A negação do golpe, assim como houve a negação da tortura

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Por Washington Luiz Araújo, jornalista

“A história não se repete, ela só transforma em personagens de farsa aqueles que acreditam que não há nada de novo sob o sol. Os exemplos de ontem tanto podem ser um acúmulo quanto um obstáculo. Temos que decifrar urgentemente a esfinge do momento presente. Só assim, talvez, o leque volte a se abrir.” A declaração é de Julian Boal, filho do dramaturgo Augusto Boal e de Cecília Boal, feita à  revista “Carta Capital” em novembro de 2014, por ocasião dos 50 anos do golpe militar.   Quase dois anos depois dessa manifestação de Julian,  muita coisa aconteceu  no país – e para pior. O golpe está  aí, arrombando nossas portas. O pai  de Julian Boal foi uma das vítimas de um outro golpe que, sim, também negavam que era golpe, o civil-militar tristemente inaugurado em 1964 e só enterrado em cova rasa em 1985.




Augusto Boal foi preso e torturado em 1971, tendo se exilado posteriormente. Um dos motivos para a sua prisão foi este: enviar correspondência para o exterior denunciando o golpe e as práticas de tortura no Brasil. Falecido em 2009, Boal sempre recordava o surrealismo de sua prisão. Um dos interrogadores lhe disse que ele estava sendo torturado pelo fato de manchar a imagem do governo militar ao denunciar para o exterior que havia tortura no Brasil. Mesmo passando por uma sessão de choques elétricos, Boal não deixou de rir da situação.

Era verdade:  Boal, sempre que podia, antes e na cadeia, informava  os colegas escritores e dramaturgos estrangeiros sobre a situação no Brasil. Em razão disso, vários intelectuais, entre eles  Arthur Miller, assinaram manifestos contra a ditadura brasileira e contra prisão do dramaturgo.

Como disse Julian Boal, “a  história não se repete, ela só transforma em personagens de farsa aqueles que acreditam que não há nada de novo sob o sol”. Recentemente, os golpistas desta nova intentona à democracia brasileira  ficaram alvoroçados com a possibilidade da presidenta  Dilma Rousseff ir à  ONU  denunciar o golpe em franca marcha. Enviaram até dois deputados federais golpistas para tentarematrapalhar o que consideravam uma ameaça. Dilma respeitou a liturgia da reunião da ONU e não falou explicitamente sobre o golpe naquele momento, mas à  tarde, numa entrevista coletiva na Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, deixou claro que, sim, estamos sendo vítimas de um golpe.

Incomoda muito aos golpistas serem chamados de… golpistas, bem como incomodava demais aos torturadores serem tachados de… torturadores.

Numa guerra, a primeira vítima é a verdade.  Outra  vítima da ditadura militar, esta fatal, foi a figurinista Zuzu Angel, que fez campanha internacional denunciando o assassinato, nas mãos de torturadores, do filho, Stuart Angel. Zuzu também foi assassinada, pelo simples motivo de expor ao mundo a ditadura que matou seu filho.

Neste momento, no Brasil, os golpistas sentem a porrada com a reação internacional ao golpe. Não contavam com essa, pois já tinham aqui entre seus aliados a grande mídia nacional, que tenta ludibriar a população brasileira com a falácia de que o impeachment não é golpe.

Vamos continuar denunciando e agindo contra o golpe. Vejam as palavras de Augusto Boal, em 2003, a respeito da importância da divulgação de atrocidades como essa: “A campanha contra a ditadura fez bem internamente. Os presos se sentiram apoiados;  e a ditadura, com medo. Porque, se eles (os militares) fizessem  o que fizeram, e todo mundo ficasse calado e não tivesse havido repercussão internacional, eles iriam continuar”.

Depoimentos sobre Augusto Boal, sobre o teatro e o seu engajamento político.

Obs: Chico Buarque de Holanda  compôs com Francis Hime a música “Meu caro amigo”, lançada em 1976. É uma carta musicada em homenagem a Augusto Boal, o qual a recebeu numa fita cassete levada a Portugal por sua mãe. Conta-se que, no momento da entrega,  estavam presentes Darcy Ribeiro e Paulo Freire.

Clipe com a música, retratando alguns momentos da época.

https://www.youtube.com/watch?v=WPEPj3wpSb0

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