Por Armando Coelho, compartilhado de Jornal GGN –
Como crer que na vida mundana, cheia de interesses obscuros, nos limitemos a reproduzir os discursos de quem controla tais interesses? Quem forma nossas opiniões?
Meu colega delegado da PF não é nem de direita nem de esquerda. Assim como tantos outros minions, da PF ou não, que assim se declaram, só me repassam mensagens de ataques ao ex-presidente Lula. Costumam repetir à exaustão os mantras produzidos durante o golpe de 2016. Golpe, que a todo custo o STF tentou conferir legitimidade “tabajara”. Aliás, mesmo caminho percorrido pelo Superior Tribunal Eleitoral, que por meio de argumentações obtusas, deu um drible da vaca até na ONU e, finalmente, sacramentou a fraude eleitoral de 2018. Assim, Bozo virou o rei da cocada preta, arauto do terraplanismo mundial.
“O seu ídolo é um corrupto ladrão”, costuma dizer meu colega delegado. Embora já não fale mais de Lulinha como dono da Friboi, diz que a família do ex-presidente está rica; envia vídeos e documentos apócrifos que provariam por A + B a gatunice de Lula. Como sempre, respondo: “pegue esse material todo e mande pro Moro”. Sempre acrescento algo assim ou mais ou menos assim: não seja omisso, se você tivesse feito isso antes, Moro não teria precisado fraudar um processo contra Lula; condenar o ex-presidente sem provas; fazer conluio com MPF, nem usar criminosamente gravações editadas etc. De quebra, mando um irônico “Cadê Queiróz?”
Recentemente, mandei para ele um post com a seguinte nota: “Elogio da tortura, negação da história, anti-intelectualismo, macartismo, desprezo por quaisquer valores democráticos, paranoia nacionalista… notícias falsas, contextos mentirosos para imagens verdadeiras, vídeos internacionais com legendas falsas…”.
Abaixo do post anônimo, destaquei: Eis o novo Cristianismo. Eis a receita com a qual bilionários tentam justificar que 2% de ricos fiquem com 98% da riqueza e os outros 98% tentem sobreviver com 2% das riquezas. Com a bênção de Deus, claro!
A réplica do delegado não demorou: “O seu ídolo é o maior responsável por essa situação. Através do BNDES facilitou a roubalheira praticada pelos marginais amigos, enquanto calava a boca e a fome dos idiotas que ainda recebem a Bolsa Família. Muito triste, mas real”, conclui ele.
Como sei que ele não costuma ler textos longos, tentei, sem muito sucesso, ser sintético dizendo: Amigo! Já pensou o quanto é cômodo se limitar a odiar alguém escolhido pela grande mídia só para isso? Você nem precisa pensar, basta odiar o ódio fabricado, basta exercitar o ódio alheio, que no fundo bate com o seu próprio ódio.
Na ilusão de que pudesse ler, formulei algumas questões. Como crer que na vida mundana, cheia de interesses obscuros, nos limitemos a reproduzir os discursos de quem controla tais interesses? Quem forma nossas opiniões? Por acaso não seriam empresas financiadas pelos grandes interesses? TV Globo, por exemplo? Não seriam esses mesmos grandes interesses que pagam os “bate-volta” do Moro pelo mundo afora?
Esses grandes interesses, ligados aos 2% que detém 98% da riqueza do mundo, estariam preocupados com miséria e/ou moralidade? O que está acontecendo, por exemplo, em nossa América? Seria mesmo corrupção, terrorismo, droga, direitos humanos, democracia? O que petróleo, cobre, ferro, lítio, estanho, chumbo, manganês, nióbio, zinco, ouro, prata, cobre, ferro, bismuto, tungstênio etc, teria a ver com isso? Preciosidades do solo dos países de nossa América. O que dizer de dívidas que não se quer receber, mas apenas receber juros? Mão de obra barata? O que o tabuleiro geopolítico teria a ver com tudo isso?
Aproveitei para lembrar que, quando foi conveniente, toda América virou ditadura. Quando não interessou mais o politicamente correto nem o imperialismo limpinho e cheiroso, nos transformaram outra vez em Repúblicas de Bananas, expostas a brigas por 0,20 centavos, “terrorismo fake”, juizecos, MPF corrupto, com direito a golden shower e Jesus na goiabeira.
Lula foi o ponto fora da curva que interessou ao imperialismo limpinho e cheiroso por curto tempo. Ele atendia às aparências do politicamente correto, mas já não interessa mais. Não por ser ladrão, corrupto, afinal de contas, Sérgio Moro é uma ilha de honestidade cercada de corruptos e ladrões por todos os lados. Tudo que Moro tem na cabeça cabe na mente oca de um evangélico fanático: subserviência e ‘Fórum’ de S. Paulo; vive assustado com comunista debaixo da cama, saguões de aeroporto e vasos sanitários por onde deveria sumir.
Lembre-se, meu caro colega (delegado), que o sistema é ladrão, é corrupto e o mundo tem dono. Não seria melhor tentar contextualizar tudo isso, aprofundar tais questões do que passar o resto da vida discutindo Lula, condenando, recondenando o ex-presidente?
Caro colega, não sei se notou, mas estão vendendo tudo. Solaparam direitos conquistados na luta e no sangue. Acabaram com aposentadoria e direitos sociais. As maldades já batem à porta da PF. Mas, a Globo diz que está tudo bem, tudo bom. Bom pra quem? Para o Tio Sam? Você acha mesmo que os EUA, que participaram de todas as guerras do mundo, subornaram presidentes em todo o planeta, estariam agora preocupados com corrupção? É bom ligar seu desconfiômetro.
Esqueça o Lula, pelo menos sob esse aspecto nefasto. Lula é mais esperança que medo e não é o bandido que Moro/Globo dizem. Por acaso o chefe da maior quadrilha não se contentaria com duas reforminhas de merda? Cadê o roubo do Lula? Lula é tão ladrão quanto um padreco de paróquia, menos que um pastor que construiu o Templo de Salomão. Aliás, quem pagou esse templo? Quem?
Eis que veio a resposta do delegado federal:
“É, meu amigo. Concordo com tudo que você disse, mas ninguém me convence que Lula é inocente. Tenho certeza de que você também acha que a saída para nosso Brasil é a volta dos militares…”.
Agora na versão Sérgio Moro, a PF vai de pior a pior. Eis a síntese de uma conversa inútil com um delegado federal, na prática, síntese de mensagens trocadas com alguns delegados da PF, com os quais pensei ser possível um diálogo civilizado. Com respeito à minoria civilizada…
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.