Fui assistir ao filme norueguês, A Pior Pessoa do Mundo, do diretor Joachim Trier. Ele faz jus ao tradicional cinema nórdico, que sempre desperta muita curiosidade em nós, latinos, pela linguagem revolucionária e a abordagem das mudanças do ser humano em uma sociedade teoricamente mais evoluída, com um padrão de vida e cultural mais elaborado.
Por Simão Zygband, compartilhado de Construir Resistência
O título chamativo, confesso, não tem muito a ver com o que acontece no filme. Afinal, nem de longe Julie (Renate Reinsve) é um pessoa malévola como sugere a chamada. Mas ela é a representação mais fiel da juventude feminina em um país desenvolvido como é a Noruega, com todos os seus conflitos geracionais (está prestes a completar 30 anos de idade) e cuja independência e liberdade consegue despi-la de toda carga que as mulheres carregam historicamente de ter “obrigação” de ser mãe e de constituir uma família.
Julie simplesmente rompe com todos estes dogmas, vive intensamente os seus amores, mas não tem nenhum drama de consciência de querer ser feliz e procurar novos parceiros e novas oportunidades. Também demonstra não ter nenhum interesse em ser mãe e sente-se segura e feliz em não desejar a maternidade.
É óbvio que as questões de sobrevivência são bem mais facilmente resolvidas quando se está na Noruega, onde as condições de vida são infinitamente melhores do que nos países em desenvolvimento. Desta forma, Julie não tem nenhuma dificuldade ao se decidir pelo que realmente pretende em termos afetivos, já que não depende do homem, mesmo sendo funcionária de uma livraria.
Mas Julie vive intensamente todos os seus conflitos, sejam profissionais, amorosos e também oriundos de sua faixa etária. E não se sente nem um pouco temerosa das suas decisões (e indecisões). Começa estudar medicina, depois muda para a psicologia, faz uma tentativa de enveredar pela literatura, mas se encontra como fotógrafa. Ao menos é exercendo este ofício que o filme termina.
A história
Aproveito trechos do texto do crítico de cinema, Denis Le Senechal Klimiuc, do site Cinema com Rapadura, para contar mais sobre o “A pior pessoa do mundo”:
“Em doze capítulos, o filme apresenta uma série de discussões a partir das experiências de sua protagonista, que não perde tempo e vive de acordo com o que sente. Imediatista, a jovem de vinte e poucos anos se preocupa com a chegada dos trinta, e isso é apenas uma fração do que se passa em sua cabeça. Não é o envelhecimento que a aflige, e sim a pressão que sofre por ser uma mulher solteira, sem carreira e indecisa — quando, na verdade, Julie faz sua vida acontecer. O mais interessante é que, além da narração da própria protagonista, o filme conta com recursos narrativos que dão humor às diferentes experiências e camadas pelas quais ela passa”.
“Por sua vez, no ponto-chave do filme, as experiências de Julie fazem com que ela abandone um relacionamento longo e unilateral para buscar sua felicidade. Aqui o diretor exerce com brilhantismo sua narrativa, na tradicional alusão do mundo que para quando a paixão por alguém é descoberta, mas que aqui conta com o tempero de um casal que se formou pelo acaso da vida.
Aliás, outra abordagem fascinante de Trier é a exaltação de sua protagonista como o verdadeiro centro e essência de sua história, sem jamais deixá-la orbitar em torno de um homem ou outro interesse amoroso qualquer, ou sequer tornar a ausência de uma carreira algo verdadeiramente prejudicial à sua história. Ao contrário, o roteiro cria situações nas quais Julie é pressionada por não estar casada, por não querer filhos, por não ter criado uma carreira assim que saiu da faculdade, e por não se segurar em um relacionamento quando o homem a quer. Ela pensa nela, e daí o título que, para muita gente, a torna a “Pior Pessoa do Mundo”.
Tecnicamente impecável e narrativamente fascinante, “A Pior Pessoa do Mundo” é uma experiência marcante que merece ser assistida porque conta com os dois pés no mundo contemporâneo.