso das autoridades e, até mesmo, da inação de parte da população abastada.

A cidade tornou-se terra de sobreviventes. Uma espécie de “walking dead” real, ou “purgatório” terrestre. Ao abandono soma-se a economia neoliberal e suas práticas excludentes, onde só tem valor quem tem bens.

A população em situação de rua cresce a olhos vistos e a miserabilidade dos seres viventes, ou seriam sobreviventes, impressiona. Muitos comem nas calçadas direto dos sacos de lixo. 

As medidas por parte do poder público são excludentes e higienistas. Geralmente, culminam em ações casadas como Operação Caronte e a Operação Feira do Rolo.

Curiosamente, no pacote a pessoa em situação de rua torna-se alvo da violência explícita, física e/cidadã: fechamento de banheiros públicos (Vidas no Centro) e fechamento de “bocas de rango”.

As poucas medidas sanitárias disponibilizadas nos anos de isolamento social se esvaíram. Alguns serviços ainda mantidos, como a tenda de Avenida Rio Branco, via Rede Cozinha Cidadã, segue com distribuições de refeições, mas a comida, apesar de ser o principal recurso de sobrevivência, está longe de ser o principal problema.

A arquitetura urbana da metrópole expõe e confronta a realidade brasileira. Nunca, como agora, a exclusão social é tão latente. Falta comida, trabalho, assistência social e, principalmente, moradia. O que desencadeia todo o caos social. Afinal, quem não endereço não tem direitos no Brasil.

Comércio de quentinhas e gêneros doados.

Não bastassem as trovoadas que vêm por ai, que explodem em bombas de efeito moral, surgiu, na capital econômica do país, um fenômeno totalmente fora de nexo: a máfia das marmitas. Sabe se lá como conseguem acumular tantas marmites e, pasmem, saem pela cidade vendendo comidas de doações.

Coisa que tem causado revoltas nas filas de distribuição.

Quando todos comem e alguns repetem, tudo certo. Ninguém sabe a dimensão da fome! O problema é quando falta aos últimos e, principalmente, a quem chega em cima da hora. Quando acontece o pulo dos gatunos da fome alheia.

Ao longo desta semana, acompanhamos a venda de marmitas doadas. Cenário cruel, onde a exploração se faz de forma geométrica.

Ao perceberem a demanda maior do que a oferta, alguns pegam marmitas a mais e saem vendendo pela cidade. O preço, a partir de R$ 2, pode chegar a R$5 ou até mesmo dez contos aos desavisados.

Uma integrante do Conselho Municipal da População em Situação de Rua relatou à nossa reportagem (por razões de segurança preferimos não identificar as fontes) existir uma “Máfia da Rua que se acha dona das ruas”. “Eles tocam o terror, não pegam fila, sempre dominando com força e impondo o medo”.

Ela mesma foi ameaçada por diversas vezes enquanto participava da distribuição de refeições da Cozinha Cidadã, na região de Santo Amaro, na zona Sul.

“A Rede Cozinha Cidadã sempre foi uma forma de ganho, mas a Máfia da Rua funciona e se impõe”, relata a integrante do Comitê PopRua. Explicando que “as pessoas estão se alimentando nas ruas porque têm fome”, a militante afirma existirem denúncias de que mesmo algumas instituições acabam negociando as refeições a fim de arcar com prioridades na assistência prestada.

Afinal, cuidar custa caro e as doações têm se rareado, assim como inexiste fomento público.

Mas, a cada ação há uma reação. Olheiros do Bem têm acompanhado de perto, nas ruas de São Paulo, o comércio irregular. Sempre que possível eles tomam as quentinhas de volta e as retomam a distribuição gratuita.

Associações de bairros também vêm acompanhando eventuais situações de desperdício e reclamam de restos de comida deixados ao ar livre, além de denunciarem flagrantes do comércio das marmitas. Em alguns casos caixas de isopor, lotadas até a tampa, revelam que as “misturas” são selecionadas e o arroz e o feijão descartados, deixados para alimentar ratos.

A indústria paulista da Miséria S.A

O caos social gera distorções outras. Há semanas, recebemos a denúncia de “líderes” comunitários denunciando que “atravessadores” se aproveitam da vulnerabilidade de pessoas em situação de rua e movimentam um comércio paralelo de roupas doadas. Na ponta desse negócio lucram alguns brechós. 

Muitas vezes, as roupas são encaminhadas pelos doadores às ocupações e comunidades, mas não chegam ao seu destino final. Alguns voluntários, para coibir o comércio dos itens doados têm se desdobrado em cuidado, separando as peças por tamanho e entregando-as diretamente a quem precisa.

Estima-se que cerca de 50 mil pessoas vivem nas ruas de São Paulo. Pessoas com perfis distintos, que reproduzem a diversidade da sociedade brasileira. Uma análise mais atenta, entretanto, mostra que as famílias afetadas pelo desemprego, durante a pandemia da Covid-19, ainda não conseguiram se recuperar. Falta comida, falta água, falta política pública, falta tudo na rua.

Defendemos a ideia da implantação urgente da moradia como ponto de partida para a retomada da dignidade da pessoa humana. Sabemos que, sem casa, todos os demais direitos são retirados do cidadão, que com o passar do tempo e pelas adversidades vividas, na maioria das vezes, não consegue retomar a vida em sociedade.

Fotos: Tião Nicomedes

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