Por Ulisses Capozzoli – jornalista
Hoje é aniversário de 100 anos da morte do tempo absoluto, ou o tempo universal, a ideia, defendida entre outros por Sir Isaac Newton (1643-1727) de um tempo comum a hipotéticos observadores em quaisquer pontos do Universo.
O tempo absoluto permanece verdade intuitiva ainda hoje, mas foi demolido, logicamente, pelo físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955) em um agora célebre debate na sede da Sociedade Francesa de Filosofia, em Paris, com o filósofo Henri Bergson (1859-1941).
O debate, sintetizado por Einstein em uma única frase: “O tempo dos filósofos não existe”, afetou a ambos. Para Bergson, uma das grandes mentes da França na época, foi o início de um declínio de prestígio. Einstein, por outro lado, impactou o pensamento contemporâneo com a rudeza de um soco e assim perdeu o Prêmio Nobel.
Ele recebeu, sim, este prêmio, mas pelo efeito fotoelétrico e não pela relatividade, como seria de se esperar.
A morte do tempo absoluto, no entanto, estava anunciada desde 1905 quando Einstein expôs a relatividade restrita, ideia de que qualquer informação, qualquer evento no Universo, pode propagar-se no máximo à velocidade da luz, limitada a aproximadamente 300 mil km/s no Cosmos.
Se o sol apagar-se, por exemplo, um observador na Terra (mais próxima) se dará conta do fenômeno em um tempo diferente de um suposto observador em, digamos, Netuno, mais distante do Sol.
Mas, se a relatividade restrita havia sido exposta em 1905, por que só em 1922, foi usada por Einstein contra o tempo absoluto de Bergson? A resposta está em um evento ocorrido em 1919, um eclipse solar visto como total em localidades como a cidade de Sobral, no Ceará, cuidadosamente fotografado por astrônomos internacionais.
Essas imagens demonstram o acerto de Einstein ao defender que um poderoso campo gravitacional curva a estrutura do espaço-tempo e com isso distorce a propagação da luz.
Os astrônomos fotografaram o céu antes e durante o eclipse e confirmaram a veracidade da relatividade geral, uma teoria de gravitação.
Apenas esta história já seria fascinante, mas, aqui a referência a ela será sumária pela exiguidade de espaço.
Quando Newton expos sua gravitação universal, em 1687, seus críticos (sempre os críticos) disseram que ele não havia exposto a natureza do fenômeno.
Newton se limitou a dizer que suas equações diziam respeito ao comportamento da gravitação e que deixaria sua natureza à interpretação de seus leitores.
Einstein foi um dos leitores de Newton e decifrou o enigma ao dizer que a gravidade é a curvatura da estrutura do espaço-tempo sob ação de um poderoso campo formado pela concentração de matéria ou energia, a mesma coisa, sob aparências distintas.
Então, a relatividade restrita de 1905, que permanecia em suspense, acabou validada pela comprovação da relatividade geral em 1919.
Einstein, à época, estava se separando de sua primeira esposa, a matemática sérvia Mileva Maric (1875-1948), e se casaria com uma prima dele, Elsa Einstein (1876-1936).
Contava com o Nobel da relatividade geral para indenizar Mileva e custear a manutenção dos três filhos que tivera com ela.
O nocaute de Bergson, no entanto, chocou o comitê do Nobel presidido por uma mente brilhante, o físico-químico Svante Arrhernius (1859-1927) quem primeiro fez referência ao efeito-estufa na atmosfera.
A questão acabou contornada com a premiação a Einstein pelo efeito fotoelétrico e com isso ele cumpriu o combinado com Mileva que sofria restrições da mãe de Einstein.
A relatividade geral continua produzindo novos e surpreendentes resultados. O mais recente deles, divulgado na semana passada, pela chamada “lente gravitacional” produzida pela distorção do espaço pela interposição de aglomerados galácticos que permitiu a observação da estrela mais distante já detectada, a 13 bilhões de anos-luz, período datado como da infância do Universo.
A gravidade está por trás das formas esféricas dos corpos celestes. Em uma esfera, todos os pontos de sua superfície estão à mesma distância do centro (há uma perturbação produzida pela ação da força centrífuga devido à rotação dos corpos) e isso explica a razão de um balde de água despejado em uma sala, por exemplo, correr para o ponto mais baixo.
Ainda que a diferença seja de apenas um centímetro, este ponto mais baixo está mais próximo do centro da Terra e por isso a água corre para lá.
Se você perguntar a alguém por que a água se comporta dessa maneira, fluindo do ponto mais alto para o mais baixo, provavelmente terá como resposta uma ironia, não uma explicação racional.
O pedreiro que construiu o box do banheiro do apartamento que estou usando neste exato momento, por exemplo, colocou o ralo no ponto mais alto por uma combinação de displicência e completa ignorância das leis naturais que deveria ao menos intuir.
A preguiça mental, produzida ou resultado da ignorância, é capaz de feitos memoráveis.
Já o contínuo espaço-tempo, presente na relatividade geral, pode ser algo como um grão de sal, o que nos leva a definir o Universo como uma gigantesca montanha de sal.
A granulação do espaço-tempo vem sendo proposta como uma estrutura inseparável, como ocorreu num primeiro momento com o átomo que, desde então se desdobrou em partículas e compromete a descrição do tempo como a fruição de um passado para o futuro.
Até porque, nos fundamentos do mundo, na mecânica quântica que está na base do que somos cada um de nós, incluindo os neurônios com que processamos informação, o tempo é algo como um caranguejo indeciso e pode caminhar, digamos, de lado ao invés de deslocar-se para a frente e para trás (futuro e passado).
Partículas podem tanto se decompor para formar várias outras como reunirem-se para forjar uma única. Nos alicerces do mundo pode-se dizer que o tempo não existe.
Mas é difícil manter esse ponto de vista à frente do espelho, enquanto se barbeia ou faz a maquiagem, e se dá conta de uma ruga insinuante que, ainda na semana anterior, parecia não existir.
Imagem: O Universo Observável. Ilustração, crédito e licença Wikipedia-Pablo Carlos Budassi-APOD.