Por Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite –
No ano de 1791, em 17 de junho, nascia Delfina Benigna da Cunha, em S. José do Norte (RS), na Estância do Pontal. Seus pais foram o capitão-mor Joaquim Fernandes da Cunha, responsável pela guarda do litoral, e Maria Francisca de Paula e Cunha.
Ao contrair varíola, a poetisa gaúcha ficou cega antes de completar dois anos de idade. A tragédia não a impediu de apurar seu talento e publicar, em 1834, o livro de poesias, cujo título é “Poesias Oferecidas às Senhoras Rio-Grandenses”. Este obra foi pioneira na Província, totalizando 148 páginas. Impressa na Typographia de Fonseca & Cia, que se localizava na Rua de Bragança nº 58, atual Marechal Floriano, em Porto Alegre, é um marco da literatura feminina na província gaúcha.
Autodidata, já escrevia aos 12 anos, primando pela métrica em seus poemas. Diante de sua desdita, Delfina Benigna da Cunha recebia de D. Pedro I uma pensão, devido aos bons serviços prestados pelo seu pai, falecido em 1826.
Em sua obra, os versos traduzem um intimismo melancólico e possuem uma métrica impecável. Seus livros eram de formatação pequena, remetendo-nos aos atuais livros de bolso. Em suas publicações, a “poetisa cega” fazia questão de registrar seus patrocinadores.
Delfina era monarquista e nutria muita gratidão a D. Pedro I e a seu filho D. Pedro II. De acordo com a historiadora Hilda Hübner Flores, em seu livro “Dicionário de Mulheres” (1999), a poetisa cega odiava os liberais farroupilhas, registrando na segunda edição, de sua primeira obra, no Rio de Janeiro, em 1838, sua aversão, em versos ferinos, contra o líder Bento Gonçalves da Silva (1788-1847). Na reedição, segundo a historiadora, o título “Poesias oferecidas às senhoras rio-grandenses” sofreu uma alteração: a palavra “rio-grandenses” foi substituída por “brasileiras”. Delfina Benigna Cunha, nesta obra, registrou toda a sua repulsa ao líder farroupilha: “Maldição te seja dada / Bento infeliz desvairado / No Brasil e em toda a parte/ Seja teu nome odiado”. Devido à Revolução Farroupilha (1835-1845), exilou-se no Rio de Janeiro, retornando apenas uma vez à Província de São Pedro (RS). Na Bahia, a poetisa cega vendeu assinatura da sua obra.
A poetisa cega não se casou, mas há quem afirme sobre uma paixão secreta pelo Major Manuel Marques de Sousa (1804-1875) – o futuro Conde de Porto Alegre – que foi o responsável pela retomada da nossa capital das mãos dos farroupilhas, em 15 de junho de 1836, após fugir do navio-prisão, conhecido como Presiganga, ancorado no Guaíba. Os farroupilhas haviam tomado a capital da Província, em 20 de setembro de 1835,dando início à Revolução Farroupilha (1835-1845).
A estátua em homenagem a Manuel Marques de Sousa, personagem à qual a poetisa cega nutriu afeto, é a mais antiga de Porto Alegre e foi inaugurada pela Princesa Isabel (1846-1921), em 1885, na atual Praça Marechal Deodoro da Fonseca, conhecida, pelos gaúchos, popularmente, como Praça da Matriz. O monumento, mais tarde, foi transferido para a Praça do Portão, atual Conde de Porto Alegre. É bem provável que o amor sublimado, por Delfina Benigna da Cunha, tenha sido o motivo do desencanto presente em seus versos.
A poetisa cega publicou, também, as seguintes obras:“Tributo de gratidão” (1842), “Florilégio da infância” (1842) , “Selecta brasileira” (1846) e Coleção de várias poesias (1846).
Delfina Benigna da Cunha poderia ser apenas mais uma mulher num contexto de uma sociedade patriarcal e conservadora do século XIX; porém o destino lhe reservara, embora a cegueira e dificuldades econômicas, o pioneirismo da sua obra no Rio Grande do Sul, superando limitações e preconceitos.
A “poetisa cega” faleceu no Rio de Janeiro, em 13/04/1857, aos 65 anos. Entre seus livros, “Poesias oferecidas às senhoras rio-grandenses”(1834) representa a vanguarda feminina no cenário literário do Rio Grande do Sul. Ela é patrona da cadeira número 01 da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul (ALFRS) e da Biblioteca Pública de S. José do Norte (RS), sendo, também, homenageada em uma das ruas do bairro Camaquã em Porto Alegre.
Bibliografia:
CESAR, Guilhermino. História da Literatura no Rio grande do Sul. Porto Alegre: Ed. Globo, 1971.
FISCHER, Luís Augusto. Literatura Gaúcha. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004.
FLORES, Hilda A. Hübner. Dicionário de Mulheres. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1999.
50 anos de Literatura / Perfil das Patronas. Porto Alegre: IEL, 1993.
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite é Coordenador do Setor de Imprensa do Musecom