A revolução das passagens de ônibus

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Sistema único de mobilidade e tarifa zero incentivam o deslocamento dos mais pobres, aquecem a economia e reduzem a desigualdade

Por Agostinho Vieira, compartilhado de Projeto Colabora




“O Brasil precisa parar de produzir desigualdade”, desabafou o ex-ministro da educação Renato Janine Ribeiro na excelente entrevista feita por Micael Olegário aqui no #Colabora. Para isso, o professor de Ética da USP sugere dois caminhos relativamente simples: garantir que as crianças sejam alfabetizadas na idade certa e acelerar a implementação, de uma vez por todas, do ensino em tempo integral no país. Se a criança fica mais tempo na escola, ela aprende mais, se alimenta melhor, pratica esportes e ainda se protege da violência cotidiana, inclusive em casa. Nessa jornada contra a desigualdade nossa de cada dia, duas outras medidas, igualmente óbvias, vêm mobilizando a sociedade civil: a criação do Sistema Único de Mobilidade e a tarifa zero no transporte público.

A exemplo do SUS (Sistema Único de Saúde), tão conhecido e fundamental, como ficou claro na pandemia de covid-19, o SUM (Sistema Único de Mobilidade) se propõe a integrar as ações dos governos federal, estadual e municipal para gerenciar melhor o transporte público nas cidades e garantir custos mais justos, especialmente para a população mais pobre. Capitaneada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a proposta de criação do SUM tem como objetivo reduzir as tarifas do transporte público, ampliar a frota de ônibus elétricos (mais confortáveis e menos poluentes) e melhorar a infraestrutura do transporte público, o que inclui novas estações, pontos de ônibus, corredores e faixas exclusivas.

Ações como essas se tornaram urgentes diante do agravamento da crise do transporte público. Em dez anos, o número de viagens de ônibus em São Paulo foi reduzido em cerca de 33%, o que equivale a 1 bilhão de viagens. Em Belo Horizonte, a redução foi de 42%, em comparação com 2011. A situação é a mesma em várias outras capitais.  Com isso, o número de cidades que passou a subsidiar o transporte subiu de 25 para 63, segundo reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, no início de agosto. O problema é que, mesmo com os subsídios, os serviços continuam ruins, as passagens seguem caras e os usuários desaparecem.

Em Maricá, o dinheiro dos royalties é que financia as passagens. Foto Divulgação
Em Maricá, o dinheiro dos royalties é que financia as passagens. Foto Divulgação

Mas há exceções. Como contamos recentemente aqui no #Colabora, mais de 80 municípios já adotaram a proposta de tarifa zero para os ônibus urbanos. Maricá, no Rio de Janeiro; Vargem Grande Paulista, em São Paulo e Caucaia, no Ceará, estão entre elas. A iniciativa beneficia mais de 1 milhão de passageiros. Alguns que nem passageiros eram antes, simplesmente porque não tinham dinheiro para pagar a passagem. Caucaia, cidade com quase 400 mil habitantes, é um bom exemplo disso. Antes da adoção da tarifa zero, em julho de 2021, cerca de 500 mil moradores pagavam R$ 3,80 pela passagem. Hoje, com o ônibus gratuito, o número de usuários passou para 2 milhões de pessoas. Com isso, o custo por passageiro para a prefeitura caiu para R$ 1,35. Caucaia investe 25 milhões por ano para manter o sistema, que já reduziu o número de carros particulares nas ruas, diminuiu os acidentes, a poluição e aqueceu a economia local.

Outras cidades vêm registrando resultados parecidos. As famílias mais pobres se deslocam mais, com isso, o dinheiro que é economizado vai para o comércio e para a área de serviços. Cresce o acesso a praças, parques, escolas e postos de saúde. Há registros até de redução de internações, por maior acesso à saúde primária. Quem paga a conta? Cada município encontra uma forma de financiamento e gestão. Caucaia, por exemplo, banca o sistema com recursos próprios. Maricá usa o dinheiro dos royalties. Já Vargem Grande Paulista negociou com as empresas da região usaria os recursos do vale-transporte.

Um estudo apresentando no Congresso Nacional, em julho, durante o terceiro seminário “Transporte como Direito e Caminhos para a Tarifa Zero” segue na mesma linha. A solução passaria pela mudança na forma de contribuição das empresas. Hoje, apenas uma parte dos empregos formais no Brasil contribui com o vale-transporte. Isso porque a política é opcional para os empregados e quem ganha mais não vê vantagem em receber o vale-transporte. Logo, a conta fica nas costas dos trabalhadores mais pobres, que contribuem com até 6% dos seus salários, e dos trabalhadores informais, que pagam a tarifa em seus deslocamentos. Um caso clássico de política tributária regressiva (paga mais quem ganha menos). A proposta apresentada no Congresso troca o vale-transporte por uma contribuição fixa das empresas, a ser realizada para todos os funcionários. Micro e pequenas empresas poderiam ficar isentas. Ainda assim, com um valor de R$ 220 por empregado por mês, seria possível arrecadar R$ 100 bilhões por ano, o suficiente para financiar todo o sistema de transportes no país. Uma saída criativa que reduz a desigualdade, melhora o transporte nas cidades e ajuda a descarbonizar a economia. Que tal?

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