Se nada fizermos, enquanto nação, a única pergunta pendente será: “quando”?
Por Pedro Chê, compartilhado de ICL Notícias
O Crime, como nos ensinou o sociólogo Émile Durkheim, é um elemento inerente a sociedade, algo do qual não se pode escapar. Da mesma forma a Política, que para Aristóteles era a ciência suprema, está presente em toda e qualquer relação humana. Não é surpreendente, portanto, que esses dois elementos, tão abundantes e coexistentes, se toquem e se relacionem.
Não pretendo, com esta percepção simplista, adotar um ponto de vista blasé, estoico, conformista, especialmente quanto ao avanço crime sobre a política no Brasil. Fatalismo este que contaminou boa parte da militância de esquerda (uma das razões para não termos “discurso” na segurança pública). Assim, muito militantes — apoiados em certa combinação de premissas teóricas — advogam acabrunhadamente que pouco ou nada podemos fazer, além de gritar contra os barbarismos cometidos por alguns policiais, focando na criminalização ao invés de buscar uma mudança cenário. Postura cômoda, aliás, para aqueles que, no máximo, tangenciem os efeitos das contradições do capitalismo. Diferente é a realidade de nossos jovens nas periferias, que morrem tal qual caem mangas no chão na estação.
Nosso problema não está, portanto, na existência do crime — afinal, este é inevitável –, mas em seu crescimento acelerado e evolução desmedida, que não é apenas técnica, mas doutrinária e conceitual. Se antes podíamos recorrer a conceitos como o “banditismo social” do historiador Eric Hobsbawm para buscar explicações e remédios para os nossos males, hoje tal pouco se sustenta, diria que está, no mínimo, fora de moda.
A resistência das classes menos favorecidas a um modelo importo de cima para baixo, que protagonizavam a eclosão de indigentes-revoltados-criminosos, diria que foi atropelada por uma dinâmica criminal que opera a partir de sofisticado cooperativismo, sustentando por grandes ganhos transnacionais, com uma ideologia anarcocapitalista e que seduz um exército de jovens que buscam a felicidade por meio de uma ostentação desenfreada. O Cangaceiro deu lugar ao Coringa.
Com esses recursos, o crime avança sobra a política. No entanto, esse não é um processo que ocorre ao “estalar de dedos”, e precisamos delimitar neste momento sobre que tipo de crime nos referimos. Estamos tratando aqui do crime “ordinário”, realizado por “freelancers” e por organizações criminosas faccionadas ou milicianas, pois, no caso, por exemplo, do “crime já institucionalizado” este vive em sua aurora há séculos em nosso país, sob diferentes formas e pretextos.
Retornando ao tema do texto, as facções e milícias estão num processo avançado de ocupação dentro no Poder Político, iniciado a partir da troca de favores com lideranças políticas, especialmente nas periferias. Nessa dinâmica, políticos que não necessariamente pertenciam a organização recebiam o apoio “local” em troca de certos favores, como agilizar cirurgias, arranjar um emprego, obter uma receita médica, entre outros.
Com a evolução da visão política dessas instituições, o nível de cooperação ou engajamento tornou-se mais profundo, transmutando os antigos acordos de benefício mútuo em uma verdadeira cooperação, onde estas lideranças adentravam diretamente nas demandas e negócios do crime organizado.
Essas duas etapas expostas foram, em grande medida, superadas. Hoje a estratégia das organizações criminosas está dividida em dois grupos de oportunidade. Prioritariamente buscam patrocinar diretamente membros ungidos para ocupar tais posições, em detrimento das anteriores relações baseadas em fidelidade circunstancial. A segunda via envolve “freelancers”, normalmente pessoas com um histórico de negócios com a criminalidade/organizações (mas de forma não-orgânica) que se aproveitando da conjuntura concorrem em eleições por enquanto inacessíveis aos quadros ungidos na organização. São Paulo sendo um “Case” interessante.
Isso nos coloca numa posição crítica, pois estas organizações não dependem mais de etapas ou uma evolução técnica para alcançar o cume de seus interesses. Trata-se, para eles, de esperar pela efetividade e consecução de seus planos, ou seja, garantir que seus quadros ocupem sistematicamente posições estratégicas — essencialmente no executivo —, permitindo-lhes concluir um retorno ao passado, se tornando algo equiparável a um “coronel/senhor de terras” do início do século 20.
Esse é o objeto: consolidar o controle territorial que em alguns termos já alcançaram. Pois, em muitos lugares, eles já dominam a vida econômica local por meio de taxas e permissões. Possuem suas guardas próprias guardas (milícias ou exército do tráfico) que fiscalizam (com poder de polícia) o cumprimento de seus interesses. Avançam também em busca do controle prático da política e do voto, tanto pela monopolização da expressão política nessas áreas (é proibido o simples uso de adesivo de candidato não indicado), como pelo assédio direto ao voto, com eleitores sendo obrigados a registrem seus votos nas urnas de votação. Se nada fizermos, enquanto nação, a única pergunta pendente será: “quando”?