Empresa, registrada numa quitinete em Brasília, tem um braço no balneário de Ibiza, na Espanha
Por Rodrigo Rangel e Sarah Teófilo, compartilhado de Metrópoles
A investigação da Polícia Federal que mira desvios de verbas do FNDE, o bilionário fundo que banca despesas do Ministério da Educação, jogou luz sobre o até então discreto Luciano Cavalcante, faz-tudo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Cavalcante, que acompanha Lira desde o início de sua carreira política em Alagoas, foi alvo de um dos mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça. Os policiais descobriram, ao longo da apuração, que endereços dele foram visitados por entregadores de dinheiro vivo que serviam ao esquema. À época dos desvios, o FNDE estava sob o comando de apadrinhados do PP, o partido de Arthur Lira.
A investigação mostrou ainda que o assessor de Lira – que até a deflagração da operação ocupava um cargo na liderança do PP na Câmara pelo qual recebia menos de R$ 15 mil brutos por mês – é dono de uma mansão cinematográfica em um dos condomínios mais exclusivos do litoral alagoano, na região de Maceió. Outros aspectos pouco conhecidos da relação de Luciano Cavalcante com o próprio Lira também ganharam evidência.
Como a coluna revelou na semana passada, três empresas representadas por uma firma de intermediação de publicidade aberta em 2021 pelos filhos de Lira e Cavalcante receberam R$ 34 milhões em verbas federais nos dois últimos anos do governo de Jair Bolsonaro, do qual o presidente da Câmara era aliado. A Omnia360º funciona numa sala alugada na região central de Brasília cujo dono é um conhecido lobista da capital. Arthur Lira Filho, de 23 anos, e Maria Luiza Cavalcante, de 25, são sócios formais da firma.
Conexão Brasília-Ibiza
A jovem Malu Cavalcante, como é conhecida, aparece ligada a um outro negócio aparentemente lucrativo e com um braço no exterior: uma loja de joias banhadas a ouro e de roupas de moda praia, como biquínis e maiôs. A Puro Extasy Ibiza foi aberta recentemente, em dezembro do ano passado. Está registrada formalmente em nome de dois amigos de Malu.
Malu posa para fotos de divulgação da marca Reprodução/redes sociais
O endereço declarado da empresa é o apartamento de um deles, em um prédio de quitinetes do Sudoeste, em Brasília. Só que o negócio vai além. Além de vender seus produtos pela internet, com o slogan “em busca do amor, da liberdade e do extasy (sic) da vida”, os jovens abriram uma loja física no badalado balneário de Ibiza, na Espanha. Malu Cavalcante estava lá.
A despeito da badalação, a empresa é envolta em mistério — inclusive no que diz respeito a quem são seus verdadeiros donos. O endereço espanhol da loja não aparece em lugar nenhum. O mesmo acontece com o endereço no Brasil.
Figura onipresente
Embora não figure no quadro societário, a filha do faz-tudo de Arthur Lira exibe o nome da Puro Extasy ao lado do da Omnia360º em seu principal perfil nas redes sociais. À coluna, Malu Cavalcante negou que seja dona da empresa. “Sou apenas amiga dos donos. Ajudo modelando e divulgando, mas não tenho nenhuma relação profissional”, afirmou ela, por mensagem.
Em seu site, a Puro Extasy se apresenta como “uma marca brasileira para mulheres fortes e poderosas, que representa independência e liberdade”. “Com produção independente, a marca busca oferecer produtos de alta qualidade, levando a identidade da moda praia brasileira para toda a Europa, começando por Ibiza”, diz ainda o texto de apresentação.
Na internet, Malu aparece em diversas imagens de divulgação dos produtos e nos eventos da loja – em praias paradisíacas, a bordo de lanchas e em animadas festas (veja galeria e vídeo). Em uma gravação publicada em outubro do ano passado, ela está em Ibiza junto com os dois amigos que são sócios formais da empresa – um deles se identifica como cientista de dados formado em estatística pela UnB e o outro tem um grupo de pagode.
“Oficialmente” ela não é dona, diz sócio
Indagado pela coluna sobre a ligação da loja com Malu Cavalcante, a filha do faz-tudo do presidente da Câmara, Arthur Batista Aragão titubeou antes de admitir que ela atua na empresa. Ao ser perguntado se ela é ou não sócia oficialmente, ele disse: “Oficialmente, não”. Em seguida, após ouvir mais perguntas sobre a relação, encerrou a conversa. “Não vou responder, não”, respondeu, antes de desligar o telefone.
A investigação da Polícia Federal busca mapear a extensão das conexões de Luciano Cavalcante, pai de Malu e principal assessor de Lira, com as fraudes envolvendo as verbas do Ministério da Educação. Há suspeitas de que o mesmo grupo investigado no caso, incluindo um casal que sacava dinheiro de contas de uma rede de empresas de fachada e em seguida fazia o delivery dos maços de reais acondicionados dentro de bolsas e sacolas em Brasília e em Alagoas, possa estar envolvido em outros esquemas de desvios de recursos públicos.