Por Roberto Amaral, em seu Blogue –
Postado em Carta Capital
A miséria da política
Está nas folhas: o Partido Socialista Brasileiro, que tanto lutou para fixar-se no campo da esquerda, vai fundir-se no PPS, a excrescência reacionária da direita. Transformar-se-ão, os dois, no grande satélite do PSDB, e juntos navegarão na nau dos ressentidos.
A que enxovalhamento moral está sendo levado o partido fundado por João Mangabeira em 1947, e reorganizado por Jamil Haddad, Evandro Lins e Silva, Antônio Houaiss e o signatário em 1985!
Em nome de quê?
Já não existe o combativo partido que se opôs a Sarney, a Collor, que fez frente a FFHH e à privataria tucana.
Mas tudo é possível esperar de sua atual direção. Tudo que signifique indignidade ideológica. A direção que, por mero oportunismo, aliou-se a Aécio Neves em 2014, antes havia negociado seu apoio a Ronaldo Caiado em Goiás (na ocasião, o partido foi salvo pela salutar reação de Marina Silva, então candidata a Vice-Presidente da República) e ainda antes havia tentado negociar a sigla com o Júnior do Friboi. Essa mesma gente entregou o partido em Santa Catarina ao clã Bornhausen, no Paraná a Beto Richa (cuja obra está estampada nas manchetes) e acolheu em seus quadros, como deputado federal, o inefável Heráclito Fortes.
A fusão, portanto, é apenas o clímax de um processo de grave decadência ético-ideológica. Uma vertiginosa trajetória de declínio político e renúncia moral, orientada pelo ganhar a qualquer custo. Uma vez mais – e não pela última vez – os fins justificam os meios, ainda que espúrios.
Essa fusão é moralmente inaceitável, é o ponto final do PSB. É o sepultamento, no seu programa, do socialismo, do nacionalismo e da prática de uma política de esquerda. No entanto, é processo natural no PSB de hoje, que nada tem a ver com o PSB de seus fundadores, que nada tem a ver com o PSB de 1990, no qual recebi Miguel Arraes, e nosso ex-presidente só ingressou no PSB porque naquele então éramos um partido do campo da esquerda socialista. O de hoje, esse que vem sendo moldado desde 2014, nada lembra aquele antigo PSB que abrigou Pelópidas da Silveira e Francisco Julião. Esse PSB que se auto-imola não honra a biografia de Luiza Erundina. Hoje, seu representante conspícuo, seu melhor ícone ideológico, é o Pastor Eurico, ventríloquo da direita mais embrutecida. Em breve, o PSB de Arraes será o partido do Sr. Roberto Freire, já anunciado como seu primeiro vice-presidente.
A fusão é, ademais, um brutal erro histórico, embora seja o segundo momento da opção pelo conervadorismo, quando, com a crise do PT e de outras siglas de nosso campo, tinha todas as condições objetivas, de, como sempre defendi, cumprir o papel de estuário da esquerda socialista e democrática. Ao invés de fazer frente à maré conservadora, o PSB optou por a ela aliar-se.
Esse neo-PSB me causa engulhos.
Por tudo isso, por tudo o que foi dito e pelo que ainda precisa ser dito, a fusão é tristemente lógica, pois dá sequência aos vitoriosos esforços de seus dirigentes atuais para jogar a história partidária na lata de lixo e abdicar de seu futuro. Podendo ser o grande leito da esquerda, optou o PSB pelo papel de valhacouto de uma direita espúria. É obra dos que mudam para ganhar, e transformam a política em mero jogo estatístico, ou instrumento de mesquinhas realizações pessoais.
É a miséria da política.
Ora, que esperar de um partido que, ainda se dizendo socialista, vota majoritariamente contra os trabalhadores e consagra a precarização do trabalho? Que esperar de um partido que, dizendo-se socialista, propõe o ensino do criacionismo em nossas escolas?
De uma forma ou de outra, essa fusão abre caminho para novas fusões, de igual forma indignas mas coerentes, e de igual forma lamentáveis, com outros partidos de direita. Por que não fundir-se, por exemplo, com o DEM de Caiado, e o ‘Solidariedade’ do ‘Paulinho da Força’? O qual, aliás, tentou, muitos anos passados, ingressar no PSB, mas teve seu pleito rejeitado por Miguel Arraes. As razões de Arraes para negar-lhe ingresso são hoje, porém, as razões que devem levar os dirigentes adventícios a procurá-lo.
Num ato de dignidade histórico-política (certamente é pedir muito dos atuais dirigentes), o Congresso Extraordinário do PSB, apressadamente convocado, sem nenhuma discussão com as bases, poderia, numa derradeira homenagem a João Mangabeira, Miguel Arraes, Antônio Houaiss, Evandro Lins e Silva e Jamil Haddad, raspar da sigla o ‘S’ de socialismo. Poderia ser apenas ‘P40′, um nada e um número, ou apenas ’40’, como muitos de seus dirigentes atuais pleiteiam, há tempos. Um partido sem projeto, sem ideologia, sem caráter, líquido à espera do recipiente que lhe dará forma, espaço para a traficância ideológica. Mas um partido (se essa designação ainda lhe cabe) apto a crescer estatisticamente nesse deserto moral que ora impera na política brasileira, e no qual sua Nomenklatura atual se refastela e goza.