Confesso que tenho estranhado muito os chamados novos tempos. Nascido em 1959, no último ano dos anos 50, quando atingi a maioridade estava literalmente vivendo o final do regime militar.
Por Simão Zygband, compartilhado de Construir Resistência
Peguei exatamente o mais saboroso do processo, já com a ditadura militar carcomida de podre: fui à catedral da Sé no ato contra a morte do jornalista Vladimir Herzog (na cerimônia ecumênica celebrada pelo arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o pastor presbiteriano Jaime Wright), participei das grandes passeatas e quase fui preso na rua Rego Freitas, em frente ao Sindicato dos Jornalistas e estive muito próximo dos colegas da faculdade Cásper Líbero feridos por bombas durante a chamada Invasão da PUC, realizada pelo execrável coronel Erasmo Dias.
Mas não vivi a ditadura militar, já como pós-adolescente, durante o seu período mais duro do regime, supostamente na gestão do general carniceiro, Emílio Garrastazu Médici (e posteriormente por Ernesto Geisel, carinhosamente chamado de Alemão) que elaboraram o sistema mais agressivo contra a oposição, inclusive com tortura e assassinatos de presos políticos.
O que tenho estranhado na atual ditadura (mesmo que Jair Bolsonaro tenha sido eleito), é a passividade e a normalização dos absurdos. Aparentemente o país vive a chamada Síndrome de Estocolmo, nome normalmente dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo amor ou amizade pelo seu agressor.
Tudo acontece no Brasil atual em clima de total impunidade e a população parece viver um estágio letárgico, sem capacidade de reação, como se estivesse aceitando passivamente o estado de opressão impingido ao país pelo governo neofascista de Bolsonaro.
Até o termo genocida, bem apropriado para ele pelo massacre da população pobre do país (através de uma política econômica perversa), pela ausência da vacinação em massa durante a pandemia de Covid-19 (que culminou com a morte da mais de 600 mil brasileiros) ou mesmo pela permissão para assassinar os indígenas não pode ser utilizado nas conclusões do relatório da CPI da Covid. Bolsonaro, segundo eles, não cometeu genocídio, mas um adjetivo gourmet de “crime contra a humanidade”.
O que temos é a normalização da tragédia bolsonarista. Todo mundo sabe que a pandemia da Covid-19 não acabou, mas faz de conta que ela não mais existe, engole uma carestia sem precedentes como se fosse absolutamente normal pagar 1 euro no litro da gasolina, 20 dólares em um botijão de gás ou no quilo da carne e tudo segue como “Dantes no quartel de Abrantes”. Não há nenhum poder de reação e, uma parte da população se mantêm “apaixonada” por Bolsonaro, exatamente o nosso algoz.
Muitos acham absolutamente normal (e fazem que não vêm) o verdadeiro conjunto habitacional em que se transformou as ruas das principais capitais brasileiras, com milhares de famílias passando a viver ao relento, em barracas improvisadas, debaixo de sol tórrido, de tempestades e de frios intensos, como se nada disso estivesse acontecendo. Parece que ninguém mais se importa.
Não me acostumo com este “novo normal”. É muito pouco ter a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 como a luz no fim do túnel. É preciso muito mais. Óbvio que ela é a mais palpável de conquistar, desde que as forças ocultas permitam, mas mesmo com ela, se terá um trabalho hercúleo de reconstrução, de reconstruir tanto mal que a extrema direita e seus aliados fizeram ao país.