O ex-presidente Jair Bolsonaro terá que pagar uma multa de R$ 50 mil. Em sua defesa, ele disse que apenas criticou a ‘imprensa de esquerda’.
Por Vinícius Segalla, compartilhado de The Intercept Brasil
JAIR BOLSONARO ESTÁ CADA VEZ mais encalacrado por causa da investigação da Polícia Federal sobre o esquema das joias sauditas, mas a nova dor de cabeça com a justiça veio pela sua boca suja e seus maus modos contra jornalistas.
O ex-presidente foi condenado pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo por 175 agressões contra a imprensa. A ação civil pública foi movida pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. A pena é a multa de R$ 50 mil. Ele ainda poderá recorrer a instâncias superiores.
A condenação saiu na última segunda-feira, 14. Os ataques aconteceram no ano de 2020 e juntam 26 ocorrências de agressões diretas a jornalistas; 149 tentativas de descredibilização da imprensa e duas ocorrências direcionadas à Federação Nacional dos Jornalistas, a Fenaj.
Assine nossa newsletter gratuitaConteúdo exclusivo. Direto na sua caixa de entradaAceito receber e-mails e concordo com a Política de Privacidade e os Termos de Uso.
A fonte dos dados apresentada no processo pelo sindicato é o relatório de 2020 “Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil”, compilado pela Fenaj.
Jair Bolsonaro atacou jornalistas
Dentre os 175 episódios ofensivos citados no processo, o Sindicato dos Jornalistas destacou alguns que ganharam enorme repercussão à época. Um dos principais aconteceu no dia 4 de março de 2020, quando Bolsonaro levou o humorista Marvio Lúcio, do programa Pânico, a uma entrevista coletiva concedida em frente ao Palácio da Alvorada – durante sua gestão, esse espaço ficou conhecido como “puxadinho” e era onde acontecia a maioria dos ataques. No dia, o humorista levou um cacho de bananas e tentou distribuir aos jornalistas.
Sobre esse episódio, o advogado do sindicato dos jornalistas escreveu que “era de se esperar que o presidente tivesse um comportamento compatível com o cargo de dignitário máximo da nação e não como o de um animador de um programa popular de auditório que manipula sua ‘plateia’ como se fosse uma ‘claque’ para vaiar, ofender e rir dos profissionais que estão ali trabalhando”
Durante sua passagem pela Presidência da República, Jair Bolsonaro se notabilizou pela recorrente grosseria no trato com jornalistas que lhe faziam perguntas incômodas. Ele proferiu comentários homofóbicos, xingamentos, disse para mulheres repórteres se calarem durante entrevistas, e chegou a dizer a um repórter de O Globo que gostaria de socá-lo na boca. O profissional havia lhe perguntado por que o policial militar Fabrício Queiroz, investigado por envolvimento no esquema de rachadinhas, tinha depositado cheques na conta de Michele Bolsonaro, esposa do ex-presidente.
A Organização Internacional Repórteres Sem Fronteiras, em seu balanço anual de violações e ataques à liberdade de imprensa, monitorou 580 ataques a jornalistas e veículos em 2020 no Brasil, sendo 103 apenas do então presidente Jair Bolsonaro.
A ONG afirmou ainda que o mandato de Jair Bolsonaro foi um período de “forte hostilidade contra jornalistas” e que o ex-presidente “atacou sistematicamente jornalistas e veículos de imprensa” no Brasil. No ano de 2021, ele foi incluído na lista “predadores da imprensa”, criada pela organização.
Sindicato dos jornalistas processou Bolsonaro
Esta foi a terceira derrota de Bolsonaro no mesmo processo. No dia 7 de junho do ano passado, a juíza de primeira instância Tamara Hochgreb Matos condenou o ex-presidente impondo uma multa de R$ 100 mil.
O ex-presidente recorreu da decisão. Em maio, a 4ª Câmara do TJ-SP manteve a condenação, mas reduziu o valor da multa à metade.
Inconformado, Bolsonaro ingressou com novo recurso – o chamado embargo de declaração – e chegou a alegar que suas “críticas” não se dirigiam à imprensa como um todo, e sim apenas a uma parte dela, que ele chamou de “imprensa de esquerda”.
Na última segunda-feira, a página 1.788 do Diário da Justiça de SP trouxe a decisão em segunda instância, rejeitando o embargo declaratório e pondo fim ao processo no âmbito da Justiça de São Paulo.
Caso ainda queira recorrer dessa decisão, Bolsonaro terá que recorrer para as cortes superiores do país – o Superior Tribunal de Justiça, o STJ, ou o Supremo Tribunal Federal, o STF.
Jornalistas resistiram aos ataques de Bolsonaro
O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, Thiago Tanji, disse que a decisão em segunda instância é mais uma vitória dos jornalistas, que resistiram aos ataques cometidos pelo ex-presidente e seus seguidores.
“As decisões judiciais, em primeira e em segunda instância, resgatam com detalhes as inúmeras agressões contra jornalistas, que foram fartamente documentadas.”
Tanji também afirmou que, ao recorrer da decisão, a própria defesa de Bolsonaro praticamente assinou uma confissão de culpa, ao dizer que tinha ofendido somente uma parcela da imprensa ligada à esquerda.
“Além de ser um absurdo, já que ele tenta responsabilizar as vítimas pelos ataques, também é uma mentira: profissionais das grandes empresas de comunicação também foram alvo de hostilidades e desrespeitos. Diante de tudo isso, podemos dizer que o ex-presidente é judicialmente um assediador de uma categoria profissional e um condenado”, disse.
O Intercept procurou o advogado e assessor de imprensa de Jair Bolsonaro, Fabio Wajngarten, para que o ex-presidente pudesse falar sobre a condenação, mas ele não respondeu nossos questionamentos. Também perguntamos se o ex-presidente pretende entrar com um recurso junto às cortes superiores, mas até a publicação desta reportagem, não houve resposta.