Por Paulo Nogueira, Diário do Centro do Mundo –
Quase senti pena da última coluna de Vera Guimarães, ombudsman da Folha.
Foi um grito de revolta impotente, uma lamúria atirada num jornal que perdeu o pudor, foi tudo isso muito mais que um mero artigo para analisar o jornal.
Foi, também, uma amostra dos apuros que jornalistas honestos enfrentam hoje em redações dedicadas a minar o pensamento progressista.
Ou você joga este jogo sujo ou está fora.
Vera, pelo menos por enquanto, está garantida pela imunidade temporária que o cargo dá a ela.
O tema da coluna era Eduardo Cunha.
A pergunta central de Vera era a seguinte: como o jornal pudera não dar Cunha na manchete depois que as autoridades suíças revelaram espetacularmente que ele tem várias contas na Suíça abastecidas de dinheiro sujo.
Quer dizer: se aquilo não é manchete, o que é manchete?
Vera conta na coluna que enviou sua perplexidade à chefia da redação. Isto significa Sérgio Dávila, editor-chefe, mas, sobretudo, Otávio Frias, o dono e editor.
A resposta foi constrangedora. O comando admitiu protocolarmente o erro. Mas, essencialmente, nada fez para repará-lo.
É claro que Frias sabe da monstruosidade jornalística que vem sendo a cobertura da Folha ao caso Cunha.
Não é um erro involuntário. É uma estratégia deliberada que faz a Folha se aproximar da Veja, e que a vai tornando irrespirável para jornalistas independentes como Vera ou, como se viu há alguns meses, Xico Sá.
A Folha emergiu para a liderança, nos anos 1980, como um jornal liberal, moderno, no melhor sentido destes dois termos.
Atraiu assim leitores e jovens jornalistas talentosos, que se orgulhavam de dizer: “Sou da Folha de S. Paulo”. (Sim, eles não falam simplesmente “Folha”.)
Agora, é um jornal reacionário, conservador, de direita – e como tal protege descaradamente Eduardo Cunha em nome da causa maior que é derrubar a esquerda. O jornal “a serviço do Brasil” é hoje um jornal a serviço da plutocracia e, neste exato momento, a serviço de Eduardo Cunha.
A Folha tenta preservar as aparências publicando alguns colunistas como Gregório Duvivier e Guilherme Boulos no meio de Reinaldos Azevedos em penca, mas não consegue.
Ou, pelo menos, não para pessoas cultivadas como Vera Guimarães.
Você pode avaliar a mudança de comportamento da Folha pela sua coluna Painel, a principal da área de Política.
Até há duas semanas, o Painel era editado por Vera Magalhães, mulher de um assessor de Aécio, num flagrante conflito de interesses.
Aécio foi constantemente favorecido pelo Painel. A editora só deixou o Painel porque foi convidada para trabalhar – você pode adivinhar onde – na Veja.
Na Veja, conflito de interesses é algo que não existe há muitos anos, com o preço brutal pago pela revista em sua reputação.
Mas na Folha existia.
É difícil construir cultura editorial, mas é facílimo destruí-la, como a Folha vem fazendo e a Veja fez, há um bom tempo já.
Qual a mensagem que chega aos jovens jornalistas – e os melhores são sempre os idealistas – com a atitude do jornal?
A saída estrepitosa de Xico Sá foi um sinal de que a paciência dos jornalistas sérios da Folha chegou ao limite.
O texto-revolta de Vera Guimarães é mais um, e ainda mais forte.