A morte de uma estrela supergigante

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Por Ulisses Capozzoli, jornalista – 

Desde fins do ano passado uma notícia inquieta a comunidade astronômica: a supergigante estrela Betelgeuse (Alfa da constelação do Órion) está se comportando de maneira a se tornar uma supernova? Qual o significado de um evento como este, do ponto de vista científico e ambiental, no Braço de Órion, região da Galáxia em que se localiza o Sistema Solar? Muitos significados e todos interessantes. Mas, para começar, é preciso saber o que é uma estrela supernova.

Para a maioria das pessoas o céu parece ser sempre o mesmo: imutável e eterno. Mas as coisas, todas elas, não se comportam dessa maneira e a verdade é que as estrelas também nascem, vivem e morrem. No caso de Betelgeuse estar a caminho de uma supernova significa que ela está literalmente à beira da morte.




Supernova é o estágio na vida de uma estrela de grande massa, quando ela “queimou” hidrogênio o suficiente para não poder mais conter a pressão da gravidade que atrai todo seu envelope em direção ao próprio centro, como uma pedra que cairia para o núcleo da Terra em um poço imaginário. No caso de uma supernova, a matéria em queda em direção ao seu próprio núcleo produz uma pressão gigantesca capaz de sintetizar elementos químicos mais pesados que o ferro, caso do ouro e urânio, que produz uma explosão gigantesca, a mais poderosa do Universo, fazendo com que ela se desfaça como fogos de artifício e fertilize o espaço circunvizinho com elementos químicos capazes de produzir não apenas uma nova geração de estrelas, mas supostamente também planetas e eventos como a vida.

A mais recente supernova observada na Grande Nuvem de Magalhães (próxima ao Cruzeiro do Sul, se observada da Terra) galáxia satélite da Via Láctea, ocorreu em 1987, a aproximadamente 180 mil anos-luz (um ano luz equivale a 9,5 trilhões de quilômetros). Antes dela, em 1054, uma supernova explodiu no interior da constelação do Touro e gerou uma nebulosa que se espalha ainda hoje à velocidade de 7 milhões de quilômetros/horas, com o caroço que sobrou da estrela progenitora rodopiando loucamente no centro dela sob a forma de um pulsar.

A comunidade astronômica concentrada em Betelgeuse tem observado uma contração no corpo da estrela, a mais brilhante da constelação do Órion (onde estão também as conhecidas “Três Marias”) no infravermelho, o que indicaria a queda de sua atmosfera em direção ao centro e deve culminar com a explosão de destruição final. Para alimentar essas suspeitas, ondas gravitacionais com origem na região em que a estrela se encontra no céu, sugerem uma explosão não observada, por exemplo, na luz visível, a janela por onde observamos o mundo com um detector biológico: nossos olhos.

A explosão de uma supernova libera, entre outras componentes do espectro eletromagnético, radiação gama, forma de energia extremamente poderosa e destrutiva, capaz de calcinar um planeta como a Terra. Mas, supostamente, essa fonte só seria ameaçadora a até 150 anos-luz de distância e Betelgeuse, com diâmetro de 1,6 bilhão de quilômetros (o Sol tem 1,4 milhão de quilômetros de diâmetro) está a uns 600 anos-luz da Terra e assim, supostamente, livre de ameaças mais sérias, ainda que seja possível sofrer, aqui, algum efeito dessa explosão distante.

Se Betelgeuse estiver mesmo se encolhendo (a imagem que chega na Terra agora mostrando esse processo deixou a superfície da estrelas há 600 anos, antes da chegada da frota de Cabral à costa da Bahia) será uma oportunidade inédita para a astronomia compreender o processo de evolução estelar a uma distância comparativamente próxima.

O evento de Touro, observado em 1054 por astrônomos chineses e índios americanos, (na Europa o veto religioso da igreja cristã inibiu comentários de astrônomos, por uma suposta perfeição do céu) ocorreu há pouco mais de 4 mil anos-luz e a da Grande Nuvem de Magalhães foi ainda mais distante.

A explosão de supernovas, no entanto, em lugar de um evento de destruição, como pode parecer à primeira vista, está intimamente associada à vida. Os elementos químicos elaborados no interior do caldeirão estelar são a base da construção de outras estrelas, mundos como a Terra, e todas as formas de vida. Isso significa, entre outras consequências, que a transmutação dos elementos defendida pelos antigos alquimistas estava correta, com a diferença de que a panela e o fogo de que eles dispunham eram pequena e fraco. Com o enorme caldeirão estelar, no entanto, alimentado pela fusão nuclear que ocorre no interior das estrelas, as relações são outras.

Num momento em que tolices como a ideia de uma Terra Plana ganha adeptos em meio a uma insanidade divulgada pela facilidade de comunicação social, eventos cósmicos como a possível condição de supernova para uma estrela como Betelgeuse pode trazer a oportunidade de uma reflexão sobre o fascínio do universo de que somos parte indissociáveis, o que significa dizer que não só estamos aqui, mas somos parte de um todo complexo, fascinante e indissociável.

Para quem desejar observar Betelgeuse nos próximos dias: a constelação do Órion está nascendo no horizonte leste logo ao anoitecer e, por volta das 22h30, estará sobre a cabeça de um observador, em astronomia referido como “zênite”. Betelgeuse é a estrela vermelha na extremidade norte da constelação. Mais ao sul estarão as “Três Marias” (Alnilam, Mintaka e Alnitak, nomes árabes evidentemente) e ainda mais ao Sul, no que parece uma estrela desfocada, a grande Nebulosa do Órion, berçário de estrelas recém-nascidas, com 10 mil anos de idade, mais jovens que a humanidade. A Nebulosa do Órion é também uma fonte cósmica de água com formação, a cada meia-hora, de todo volume de água disponível na Terra, algo próximo a 1,4 milhão de km³.
Que a observação do céu nos ajude a nos distanciarmos das trevas do obscurantismo.

Foto: Betelgeuse a mais brilhante (no infravermelho) estrela da constelação do Órion que, nestes dias, nasce ao anoitecer.

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