No começo dos anos 1980 eu tinha 23 anos e era, havia três, um feliz repórter da sucursal paulista da Manchete. Logo percebi, no entanto, alguns entraves em trabalhar longe do Rio de Janeiro, onde se planejava e se fechava a revista de Bloch Editores. Um deles era o fato de que os textos podiam ser drasticamente encolhidos pelos redatores da matriz.
POR WALTERSON SARDENBERG Sº, compartilhado de seu BLog
Tivesse o autor a sorte de suas laudas caírem em mãos de um Ib Teixeira, ótimo. O texto ficava mais enxuto, mais direto, mais ágil e mais “vivo” — e até mesmo as brincadeiras de estilo, típicas de Manchete, ganhavam em graça. Todavia, caso fosse depositado para edição, por exemplo, na mesa do grande Ney Bianchi em tarde de excessos etílicos, e o que seria um ofício de copy desk se tornava um exercício de mutilação, desfaçatez e pilhéria.
Vai daí que, para focas como eu, era muito mais prudente publicar em Ele & Ela, a revista masculina de Bloch Editores. Sobretudo porque, se o texto fosse bom, saía na íntegra graças ao redator-chefe, Leo Borges Ramos, um goiano carioquíssimo, bon vivant e “muito bom nas pretinhas” — como se dizia. De mais a mais, Ele & Ela tinha uma equipe de jornalistas divertidos e chegados a um copo, que se transformariam em amigos de boêmia, como Antônio Roberto de Almeida (o Machadinho), Henrique Diniz, Sérgio Costa e Alexandre Machado. Sem esquecer que a revista rivalizava em qualidade com Playboy e Status: publicava crônicas de Rubem Braga, ensaios de Luiz Carlos Maciel e textos de Carlos Heitor Cony e do honorável cartunista Álvarus, a quem Leo Borges me apresentou na redação.
Agora glória, no duro, era sair com foto e tudo na página de abertura, em que Lincoln Martins, o diretor de redação, apresentava os colaboradores. Tive esta satisfação algumas vezes. Mas não mandava a tal foto. Esperava Leo Borges, de posse do texto, enviar um telex — pois eh — requisitando o clique. Era mais elegante.
Assim foi quando fiz uma matéria sobre motéis (faria outras, mais tarde), com fotos do querido Mituo Shiguihara, chefe do departamento de fotografia da sucursal. Pois bem, Leo mandou o bendito telex. Pedi a outro amigo, o fotógrafo José Bosco, um tremendo gozador, que tirasse o meu retrato.
“Aqui, na redação?”, ele perguntou, indignado. E logo dissertou que o retrato tinha de ser “contextualizado”, e não ali, entre as combalidas Remingtons e Olivettis. Em outras palavras: o “portrait” deveria ser feito “ambientado”, com o jovem — e tolo — repórter deitado numa cama de motel. Achei presunçoso. Até ridículo. Mas Bosco, além de sarrista, era persuasivo.
Expliquei o intento a um dono de motel, que entrevistara para a reportagem. E lá fomos nós. Um clique. Dois. Três. Eu já me preparava para levantar quando Bosco, insatisfeito, incrementou o cenário com um balde de gelo preenchido por uma garrafa de espumante. Segundo seus sólidos argumentos, ficaria ainda mais divertido. Eu não sabia que acabaria vítima de uma galhofa.
No dia seguinte, quando fui pedir ao Bosco para dar uma olhada nos retratos, ele falou, quase distraído: “Ih, rapaz, já enviei ao Rio no malote”. Nada mais havia a fazer.
Foram semanas aguardando por um exemplar de Ele & Ela, publicação mensal. Enfim, chegou. Ansioso, fui conferir a página dos colaboradores. Lá estava a minha foto, ladeada pelo retrato de outro velho amigo, Ronny Hein — e que então se assinava Ronaldo Hein —, e pela imagem de Alice Gonzaga, filha de Adhemar Gonzaga, o criador da Cinédia, um dos decanos do cinema brasileiro. Achei uma maravilha.
Só numa segunda conferida percebi: o sacana do José Bosco havia transformado o espumante em símbolo fálico.
Leo Borges deve ter adorado, pois abriu o retrato bem graúdo. Como se dizia na Bloch: “Em grande estilo”.
Foi bom pra eu deixar de ser besta.