A quarta implosão de Ciro Gomes (análise do Ciro em Lisboa)

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Depois de sete meses em silêncio (sua aparição relâmpago em abril, numa reunião do PDT em Fortaleza, na qual enalteceu a “taxa do lixo” e defendeu Sarto, não conta), Ciro Gomes finalmente abriu o bico para falar do Brasil e do governo Lula.

Por Miguel do Rosario, compartilhado da Reivista Fórum




Depois de sete meses em silêncio (sua aparição relâmpago em abril, numa reunião do PDT em Fortaleza, na qual enalteceu a “taxa do lixo” e defendeu Sarto, não conta), Ciro Gomes finalmente abriu o bico para falar do Brasil e do governo Lula.

E foi uma vergonha estrondosa. Mais uma vergonha para o currículo recente do ex-ministro, que já não é muito bom.

Em aproximadamente duas horas, Ciro fez uma fala tão cheia de mentiras, análises superficiais, agressões, chauvinismos, vulgaridades, que custa a acreditar que ele tenha sido, algum dia, uma referência para o campo progressista.

Com esse discurso em Lisboa, entende-se porque Ciro se manteve em silêncio por todo esse tempo: para poupar a si mesmo e a seus próximos de uma experiência profundamente depressiva.

É como se ele experimentasse a sua quarta implosão.

A primeira implosão foi moral e ética, quando passou a romper todas as fronteiras do decoro mais elementar e fazer a campanha mais suja, desonesta e violenta que um candidato supostamente progressista já protagonizou. Os exemplos mais notórios desse primeiro mergulho em seu próprio inferno moral foram suas agressões chulas a Lula e ao partido dos trabalhadores.

Depois veio, como sequência desse primeiro movimento, a implosão política. Ciro Gomes começou a perder, rapidamente, aliados e eleitores. Aconselhado por figuras profundamente sectárias e violentas, Ciro ficou isolado. Absolutamente isolado. O “debate” bizarro entre ele e o jovem humorista Gregório Duvivier coroou essa etapa.

A terceira implosão foi eleitoral. Ciro perdeu primeiro o afeto e o respeito do campo progressista. Depois perdeu os votos. O seu principal assessor político, um indivíduo tão sectário e violento que é melhor nem declinar o nome, e que passava os dias agredindo, caluniando e perseguindo furiosamente qualquer eleitor ou mesmo militante trabalhista que fizesse reparos à atitude de Ciro, admitiu posteriormente, em lives, que a estratégia era abandonar o eleitorado progressista, dado como “perdido”, e arregimentar conservadores.

O resultado foi trágico. Uma verdadeira hecatombe eleitoral, para o próprio Ciro, em primeiro lugar, e para todos os que estavam próximos dele. Todos, absolutamente todos, os candidatos identificados como ciristas tiveram um desempenho ruim.

A quarta implosão é o que se pode ver agora, em sua sua fala em Lisboa.

Uma implosão cognitiva.

Depois do show em Lisboa, vê-se que o problema de Ciro não é apenas destempero, truculência e falta de modos, mas efetivamente uma dificuldade enorme para concatenar pensamentos lógicos e ponderar o efeito de suas próprias palavras. A extrema direita sentiu o cheiro de carniça, e já o usa descaradamente como fonte de conteúdo para atacar o campo democrático e popular. Vídeos de Ciro em Lisboa foram rapidamente parar nos esgotos mais fétidos do bolsonarismo. Eduardo Bolsonaro, Ciro Nogueira, Carlos Jordy, para citar apenas alguns, alimentaram suas redes sociais com as últimas falas de Ciro.

Na verdade, já no processo eleitoral, sobretudo no intervalo entre primeiro e segundo turno, o bolsonarismo instrumentalizava Ciro Gomes em seu favor. As entrevistas de Ciro a podcasts de direita, curiosamente os únicos espaços onde ele passou se sentir à vontade, eram compartilhadas em massa pela campanha bolsonarista.

Os diagnósticos de Ciro Gomes, no campo da política, da economia e da história, em sua fala de Lisboa, são inteiramente equivocados. Quando ele se aproxima de uma crítica correta, ele próprio a corrompe com uma abordagem voluntarista, infantil, e sobretudo despolitizada do processo.

Por sua vez, o “cirismo”, movimento que ele inspirou, e que em 2018 parecia tão promissor, justamente pela postura educada, não-sectária, de seus militantes, degenerou numa militância esquisita, que mescla um esquerdismo radical, agressivo e despolitizado (típico de grupelhos sem compromisso com a luta real pelo poder), a um namoro meio sinistro com ideias ultranacionalistas e conservadoras.

