Por Wladimir Weltman,m em Projeto Colabora –
O filme ‘A guerra dos sexos’ mostra a história de Billie Jean King, a atleta lésbica que lutou por igualdade de gênero, e venceu o jogador Bobby Riggs em jogo histórico
Imagine uma sociedade mergulhada em um conflito sem precedentes entre progressistas e conservadores, entre defensores dos direitos civis, das liberdades das minorias e aqueles que veem isso como ameaça à família, à moral e aos bons costumes. Não, não estamos falando do Brasil de 2017 ou dos Estados Unidos da era Trump ou de tantos outros exemplos planeta afora, mas sim do mundo na década de 1970, sacudida por revolução sexual, feminismo, luta por igualdade racial, entre outras bandeiras. Nesse cenário aconteceu, em 1973, um jogo de tênis que fez o mundo parar para pensar em igualdade de gênero: de um lado, Billie Jean King, uma das maiores tenistas de todos os tempos e dona de uma coleção de títulos de torneios do Grand Slam; do outro, Bobby Riggs, veterano, que no seu auge venceu edições do US Open e Wimbledon. Foi uma verdadeira batalha dos sexos, e a partida foi acompanhada por 90 milhões de telespectadores.
Quem pensou que “essa história daria um filme” acertou. “A guerra dos sexos”, com estreia prevista para 18 de outubro, transforma Emma Stone (oscarizada este ano por “La la land”) em Billie-Jean e Steve Carell (sucesso com “O virgem de 40 anos” e indicado ao Oscar por “Foxcatcher”) em Bobby. Em tempos de radicalismos, o filme ganha força, como explicam os diretores – o casal Valerie Faris e Jonathan Dayton, de “A pequena Miss Sunshine”):
“Fizemos uma sessão-teste antes das eleições, e a reação da plateia foi positiva, mas nada demais. Como ainda estávamos trabalhando no filme, não nos preocupamos. Um mês depois, após as eleições presidenciais, testamos novamente, e as reações foram cinco vezes mais positivas. O impacto foi maior. É verdade que o filme estava melhor tecnicamente naquele momento, mas também creio que, após as eleições, ele mexeu com as pessoas de uma maneira diferente”.
As palavras dos diretores mostram que o filme – ainda que faça rir – não trata exclusivamente de uma disputa entre homens e mulheres, mas de visões opostas do mundo, que entraram em conflito naquela época. Conflito esse que continua dividindo corações em mentes nos EUA de hoje. Algo evidenciado na eleição de Donald Trump à presidência. Uma América reacionária e preconceituosa de um lado, e do outro uma América mais progressista e tolerante.
Fazer o público conhecer mais sobre a história de Billie-Jean é outro mérito do filme. A jogadora – uma ativista do feminismo e da causa LGBT – liderou na época um movimento por direitos iguais para os tenistas de ambos os sexos: a Associação Profissional de Tênis (ATP) batia de frente com as jogadoras, pagando a elas muito menos do que aos homens. Billie Jean lidera um grupo de nove grandes jogadoras da época e cria uma associação de tênis feminino, a Women’s Tennis Association (a WTA, que reúne as atletas profissionais até hoje) em 1973. Juntas, elas assinam contrato, cada uma recebendo US$ 1, para participar do Circuito Virginia Slims. A cena é recriada no filme. A justificativa para prêmios menores para as mulheres era que elas não atraíam tanto público quanto os homens. Aquelas nove tenistas da associação feminina mostraram que todos estavam errados. Sem elas, não existiria a maior vencedora do tênis atual, entre homens e mulheres, Serena Williams ou mesmo a campeão do US Open deste ano, Sloane Stephens.
Foi para assistir a essa partida final vencida por Sloane, premiada com um cheque de US$ 3,7 milhões, que Emma Stone e Billie Jean se reuniram no dia 9 de setembro, no Arthur Ashe Stadium, parte do USTA Billie Jean King National Tennis Center, em Flushing Meadows, Nova York. “Billie Jean me disse”, Emma conta, “lutamos muito para que esse tipo de coisa acontecesse. Foi para que as novas gerações de tenistas femininas tivessem esse direito”. Nesse momento Billie Jean a interrompe e diz: “E não esqueçam, Sloane Stephens é uma mulher negra. Quem assistir ao filme, ou as reportagens da época, notará que todos naquele estádio eram brancos”.
