Por Washington Luiz de Araújo, jornalista –
A ocupação de mais de mil escolas no Brasil, a maioria no Paraná, estado que se constituiu no quartel-general de uma operação jurídico-midiática das mais controversas chamada Lava-Jato, é emblemática do momento que vivemos.
Momento em que estudantes ocupam escolas para exigir o direito de aprender, para reivindicar que o Estado golpista sob o qual nos encontramos hoje não dilacere ainda mais a Educação. São adolescentes que dão lição a muitos adultos: respeitem o nosso futuro, já que vocês estão estragando o presente e não tiraram nenhuma lição do passado.
Por falar no passado, eu me lembro dos tempos em que estudava nas Escolas Agrupadas de Vila Ema, Zona Leste de São Paulo. Aliás, me lembro em “flashes”, como o da hora do lanche, em que eu levava um pão com bife preparado pela minha mãe. Nos meus sete anos de idade, eu vivia um vida simples, mas não tinha ideia do que era passar fome. Minha mãe me ajudava no banho de canequinha numa bacia de alumínio, me colocava o uniforme azul e branco e preparava minha lancheira de plástico azul, com o rotineiro pão com bife e suco de laranja.
Pois bem. Um dia, muito chuvoso em que não nos deixaram sair da sala na hora do recreio, pois o pátio não era coberto, ao pegar meu lanche e dar a primeira dentada, percebi um olhar fixo em minha direção – para ser mais exato, na direção do meu lanche. Era o Leão, colega de sala, que vivia numa favela pertinho da escola. O olhar tirou meu ímpeto de dar a dentada e perguntei, mesmo já sabendo a resposta, o que ele queria: “Um pedaço do seu pão com bife”, ele respondeu, mais que de pressa. Cortei o sanduíche pela metade e entreguei um pedaço a ele, mas antes perguntei: “E o seu?” E o Leão, um garoto mulato que ganhou o apelido por ter os cabelos em formato de juba leonina, me disse então que naquele dia sua mãe não tinha e m casa nem pão nem ovo, que era o seu lanche, quando havia pão e quando havia ovo. Cheguei em casa e contei aquilo à minha mãe. A partir daquele dia, passei a levar dois lanches: o meu e o do Leão.
Vejo que os milhares de estudantes que ocupam as milhares de escolas deste país estão preocupadas com o que vão comer os “Leões” de hoje. “Leões” que, antes famélicos, passaram a ter merendas variadas graças aos governos Lula e Dilma, sem ter mais que pedir um pedaço de pão com bife ao coleguinha. “Leões” cuja merenda é surrupiada por barões tucanos que vestem Ralph Lauren e não têm pruridos em viver no luxo tirado da miséria alheia.
A garotada já ocupou escolas porque governantes tentaram fechá-las, reduzindo ao máximo a oportunidade de estudar e de ter um futuro digno. Já as ocuparam também em razão da tal reforma do ensino, que ameaça com extinção das disciplinas de Artes, Filosofia, Sociologia e Educação Física. Ocupam agora os estabelecimentos de ensino como forma de se manifestarem contra a PEC 241, que congela, durante 20 anos, recursos e investimentos (não “gastos”, viu, Dona Rede Globo?) da Saúde, Educação e de outros setores sociais. . Sim, um garoto que está agora com 16 anos não verá a Educação melhorar para ele, pois, quando isso acontecer, ele já estará com 36 anos. Isso, claro, se essa trágica PEC passar.
Se depender da fome de leão (o rei dos animais) que esses que se aboletaram no poder estão demonstrando, não sobrará pão bolorento, muito menos bife para a garotada pobre do país. E nem haverá escola. Afinal de contas, como disse certo deputado Nelson Marquezelli (PTB/SP) “quem não tem dinheiro, não faz universidade”.
Em realidade, esse parlamentar medíocre refletiu, com sua declaração mesquinha, o pensamento daqueles que não estão nem aí se haverá escola de ensino fundamental ou médio. Se a garotada parar de ocupar as escolas, por força das ameaças das ditas autoridades e das agressões das polícias militares, essa frase obscena de autoria de Marquezelli será transformada em “quem não tem dinheiro, não estuda”. Não duvidemos, nem por um instante, que é exatamente isso o que desejam muitos daqueles que detêm o poder hoje no Brasil.