A Rota tomou conta de São Paulo

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Nem todo mundo sabe, mas fui repórter de Polícia (não confundir com repórter policial) do extinto jornal Notícias Populares, o NP.

Por Simão Zygband, compartilhado de Construir Resistência




na foto: Derrite (esq), Araújo e Telhada

Portanto sou da época em que a Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), apavorava nas ruas de São Paulo.

Este batalhão da PM paulista não botava medo apenas em marginais (ou vagabundos, como eles gostam de chamar), mas em toda a população em geral, sobretudo na periferia.

A fama de violência da Rota é antiga, aliás.

É da época em que o ex-governador Paulo Maluf, que governou o estado de São Paulo entre 1979 a 1982 dizia que iria “botar a Rota na Rua” para combater a criminalidade.

Amedrontava bem mais a população em geral do que propriamente os bandidos.

Eu mesmo, quando jovem, tremia quando era parado na rua por uma viatura da Rota.

E mesmo sendo jornalista desde os 20 anos de idade, temia o tipo de abordagem deles.

E não é que tive problema com eles, que me prenderam ilegalmente em um sábado de Carnaval, há dois séculos atrás, por que o tenente, no comando da operação, teimou que eu escrevesse o nome dele no Notícias Populares? Prendeu-me por causa disso. Para ter o nome estampado no jornal.

O histórico de violência da corporação era tão evidente que se transformou no livro Rota 66, do jornalista Caco Barcellos, que contava a história de uma equipe sanguinária do batalhão que se transformou em grupo de justiceiros, fazendo justiça com as próprias mãos, eliminando supostos criminosos.

Mas as histórias de supostos “marginais” assassinados pela Rota caberiam em uma centena de livros, cujo tema daria uma biblioteca completa.

A Rota nos governos

Os governos estadual e municipal de São Paulo possuem três pessoas em postos chaves oriundos exatamente da Rota.

São eles o atual secretário de Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite, homem de confiança do governador Tarcísio de Freitas, o vice-prefeito Ricardo Mello Araújo, eleito junto com Ricardo Nunes e indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e o subprefeito da Lapa, Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada.

Pode-se dizer, pelo passado na Rota, que todos eles são acostumados com episódios de violência, para se dizer o mínimo.

Cada qual com sua característica, possuem em comum um jeito nada amigável de ser.

São extremamente duros com a criminalidade realizada por marginais mais pobres, mas sempre tolerantes com o chamado crime do colarinho branco.

Chegam metendo o pé na porta na comunidade e tratando de doutor criminosos que moram em bairros de elite.

O secretário de Segurança Pública de Tarcísio, Guilherme Derrite, fez sua estreia no cargo em grande estilo com a chamada operação Escudo.

Para vingar a morte de um policial, Samuel Wesley Cosmo, da Rota, morto a tiros durante um patrulhamento de rotina em uma favela em Santos, no Litoral Sul paulista, foram executadas 56 pessoas, muitas delas sem passagens pela polícia, durante 40 dias que durou a ação.

Derrite, um secretário de Segurança contrário à utilização de câmeras corporais por policiais, fez pouco caso de tamanha mortalidade e dos relatos de torturas e execuções sumárias durante a Operação Escudo.

Ele tinha apenas 24 anos quando ingressou nas fileiras da Rota. Quatro anos depois, foi removido da tropa por excesso de mortes em serviço, como ele próprio relatou a um canal no YouTube. “Tive muita ocorrência de troca de tiro, eu ia para cima. Quem vai para cima está sujeito. Troquei tiro várias vezes, uma atrás da outra e isso acabou incomodando. Não sei quem, mas veio a ordem de cima para baixo, questão política: ‘Tira o Derrite’. Fui convidado a me retirar.”

Afastado da Rota, Derrite serviu no Corpo de Bombeiros por cinco anos, até se eleger deputado federal em 2018, sendo reeleito em 2022. Aí foi convidado por Tarcísio para ocupar o atual cargo.

Coronel Ricardo Mello

O vice-prefeito Ricardo Mello Araújo também foi da Rota e indicado para o cargo por Jair Bolsonaro como condição para apoiar a reeleição de Ricardo Nunes.

Aos 53 anos, ele é coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo, onde chegou a ser comandante do grupo tido como elite da corporação.

À frente do destacamento, chegou a defender que policiais façam abordagens diferentes em bairros com moradores ricos, como Jardins e Vila Olímpia, e na periferia.

Em 2020, Araújo assumiu a presidência da Ceagesp, também indicado por Bolsonaro. À frente do entreposto, nomeou 22 policiais militares para os 26 cargos comissionados para empregados sem vínculo com a Administração Pública disponíveis na Companhia.

Na época das nomeações, dos 22 PMs, oito estavam lotados no gabinete da presidência, divididos entre os cargos de assistente executivo e assessor técnico.

Entre suas práticas no Ceagesp, Araújo ao completar 40 dias na presidência da Companhia, decidiu fazer uma visita surpresa ao Sindicato dos Carregadores Autônomos (Sindicar) e levou consigo um grupo de assessores armados. O objetivo era “coibir” suposto tráfico de drogas na sede da entidade.

Atualmente, como vice-prefeito, Ricardo Araújo tem se “estranhado” com o padre Julio Lancelloti, a quem ameaça por se incomodar com o serviço social prestado pelo sacerdote junto à população de moradores de rua.

Coronel Telhada

O prefeito Ricardo Nunes nomeou Paulo Adriano Lopes Lucinda, o coronel Telhada para exercer o cargo de subprefeito da Lapa.

Ele era suplente de deputado federal e também é coronel PM da reserva, tendo atuado por vários anos na Rota. Foi deputado estadual e vereador. Atualmente é filiado ao PP.

Apesar de proibido de fazer “bicos” na PM, Telhada nunca escondeu quando estava vinculado à corporação, de ter feito segurança para o apresentador Augusto Liberato, o Gugu.

O próprio secretário Derrite teve o coronel como seu superior na Rota e disse ser ele um motivo de “inspiração”.

Telhada tem histórico de ações controversas e não dizem respeito apenas a troca de tiros com “marginais”.

Após a vitória de Dilma Rousseff na eleição presidencial de 2014, por exemplo, defendeu ideias separatistas e xenófobas:

“Chegou a hora de São Paulo se separar do resto” e que o resto do país não deveria se submeter a um “governo escolhido pelo norte e Nordeste”, escreveu ele no seu facebook.

Diante da má repercussão do caso, teve que se desculpar nas redes sociais.

A Rota tomou conta de São Paulo,  literalmente. Tirem suas próprias conclusões.





Simão Zygband é jornalista veterano e editor do site Construir Resistência

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