Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora –
Ministro erra, espalha ideias antigas e contraria relatório sobre riscos globais divulgado no Fórum Econômico Mundial
Ao dizer que “o maior inimigo do meio ambiente é a pobreza”, o ministro Paulo Guedes conseguiu fazer a fala errada, no lugar errado e no momento errado. Não conquistou ninguém e ainda recebeu críticas dos ricos, dos pobres e dos ambientalistas.
Há várias maneiras de interpretar as palavras do ministro da economia do Brasil. Primeiramente, dando crédito às suas intenções, poderíamos imaginar que ele estava fazendo uma defesa da “Curva ambiental de Kuznets” e da importância do desenvolvimento econômico para o progresso da humanidade.
Ou seja, na pré-modernidade, antes do processo de urbanização, industrialização, modernização da agricultura e do uso generalizado dos combustíveis fósseis, a crescente população rural tinha de desmatar amplas áreas verdes para ampliar as áreas de cultivo (geralmente de baixa produtividade) e utilizar a lenha como combustível para preparar a comida, aquecer os domicílios, movimentar as bombas hidráulicas, etc.
Já a economia urbano-industrial, ao utilizar energia extrassomática fóssil e produtos químicos como fertilizantes e agrotóxicos, aumentou a produtividade agrícola, melhorou os meios de transporte e viabilizou a concentração da população em cidades, evitando o espraiamento demográfico sobre as áreas florestais.
Na perspectiva da “Curva Ambiental de Kuznets”, o desenvolvimento econômico só causaria grandes problemas ambientais em suas etapas iniciais. Porém, a partir de um certo limiar, o aumento da renda per capita e da educação levaria à uma maior proteção ambiental. Logo, altas doses de desenvolvimento e riqueza seriam a receita perfeita para erradicar a miséria e salvar a natureza. Esta visão dourada dos benefícios cornucopianos do desenvolvimento econômico veio à tona na mesma época do Consenso de Washington e permaneceu em voga na época áurea do neoliberalismo e da hegemonia global do poder unipolar dos Estados Unidos.
Por conseguinte, a fala do ministro Guedes, feita de uma maneira um tanto quanto tosca, poderia querer refletir uma visão de mundo de 30 anos atrás, que associava a degradação ambiental à pobreza e relacionava a salvação ambiental às etapas mais ricas da produção urbano-industrial. Este tipo de ideologia desenvolvimentista foi compartilhada por amplos espectros políticos, mas com a diferença que as forças de direita defendiam um desenvolvimento com base na dinâmica do mercado e as forças de esquerda um desenvolvimento sustentado nos aparatos do Estado.
Não obstante, a elite econômica e política global reunida no Fórum Econômico Mundial (WEF) de Davos, na Suíça, já descartou, na lata de lixo da história, essa visão idílica do desenvolvimento. A 50ª reunião anual do Fórum Econômico Mundial reconheceu os danos causados pelo desenvolvimento econômico e afirmou que os problemas ambientais são a preocupação número um do mundo. O “Relatório de Riscos Globais 2020“, publicado no dia 15/01/2020, trouxe, pela primeira vez, os temas ambientais em todos os cinco pontos de atenção para os governos e os mercados.
O documento sobre os riscos globais ouviu 750 especialistas e tomadores de decisão que chamaram a atenção para cinco riscos ecológicos que podem transformar o mundo nos próximos dez anos, iniciando uma rota para um colapso ambiental catastrófico: 1) Eventos climáticos extremos, como enchentes e tempestades; 2) Falhas nos combates às mudanças climáticas; 3) Perda de biodiversidade e esgotamento de recursos; 4) Desastres naturais, como terremotos e tsunamis; 5) Desastres ambientais causados pelo ser humano.
Nas comemorações dos 50 anos do WEF, o fundador, Klaus Schwab, disse que o Fórum iria levar em consideração o “efeito Greta Thunberg”. E a ambientalista adolescente sueca mostrou que está muito mais antenada nos problemas do mundo do que o ministro da economia brasileiro. Em um discurso admirável e de repercussão internacional, ela defendeu o fim imediato do uso dos combustíveis fósseis e emissões zero de CO2, para evitar uma catástrofe ecológica que colocaria em perigo o futuro das novas gerações.
