Por Por Yuri Fernandes, compartilhado de Projeto Colabora –
Sem nenhum caso suspeito de covid-19, população de cidade no Maranhão se aglomera na fila da única lotérica para o saque do auxílio emergencial. Economista vê ‘experimento social interessante’ com a injeção de recursos na renda familiar.
O isolamento que boa parte do mundo vivencia com a pandemia do coronavírus não chega, de certa forma, a ser novidade para os 8 mil habitantes de Marajá do Sena, no Maranhão. Localizado a 394 quilômetros da capital São Luís, o município vive em uma constante “quarentena geográfica”. A cidade mais próxima, Arame, fica a 60 quilômetros. O acesso, por meio de um extenso trecho de terra, é difícil. Em dias chuvosos, ninguém entra ou sai da cidade com a pior renda per capita do Brasil, segundo o IBGE. O #Colabora comprovou a dificuldade em 2018, quando visitou a região para produzir a série “Extremos do Brasil”, de autoria de Adriana Barsotti. Durante a viagem, a equipe de reportagem questionou moradores de regiões próximas sobre Marajá do Sena. A maioria sequer conhecia. Dois anos depois, qual o cenário do município diante da pandemia? O que dá para adiantar é que lá, a aglomeração é na fila da lotérica para o saque do auxílio emergencial.
A geografia de Marajá do Sena, longe de grandes centros urbanos e predominante rural, é um fator que a favorece em relação ao avanço do coronavírus. Até agora nenhum caso suspeito ou confirmado, garante a Secretaria Municipal de Saúde. A população com mais de 60 anos, grupo de risco para a covid-19, é uma das menores do Brasil: 4,30%, segundo a FGV Social a partir de dados do DATASUS. Mesmo assim, para evitar um colapso no frágil sistema de saúde local, a prefeitura vem seguindo as ações preventivas decretadas pelo Estado do Maranhão, que já tem 1,7 mil casos e 76 mortes. A precaução é mais do que válida: o coronavírus vem avançando pelo interior do estado. Existe um caso confirmado em Vitorino Freire, a 94 quilômetros de distância de Marajá, e oito em Bacabal, a 150 quilômetros.
Segundo Bruno Henrique Oliveira, secretário de Saúde, em casos de sintomas da covid-19, a população marajaense será encaminhada para os hospitais de Bacabal, já que a cidade só possui uma Unidade Básica de Saúde e um Centro Municipal de Saúde. Em Marajá do Sena, também não há nenhum teste para diagnóstico da doença. “O Estado se comprometeu em entregar 20 nos próximos dias. Serão usados, principalmente, para testagem dos nossos profissionais de saúde”, ele conta. Diretamente, o município tem em seu quadro cerca de 45 trabalhadores da área, entre médicos, agentes comunitários, dentistas e enfermeiros.
Moradora de Vitorino Freire, Tanielly Batista é psicóloga e uma vez por semana costumava ir à Marajá do Sena, onde ficava de segunda à quinta-feira, para fazer visitas domiciliares à famílias da zona rural cadastradas no programa de auxílio psicossocial gratuito da Secretaria Municipal de Assistência Social. Com a pandemia, a prefeitura disponibilizou os contatos de Tanielly e mais uma profissional para o atendimento remoto, por telefone. “Na maior parte, a procura vem de moradores com quem eu já trabalhava presencialmente. Nos últimos dias, duas mulheres me ligaram relatando que com a pandemia, as crises de ansiedade aumentaram. Não conseguem dormir e sentem medo”, compartilha.
Uma cidade por si só vulnerável
Muito da insegurança local se deve ao fato de Marajá do Sena ter índices preocupantes em relação à geração de renda e emprego. Lá, 60,72% da população sobrevivem em meio à extrema pobreza e só 2% têm ocupação formal. A renda média per capita é de R$ 96,25, a pior do Brasil (a média nacional é 15 vezes maior). Por causa da falta de emprego, grande parte das famílias vive de bicos e do Bolsa Família: o município recebeu no ano passado, em média, R$ 280 mil por mês do programa do Governo Federal. Nessas condições e com a maioria da população aguardando o auxílio emergencial de R$ 600 anunciado pelo governo, aglomerações na única casa lotérica da cidade estão sendo inevitáveis.
