Por Washington Luiz de Araújo, jornalista
Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio? Bertolt Brecht
A noite de quinta-feira, 13 de junho, foi de entristecer, mas também estimulante para quem sente a necessidade de sangue nos olhos na luta contra o fascismo que nos ataca por todos os flancos no planeta. No Espaço Cultural Paulo Freire, do Sinpro-Rio, ficamos triste ao ouvir relatos sobre os genocídios em andamento na Palestina e nas favelas brasileiras, mas comovido ao presenciar, na Cinelândia, um pouco da contundente manifestação contra a “Projeto de Lei do Estupro”, que equipara o aborto realizado acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, podendo a vítima ser presa por 20 anos.
Assisti a palestra com o líder do movimento palestino, Jamal Juma, sobre o genocídio praticado por Israel e outras grandes potências ao seu povo. Presentes também na mesa, a comunicadora comunitária Gisele Martins, moradora do Complexo de Favelas da Maré, e Maren Mantovani, Relações Internacionais da Campanha Palestina Contra o Muro do Apartheid e do Boicote, Desinvestimentos e Sanções, mais conhecido como BDS, o qual Jamal Juma é um dos criadores.
Nunca a frase de Brecht sobre a defesa do óbvio martelou tanto em minha cabeça ao ouvir Jamu Jamal, Gisele Martins e Maren Mantovani num local com uma assistência composta de resistentes de nossa tão massacrada classe pobre e, ao sair da palestra e me encaminhar à Cinelândia, para ver um final de manifestação com pessoas defendendo que uma criança estuprada de 12 anos não vá presa por praticar um aborto.
A palestra foi aberta por Gisele que fez um relato sombrio sobre a vida das pessoas em favelas do Rio de Janeiro, afirmando de início: “Palestina livre, Favela Vive”.
A ativista falou sobre os últimos três dias em que a polícia invadiu as 16 favelas do Complexo da Maré e afirmou: “As armas que estão matando na Palestina são as mesmas que estão nos matando no Brasil. Não tenho nenhum amigo de infância negro vivo. Criança, ouvia de minha mãe que parasse de brincar, pois ‘os homens de preto (Bope) chegaram’.”
Mesmo mostrando este quadro terrível, Gisele, que foi à Palestina, falou: “Em 2017, Vi que a realidade da Faixa de Gaza é bem pior do que a da nossa “Faixa de Gaza”. Voltei em 2023, encontrei um Palestina bem pior”.
A comunicadora comenta que entrou num ônibus na Palestina no qual somente ela e o tradutor que a acompanhava não foram revistados: “Todos os outros, homens, mulheres, crianças tiveram seus pertences esmiuçados, com o fuzil na cara”.
Maren Mantovani, que há 22 anos está ao lado de Jamal Juma na resistência, lembrou que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, foi um dos primeiros a tachar Israel como praticante de um genocídio, mas ressaltou: “As palavras são importantes, mas não são suficientes, precisamos de ação, como a de romper e não abrir novos contratos com Israel”.
Jamal Juma abriu sua fala agradecendo: “Obrigado pela solidariedade ao povo palestino. A Palestina é uma terra de dignidade, de resistência. Obrigado por vocês conhecerem e reconhecerem a nossa luta. Desde 2005, venho ao Brasil a cada três anos, mas desta vez é diferente, pois meu coração está dilacerado com o genocídio em curso na Palestina. Mas estamos lá, resistindo à limpeza étnica, aos horrores.
É um projeto colonialista para se livrar de todo o povo palestino. Aqueles que não estão morrendo por bombas, morrem de fome e de sede. Infelizmente, os grandes países do mundo estão assistindo esta grande desgraça de braços cruzados ou colaborando com Israel”.
Jamal ressaltou que as Nações Unidas se mostram incapazes de enfrentar a situação e que os Estados Unidos e a União Europeia propiciam impunidade para Israel. “O capitalismo, o corporativismo, são os nossos piores inimigos. Falam em cessar fogo de duas semanas, não falam em cessar fogo permanente. Querem forçar o palestino sobrevivente a desocupar totalmente seu território para ir para os países vizinhos. Mas nosso povo vai resistir. Os momentos mais escuros da noite são a previsão da luz do dia”.
Vejam este vídeo, trecho da fala de Jamal Juma, no qual fala da situação causada pelo genocídio em andamento:
– Números oficiais: mais de 37 mil pessoas foram mortas. Estas foram contadas, mas há muitas pessoas desaparecidas, nos escombros. A estimativa é de, no mínimo, 100 mil pessoas.
– Eles bombardearam todos os hospitais em Gaza. Não há mais hospitais.
– Não há mais universidades em Gaza. Foram destruídas
– 90% das escolas foram destruídas em Gaza e as outras, 10%, que estão em Rafah, também estão sendo atacadas
– Não há mais rede elétrica e os suprimentos de alimentação das escolas também foram destruídos
– Não há mais fazendas, nem vegetação ou animas. Tudo foi destruído
– Há um grande número de pessoas feridas, com sequelas, sem tratamento.