Por Valquiria Daher, compartilhado de Projeto Colabora –
Advogada conta que mulheres foram acusadas de alienação parental por lutarem por isolamento social dos filhos e prevê novos conflitos com a flexibilização das medidas
Quando o isolamento social se fez necessário para combater a pandemia de covid-19, em meados de março, a advogada Tatiana Moreira Naumann viu aumentarem os casos de mães e pais recorrendo à Justiça por decisões sobre visitação dos filhos. Muitas mulheres, especialmente com crianças em grupo de risco, precisaram lutar para descumprir acordos preestabelecidos e acabaram sendo acusadas de alienação parental.
“No direito de família o mais importante é o melhor interesse da criança. Muitas vezes, o pai sequer estava cumprindo a quarentena, então o risco era grande. Com o machismo, a decisão da mãe era questionada e havia a acusação de alienação parental. Mas o bom senso venceu, e a visitação virtual foi o caminho mais comum. Com a flexibilização, novos conflitos devem surgir”, prevê a advogada, especialista em direito de família há mais de 20 anos, que nesta terça-feira (18/08) faz a live “Como anda a flexibilização do seu pensamento?”, em seu perfil no Instagram @tatiana maumannadvogada, às 19h.
Para Tatiana, diante de bares, restaurantes e lojas abertos, a visitação virtual, certamente, passará a ser questionada, o que não pode acontecer em casos de pessoas em grupo de risco. A advogada defende que cada família encontre a sua dinâmica própria, mas, como na maioria das vezes a responsabilidade de cuidar fica com a mãe, a decisão dela precisa ser respeitada. “Quem vai cuidar da criança quando ela ficar doente? É preciso tomar algumas decisões, e a mulher é colocada nesse lugar como se não tivesse esse poder”, avalia.
Um futuro ponto de conflito previsto por Tatiana pode acontecer na volta às aulas, que, por enquanto, só aconteceu em poucas cidades como Manaus. No Rio de Janeiro, onde a advogada atua, a Justiça decidiu que os colégios devem permanecer fechados. “Continuo achando que não estamos preparados para a volta às aulas, mas essa é uma questão de saúde pública, não cabe aos pais decidirem. É muito prático para a escola distribuir um questionário para os pais marcarem ‘sim’ ou ‘não’ porque, se acontecer algo, foi você que autorizou, e eles dividem os riscos”.
Tatiana, que tem uma filha de 11 anos, lembra que a reabertura das escolas no exterior aconteceu, principalmente, pela saúde mental das crianças. “Elas não estão preparadas para ficar esse tempo todo em casa e sem o convívio com outras crianças. Eu, por exemplo, administro riscos. Escolho as melhores amigas dela e convido para assistirem às aulas online juntas, com distanciamento e de máscaras. Assim, ela não se sente tão sozinha e a saúde mental dela vai estar em dia”. Na escola, destaca a advogada, o risco é maior não só para os alunos mas também para os professores e funcionários que precisam usar transporte público.
Apesar de achar cedo para a reabertura das escolas, Tatiana destaca que, sem os colégios, as mães estão com sua rede de apoio enfraquecida. “E se os avós forem idosos, nem a eles a mulher pode recorrer. Mesmo para a mãe de classe média, também não há condição de voltar com a funcionária. Então, ela está só, precisa voltar a trabalhar e não tem com quem deixar a criança. Para o pai, é muito fácil falar ‘não volta’, enquanto a mãe está desesperada”.
No caso das mulheres mais pobres, a situação de vulnerabilidade é ainda maior. “Às vezes a decisão é morrer de fome ou de covid. Uma mulher com um bebê pequeno, que precisa trabalhar, deve estar rezando pela volta às aulas. Quem pode julgá-la? Quando as escolas abrirem, cada mãe precisa ter o poder de decisão. Isso é o mais importante da equação”, conclui a advogada.