Estamos vivenciando uma turbulência de estupidez no cenário nacional.
Por Shellah Avellar, compartilhado de seu BLog
Época em que se arranca a cena à realidade e situam-na num universo que parece não pertencente ao Brasil.
Após um pleito eleitoral, em que nos vimos em meio a um cabo de guerra, acirrado até o fim.
De um lado, forças populares possuídas por um furor libertário de operários, artistas, professores, cientistas, médicos, políticos, intelectuais e coletivos LGBT, de Empoderamento de Mulheres, Antirracistas e pró- Bem Estar Social.
De outro, um povo equivocado, que se autodenomina, “cristão-patriota”, que se insurge contra o princípio de amor e paz, para desespero do “próprio” proclamado “filho de Deus.”
Uma polêmica fundamentalista, cozinhada em fogo lento, mas, com uma efervescência selvagem, calcada numa fantástica máquina de fakenews, que encontra eco em um povo carente de informação, raso de educação, cegueira evangélica de todos os credos e delírios higienistas, inspirada no velho tripé Deus, Pátria e Família, resgatando os princípios hediondos do fascismo e do nazismo.
Após uma vitória legítima nas urnas de Luiz Inacio Lula Da Silva, as manifestações anti-democráticas, raivosas e absurdas do outro lado, vieram deitar-se em bloqueios de estradas e avenidas, num transe apocalíptico, clamando por intervenção militar.
Pessoas banalizando a vida e matando outras pessoas que militam em outros partidos e em outros credos e em outros modelos de família.
E, estas outras pessoas, tentando remir a dignidade com atraso milenar, e sendo devastadas ,mais uma vez.
Escolas que abrigam alunos blindados por uma educação elitista, que estão mostrando a verdadeira face do fascismo entre os meninos e jovens.
Relembro Bertolt Brecht, que dizia “Nada é o que parece ser. E o que parece ser, não é”.
Me pergunto, aflita, o porquê deste movimento insano de ressurreição da extrema-direita.
Minha memória me leva a 2009 ,quando assisti e resenhei o filme: A FITA BRANCA, uma produção alemã, (Das Weisse Band – 2009) do cineasta austríaco Michael Haneke, conhecido por seu estilo incisivo em apontar coação física e psicológica contra crianças .O filme ganhou a Palme d’ Or para melhor filme em Cannes 2009 , e no 67th Golden Globe Awards ,ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme de língua Estrangeira.também indicado ao Oscar na categoria de melhor filme Estrangeiro.
O fio tênue que permeia produção tem um tema comum e não menos atual :a prática da violência como cenário permissivo e natural.
Violência silenciosa, densa e cortante e aterrorizante, com abrangência de tragédia mundial.
O enredo prima pela falta do afeto, ingrediente primordial na construção do caráter do ser humano. O excesso de privação, rigidez e deturpação de conceitos de moralidade e respeito para com crianças e adolescentes.
A ausência dos pais ,pelo distanciamento e rigidez da época.
Priorizo aqui a falta da mãe, ou a falta do exercício do “feminino, ou pela “negação “da presença da mãe pelo patriarcado vigente.
As intenções do diretor são bastante claras e amplamente divulgadas (o filme apresenta a geração de alemães que mais tarde apoiaria o nazismo) Para Haneke, “as raízes do mal estão no próprio homem, em todos eles, sem escapatória: provém de sua fraqueza e da facilidade com a qual são corrompidos. A sociedade doutrina as pessoas ao ódio, as ideologias cegam e o mais simplório discurso, sem muito esforço ou qualquer necessidade de coerência, convence o homem comum a fazer as maiores loucuras, como assaltar um supermercado, atirar-se com um avião contra um edifício ou entrar para uma guerra. Neste mundo de Haneke não há particularidades, apenas a catequese, e ela está a serviço do mal. O fascismo prenunciado pelo filme, assim como qualquer outra doutrina responsável por períodos de instabilidade social do século passado, termina sendo exclusivamente uma conseqüência desta realidade intrínseca ao ser humano, independendo de fatores externos, das ações e reações das coisas do mundo. Seria, para Haneke, um Filho do Mal.
Haneke, que diz não odiar o cinema mainstream ,completa:
” Ele é perfeitamente legal. Existem muitas pessoas que precisam fugir, porque estão em situações difíceis. Aí,então, elas têm o direito de fugir do mundo. Mas isto não tem nada a ver com arte. Uma forma de arte precisa confrontar a realidade, a tentar encontrar um pequeno pedaço da verdade.”
A fotografia em preto e branco acentua o tom sinistro da trama. O negro é intenso, representando de certa forma toda a obscuridade por trás daquela sociedade, aparentemente nobre e pacata , mas que abriga em seu cerne uma frieza tácita e terrível ,como um código secreto do mal a ser cumprido. E o branco brilhante acentua a “pureza” em função da qual esse Mal é praticado.
Para os nazistas, o sangue de um judeu sempre contou como estigma de perigo e, se descoberto, transformaria seu portador em pária a ser exterminado. De acordo com a visão de mundo dos nazistas, os “impuros” poderiam ser identificados por sua aparência, comportamento e caráter, crença que abriu carreira para médicos e cientistas interessados na revitalização da raça ariana e da cultura alemã.
A trama é narrada pelo jovem professor (Christian Friedel) que se abstém de validar a revelação ou emitir conclusões . O filme conta com grandes atuações como a do Pastor (Burghart Klaubner) assim como a performance brilhante e assustadora de todas as crianças do filme.
Uma questão se apresenta: “Quem são os culpados? “
O assassinato do príncipe herdeiro da Áustria , em 1914 desencadeou a I Guerra Mundial . Alemanha, como parte dos Impérios Poderosos, foi derrotada pelos Aliados em um dos mais sangrentos conflitos da história..Um armistício pôs fim à guerra e a Alemanha foi forçada a assinar o Tratado de Versalhes em 1919.
A sua negociação, ao contrário da diplomacia tradicional de pós-guerra, excluiu os derrotados Poderes Centrais. O tratado foi acordado na Alemanha como uma humilhante continuação da guerra por outros meios, e sua dureza é freqüentemente citada como tendo mais tarde facilitado a ascensão do nazismo no país, quando Hitler declara: “O primeiro quesito essencial para o sucesso, é o emprego eternamente constante e regular da violência.”
Uma contratura apavorante que descortina o fascismo e seus tentáculos como a antítese da criação.
É isto que queremos para o Brasil e o mundo?
O Ovo da Serpente está trincado.
Termino, convidando todos à reflexão, rebatendo a alucinação coletiva, com citações do escritor e dramaturgo americano William Saroyan : “O amor é imortal, o ódio morre a cada minuto .”
E Gandhi: “Se um único homem chegar à plenitude do amor, neutraliza o ódio de milhões.”
Será?