Greta Thunberg deixou claro que a maior responsabilidade pela crise climática e ambiental é dos países desenvolvidos e ricos que emitiram a maior quantidade de gases de efeito estufa e estabeleceram um padrão de consumo conspícuo que é incompatível com a capacidade de carga da Terra. Sem embargo, ela não fez apologia da pobreza e nem transformou os países pobres em simples vítimas. Ela disse: “Os países ricos necessitam zerar as emissões o mais rápido possível e ajudar os países pobres a fazer o mesmo”.
Ao contrário da visão anacrônica de Paulo Guedes, Greta Thunberg sabe que são os ricos que mais contribuíram para as emissões de CO2 do passado, portanto, são os principais “inimigos do meio ambiente”. Mas ela também sabe que, no século XXI, são os países de renda média e baixa (os países em desenvolvimento) que mais emitem CO2 atualmente, como mostrei no artigo “Crescimento demoeconômico e emergência climática” aqui no Projeto #Colabora.
A visão de que apenas os países ricos deveriam ser responsabilizados pelo corte de emissões de CO2 fazia parte da filosofia do Protocolo de Kyoto. A filosofia do Acordo de Paris é que todos os países (ricos e pobres) devem dar as suas contribuições, tendo como meta reduzir as emissões pela metade até 2030 e zerar as emissões totais de CO2 até 2050. Evidentemente, os países ricos devem ajudar os países pobres a fazer a transição para uma economia de baixo carbono, com aportes de dinheiro e tecnologia.
Além disto, é preciso sequestrar carbono da atmosfera pois a concentração de CO2 chegou a 411 partes por milhão (ppm) e o nível seguro para evitar um aquecimento global catastrófico é 350 ppm. A maneira mais fácil, ecologicamente correta e mais barata de capturar carbono é pelo plantio de árvores e pelo fim do desmatamento. Mas o mundo caminha em direção contrária.
Artigo publicado na revista Science (Bastin et. al. 05/07/2019) mostra que havia 6 trilhões de árvores no mundo no passado. Mas a humanidade destruiu a metade das florestas desde o crescimento exponencial da população e da economia. O número de árvores no mundo hoje em dia está em torno de três trilhões de unidades e os seres humanos estão destruindo 15 bilhões de árvores por ano, enquanto o aparecimento de novas árvores e o reflorestamento é de somente 5 bilhões de unidades. O déficit anual é de 10 bilhões de árvores.
Contudo, o ministro Paulo Guedes, em sua barafunda mental, também responsabilizou a pobreza pelo desmatamento porque os pobres “precisam comer” e, ainda, disse que os países ricos “já destruíram suas florestas”. Talvez ele tenha pretendido dizer que qualquer país que queira se tornar uma nação rica e com segurança alimentar precisaria reduzir a cobertura vegetal para matar a fome de sua população.
Todavia, o maniqueísmo entre pobres e ricos não se sustenta diante dos dados. Existem países ricos – como Finlândia, Suécia e Japão – que possuem mais de dois terços do território ocupados por florestas, enquanto, por exemplo, o Haiti, o país mais pobre da América Latina, destruiu quase toda a sua rica mata nativa e o Brasil tem cerca 50% do território coberto por florestas, segundo dados da Universidade de Maryland.
Mas o Brasil permanece na rota da destruição, pois para atingir um nível de desenvolvimento mediano, destruiu 90% da Mata Atlântica, mais de 50% do Cerrado, quase toda a Mata de Araucária e continua sua marcha insensata rumo à destruição total dos biomas. A bola da vez é a maior floresta tropical do mundo. Nos tempos do regime militar o desmatamento da Amazônia foi incentivado e apoiado pela abertura de estradas e o lema: “Levar os homens sem-terra, para as terras sem homens”.