“Desde que o auxílio foi anunciado, as pessoas estão se aglomerando na fila para acompanhar o processo ou receber a quantia. Chegamos a utilizar policiais para orientar a população, muitos folhetos foram entregues para que atitudes do tipo sejam evitadas, mas aqui é complicado. A população está vivendo normalmente, como se nada tivesse acontecendo”, declara Bruno Henrique. Durante a entrevista, feita por telefone, Bruno diz estar em frente ao supermercado da cidade. Questiono se tem muita gente por perto. “Olha, tem muita. Às vezes, dá uma sensação de impotência, a população não absorve tão bem o que é recomendado. Alguns por dificuldades em acompanhar as informações, outros porque são céticos mesmo”, pondera.
Sobre o comércio, em um primeiro momento – durante 15 dias -, apenas os essenciais tinham a liberação para abertura, como farmácias, supermercados e açougues. Agora, as medidas de restrição estão flexibilizadas. De acordo com Bruno, a orientação é que lojas, por exemplo, atendam apenas duas pessoas por vez e que todos os estabelecimentos disponibilizem álcool em gel na entrada. Festas seguem proibidas e as escolas fechadas. Cestas básicas foram distribuídas pela prefeitura para as famílias mais carentes. “Fala-se muito nos riscos da pandemia para a população mais vulnerável. E quando o município em si já é vulnerável?”, questiona Bruno Henrique. “Estamos conseguindo suprir a necessidade de todos”, afirma a assistente social Larissa Castro.
O descolamento de munícipes para outras cidades diminuiu. O fluxo, porém, segue inevitável para profissionais da saúde que moram fora e comerciantes que precisam se abastecer. A queda no movimento intermunicipal é ótima do ponto de vista preventivo, mas, por causa disso, teve gente que viu sua renda desaparecer.
É o caso do Genival da Conceição, de 42 anos. Ele é um dos quatro taxistas da cidade (por causa da pandemia, só dois agora estão em atividade). Gena, como é conhecido, fazia corridas diárias para cidades próximas. A renda chegava a R$ 2,5 mil por mês, quantia usada para sustentar mais três pessoas da família. São R$ 625 por indivíduo – quase sete vezes mais que a média da cidade, que é de R$ 96. Um cenário distante da maioria dos marajaenses, mas que agora está ameaçado. “Praticamente não estou trabalhando, faço uma viagem, raramente. E também não posso me arriscar por aí”, conta ele, que diz estar aguardando a análise do pedido de auxílio.
Injeção de recursos
Apesar do cenário de incertezas em Marajá do Sena, o economista e diretor da FGV Social Marcelo Neri observa que a cidade terá uma injeção significativa de recursos em razão do auxílio emergencial. Como lá 91% dos habitantes são vulneráveis à pobreza, estima-se que um número similar receba o aporte. Uma realidade também de outros municípios do Maranhão, estado com a pior renda per capita do Brasil. Enquanto a média mensal gasta com o Bolsa Família por habitante a nível nacional é de R$ 6,91, no Maranhão, o valor chega ao triplo: R$ 18,44, o mais alto do país.
“As pessoas que compõe a base do Bolsa Família, que são mais pobres, são visíveis do ponto de vista do Estado. Após muitos anos de perda, Marajá do Sena é uma cidade que, se a gente for analisar a curto prazo, terá uma injeção atípica em sua economia e na renda familiar. Moradores poderão receber até seis vezes mais o valor de costume do Bolsa Família, por três meses. É um experimento social interessante”, explica. O benefício de R$ 600,00 será pago para até duas pessoas da mesma família. Para as famílias em que a mulher seja a única responsável pelas despesas, o valor será de R$1.200,00.
“É recomendável que o poder público local promova ações de educação financeira, porque não sabemos quanto tempo a crise vai durar. Assim, em um possível agravamento do problema, você tem esse recurso guardado”, aconselha Marcelo Neri. Enquanto isso, o secretário de saúde Bruno Henrique segue com o trabalho de propagar uma mensagem importante, tanto nas casas e nos comércios, como pelas redes sociais: “Procurem a unidade de saúde somente em caso de urgência. Não exponha seus idosos. Evitem aglomerações. Se puder ficar em casa, no seu repouso, fique. É o melhor remédio que temos no momento”.