A morte e a morte da Seleção Brasileira

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Luiz Antonio Simas pelo Facebook – 

Galvão Bueno tendo um ataque apoplético após o jogo da seleção brasileira é comparável ao General Custer indignado com o genocídio de índios norte-americanos. Galvão, afinal, que foi em outros tempos ótimo narrador, é um ícone, com suas patacoadas histéricas de arauto do Brasil grande, do processo mais amplo de destruição da seleção masculina de futebol. A obra dessa destruição é complexa, coisa de morte matada com mais de oitenta tiros e uma cacetada de assassinos. E digo logo que é uma morte dupla, já que a seleção morreu também no campo do simbólico.




Eu acuso…

1- a bandidagem burlesca da CBF;

2- a transformação de jogador de futebol em celebridade pop de ocasião, com decisiva colaboração da mídia: a turma, antes de pensar em jogar bola, quer entrar em campo com gel no cabelo, sobrancelha feita, suvaco depilado, creme de proteção facial, brinco de ouro, protetor labial e outros salamaleques. Nem vou falar das cinquenta e tantas tatuagens de metade da seleção brasileira, e dos cortes de cabelo geométricos que exigem manutenção diária;

3- a morte dos estádios, virados em arenas multiuso, com bistrô, loja de conveniência, espaço gourmet e outras babaquices;

4- a profanação das camisas dos clubes com propagandas de cursos de inglês, bancos, funerárias, produtos de limpeza, organismos internacionais de combate à fome ou coisa que o valha;

5- a limitação dos nossos técnicos, que ainda se arvoram a dizer que se reciclaram depois de passar uma semana fazendo estágio no Barcelona;

6- o baixo nível de grande parte da imprensa esportiva, jabazeira e bajuladora;

7- a morte da rua e da várzea como espaços cotidianos da pratica do futebol e de sociabilidade da garotada, agora obrigada, se quiser brincar de jogar bola, a se inscrever nas escolinhas de clubes, onde o lúdico perde espaço para a domesticação do talento;

8- a linguagem moderninha dos narradores e comentaristas, aqueles que chamam o craque de “atleta diferenciado”, passe pro gol de assistência (deslumbrados com a NBA), reserva de peça de reposição e coisas do gênero;

9- a quebra do vínculo simbólico que unía a seleção ao torcedor e passava pelo clube;

10- a “barcelonização” da torcida infantil, refletida nas crianças brasileiras que andam se declarando torcedoras de clubes europeus, em alguma medida porque os laços simbólicos que citei acima foram quebrados;

11- a incapacidade dos donos do futebol pensarem em potencializar estes laços simbólicos, enfrentando o desafio colocado pela globalização, um fenômeno que gera a uniformização dos padrões culturais e inibe a produção de novos conhecimentos e técnicas, tanto no plano coletivo como no individual. Isso claramente se reflete até na perda de algumas características do nosso modo de jogar bola. Lidamos com essa demanda de forma autofágica, jogando a água da banheira fora com a criança dentro, em um processo que, a médio prazo, vai destruir clubes pequenos e médios (já destrói) e restringir o futebol brasileiro apenas aos clubes que tiverem mais clientes consumidores do jogo (essa nova entidade que está surgindo no lugar dos torcedores).

Eu poderia citar diversas outras coisas, mas o mais dramático, a meu ver, é esse embaralhamento de causas e efeitos e da morte dupla do canarinho: no campo de jogo e no campo simbólico das paixões, afetos e empatias. A seleção brasileira de futebol masculino pode até ganhar a medalha olímpica e eventualmente fazer bom papel em Copa do Mundo, mas morreu. A camisa amarela, que já foi manto sagrado de vestir cavalo de santo, hoje é mesmo uma mortalha que veste, mais do que um time , um país que está indo pelo mesmo caminho do seu futebol. Ou seria o inverso?

Foto: Marcelo Camargo / Ag. Brasil

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