Durante a preparação para a primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, o General Costa Cavalcante, Ministro do Interior e representando o governo, proferiu um discurso claramente antiecológico: “Para a maioria da população mundial, a melhoria de condições é muito mais uma questão de mitigar a pobreza, dispor de mais alimentos, melhorar vestimentas, habitação, assistência médica e emprego, do que ver reduzida a poluição atmosférica” (Alves e Martine, 2017).
O atual governo brasileiro tem defendido este antigo tipo de política que submete a preservação ambiental aos interesses do desenvolvimento econômico. A Amazônia está sendo destruída pela ganância da busca dos ganhos econômicos do desenvolvimento, tendo como linha de frente da destruição ecológica o crescimento das cidades, as hidrelétricas, as madeireiras, o garimpo, a mineração, as plantações de soja, a expansão da pecuária, a pesca predatória, a especulação com as terras, a grilagem, etc.
É neste contexto que se encaixa a fala do ministro Paulo Guedes no Fórum de Davos. Ele reproduziu uma visão desatualizada de desenvolvimento, justificando a destruição ambiental em função de atender as necessidades dos pobres. Mas nem o grande capitalista mais tacanho cai mais nesta esparrela. No Acordo de Paris, o Brasil prometeu reduzir o desmatamento da Amazônia que estava em 4,6 mil km2 em 2012 e passou para 9,8 mil km2 em 2019, segundo dados do PRODES do INPE.
Indubitavelmente, o Brasil, se quiser, tem soberania para destruir a sua parte da Amazônia, pois a própria ONU estabelece que o desenvolvimento é um direito dos povos. Só que o resto do mundo também tem soberania para não investir e não comercializar com o país caso as condições mínimas de sobrevivência ambiental não sejam respeitadas.
E o Fórum Econômico Mundial não comprou o discurso de Paulo Guedes, que falou no vazio ao reproduzir um discurso antiquado, deixando transparente que não leu o “Relatório de Riscos Globais 2020”, pois disse coisas erradas no lugar e no momento errado. Quase ninguém acredita que a “Curva Ambiental de Kuznets” possa explicar a situação do caos climático global atual. Nem os ricos, presentes na charmosa cidade dos Alpes Suíços, tem coragem de colocar a culpa da crise ecológica sobre os ombros dos pobres.
Não que o Fórum de Davos esteja na vanguarda da luta ambiental. Como disse a garota sueca, no último dia do evento: “Tínhamos várias demandas. Obviamente elas foram totalmente ignoradas. Mas já estávamos esperando por isso”.
O fato é que Paulo Guedes e o governo brasileiro representam o passado da época da contraposição entre desenvolvimento e meio ambiente, o Fórum Econômico Mundial representa o presente da “maquiagem verde”, da conciliação e da procrastinação das ações ambientais reais e Greta Thunberg representa o futuro da luta global pela defesa da natureza e da sobrevivência das novas gerações.
Referências:
ALVES, JED. MARTINE, G. Population, development and environmental degradation in Brazil. In: LENA, P. ISSBERNER, LR. Brazil in the Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental policies”, Londres, NYC, Routledge, 2017
https://www.chapters.indigo.ca/en-ca/books/brazil-in-the-anthropocene-conflicts/9781138684201-item.html
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico e emergência climática, Colabora, 07/12/2019
https://projetocolabora.com.br/ods13/crescimento-demoeconomico-e-a-emergencia-climatica/
BASTIN et. al. The global tree restoration potential, Science, Vol. 365, Issue 6448, pp. 76-79, 05 Jul 2019: https://science.sciencemag.org/content/365/6448/76
HANSEN et. al. Global Forest Change, University of Maryland, 2020
http://earthenginepartners.appspot.com/science-2013-global-forest
Thunberg.: Our house is still on fire and you’re fuelling the flames, WEF, Davos, 21/01/2020
https://www.weforum.org/agenda/2020/01/greta-speech-our-house-is-still-on-fire-davos-2020/
WEF. The Global Risks Report 2020, Davos, 15/01/2020
https://www.weforum.org/reports/the-global-risks-report-2020