Uma parte da militância cirista, aliás, assustada com essa tendência, vem tentando se descolar, mas também parece sofrer de uma espécie de negação, como se recusasse a enxergar que esse desvio ideológico de parte do movimento é apenas coerente com a postura do próprio Ciro Gomes. Afinal, o rasputin do cirismo, figura famosa por suas posições negacionistas contra a urna eletrônica e por seu antipetismo histérico, não foi empoderado, durante a campanha, como “âncora” da TV Ciro?

O lado mais sombrio do cirismo, porém, é que ele se voltou furiosamente contra o próprio partido de Ciro Gomes. Recusando-se a enxergar qualquer problema na campanha, o cirismo passou a culpar o PDT pela hecatombe política de seu candidato.

O afastamento de inúmeros candidatos trabalhistas da campanha radiotiva de Ciro Gomes, afastamento necessário para que não fossem completamente arrastados para o abismo moral, político e eleitoral para onde o ex-ministro se encaminhava, à vista de todos, foi interpretado como “traição”. A principal bandeira do rasputin de Ciro Gomes e de seus aliados nas redes sociais, ainda hoje, é expulsar do PDT os quadros mais promissores da legenda, como Duda Salabert, deputada federal mais votada na história do partido, e Rodrigo Neves, principal quadro trabalhista no estado do Rio, alegando que eles não se empenharam o suficiente na campanha majoritária, e que seriam “lulistas enrustidos”.

O lado irônico (e isso é tão maravilhosamente comum numa democracia) é que o ódio antipetista do cirismo ajudou a neutralizar o próprio antipetismo em setores relevantes da classe média, pois em determinado momento cada vez menos eleitores quiseram ser associados à truculência cirista. Os ataques vulgares de Ciro Gomes a Lula acabaram por fortalecer o petismo, pois cada xingamento de Ciro produzia sentimentos de solidariedade ao… PT.

Ao arrastar sua campanha e sua militância para a direita, como seus ataques a artistas e sua associação a figuras reacionárias e fundamentalistas como Cabo Daciolo, Ciro Gomes acabou por empurrar todo o seu eleitorado progressista, que em 2018 havia sido enorme na classe média das grandes cidades, para o PT. Esse era (e é) um eleitorado estratégico, por sua influência relevante nas “flame wars” das redes sociais.

Ou seja, Ciro Gomes foi um grande eleitor e aliado do PT, embora involuntariamente.

Apesar de Ciro ter dito, em sua fala em Lisboa, que não representa mais uma corrente de opinião no Brasil, ele teve um papel de destaque na história recente.

De 2015 a 2018, Ciro ofereceu uma alternativa política necessária ao campo progressista, num momento de grande perplexidade no país, em que tudo parecia perdido. A Lava Jato havia não apenas destruído nossas maiores empresas de engenharia – tínhamos a impressão que o nosso sistema político havia igualmente sucumbido, arrastando as principais organizações populares, incluindo os partidos progressistas. Na verdade, isso quase aconteceu. A vitória de Bolsonaro foi o resultado desse cenário de terra arrasada.

Mas a democracia resistiu. Lula resistiu. O PT resistiu. O campo progressista se reorganizou e, nas eleições de 2022, obteve uma vitória emocionante, épica, que ecoou no mundo inteiro. Lula conquistou 60,3 milhões de votos, a maior votação já alcançada por um candidato no Brasil.

Ciro, porém, teve um papel triste nesse processo.

O seu silêncio após o primeiro turno, naquelas circunstâncias, foi hostil, covarde, antidemocrático, quase colaboracionista. Em nenhum momento ele tentou neutralizar o uso, pela extrema direita, de seus ataques a Lula. Nem o faz agora, de maneira que permanece colaboracionista.

Hoje uma boa parte do cirismo se transformou numa força negativa, destrutiva e reacionária dentro do PDT, e o partido não sabe como lidar com isso. Para mim, simpatizante do partido e estudioso da história do trabalhismo, a solução deveria passar pelo empoderamento de quadros como Rodrigo Neves, ex-prefeito de Niteroi e provável candidato novamente em 2024, Duda Salabert, de Minas Gerais, Goura Nataraj, do Paraná, e Evandro Leitão, do Ceará. São os quadros que preservaram as pontes com o campo progressista, e podem liderar um processo de renovação e reconstrução do partido. Suponho que os próprios estejam, nesse momento, tentando se livrar do cirismo reacionário, da maneira menos traumática possível para si mesmos e para a legenda. Senão conseguirem, talvez saiam da legenda.

Neste link, assista a um vídeo que fiz com uma análise ponto a ponto da fala de Ciro em Lisboa.

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