Na entrevista coletiva, alguém aproveita para pôr lenha no fogo e lembra que há dois anos, ao receber o Oscar de Melhor Coadjuvante, Patricia Arquette pediu igualdade salarial para as atrizes. Será que Billie Jean não quer aproveitar o momento e também lutar para que as mulheres em Hollywood ganhem tanto quanto os homens? “Tenho que ouvir o que as atrizes têm a dizer e entender como Hollywood funciona. Aí, quem sabe, dê algumas ideias para elas?”, diz a ex-tenista, rindo. “Você não quer bagunçar tudo de repente. O importante é fazer a coisa melhorar. É um eterno cabo de guerra. E é preciso alinhar as mentes de forma similar. Não é legal alienar ninguém. Brigar não é divertido. A gente só quer fazer a coisa certa e que seja boa para todos”.
Emma e as atrizes do elenco parecem ter uma admiração sincera por Billie Jean. Elas têm noção de sua importância. A revista Life a considerou um dos “100 americanos mais importantes do século XX”. Campeã de tênis, defensora da igualdade de gênero nos esportes, seu projeto de vida sempre foi o “uso dos esportes para mudanças sociais”.
Em 1988, Billie Jean admitiu publicamente que era lésbica. Desde então, ajudou a ampliar a visibilidade e a inclusão da comunidade LGBT e, atualmente, faz parte do Conselho da Fundação Elton John AIDS. Sobre outros atletas que ainda não saíram do armário, ela é compreensiva: “O mundo dos esportes é o último bastião do machismo. E a coisa é extremamente complicada para os atletas do sexo masculino. Os rapazes ficam apavorados. Temem como serão tratados pelos seus colegas jogadores (depois de se declararem gays). Ser autêntico é difícil. Os mais jovens são as maiores vítimas. O número de suicídios de adolescentes LGBT é muito maior do que qualquer outro grupo. Por isso é tão importante aceitar a todos. Queremos que cada pessoa seja aceita na sua maneira única de ser. Seria tão bom se todos pudessem ser assim”.
Na vida real Billie Jean não queria jogar com Bobby Riggs, pois não queria levar a sua luta por igualdade esportiva para o circo que o veterano costumava armar. Mas a retórica de Riggs na imprensa chegou a tal ponto, que exigia uma resposta. Ele dizia coisas como: “as mulheres pertencem ao quarto e à cozinha, nessa ordem”, ou, “as mulheres só jogam cerca de 25% do que os homens, então devem ganhar apenas 25% do que os homens ganham”.
“Bobby se inspirou na forma de provocar de figuras como Mohamad Ali e criou esse tipo machista”, explica Steve Carrel. “Ele viu uma oportunidade e resolveu aproveitar. Não acredito que Bobby ligasse pra política. Nem que fosse pró ou contra o feminismo. Ele só queria ganhar uma grana e se promover, ser famoso. Bobby tinha mágoa porque quando foi estrela do tênis, não ganhou dinheiro, nem fama. Era o fim dos anos 1940 e o tênis não era popular. Em 1973, estava com 50 poucos anos e queria o que não teve antes. Mas não convencia como ator. Esse era o seu charme. Eu tinha apenas 11 anos na época e sabia que era só da boca pra fora. Todo mundo sabia. Ele não era do mal. Mas havia outras pessoas que diziam essas coisas e acreditavam nelas. A verdade é que ambos os discursos são perigosos. Quem acredita nessas coisas aproveita a bandeira e a sacode”.
Num momento em que Hollywood, finalmente, discute a opressão a mulher, diante do escândalo sexual do produtor manda-chuva Harvey Weinstein, filmes que mostram a força feminina são mais do que bem-vindos. E este fala de uma heroína de carne e osso que se junta a produções de super mulheres como “Mulher Maravilha” e outras heroínas.
Fica, porém, uma nota doce fechando essa história: Bobby Riggs foi diagnosticado com câncer de próstata em 1988. Em seus últimos dias, Billie Jean King telefonou para ele várias vezes e ofereceu-se para visitá-lo. Ele não quis que ela o visse naquela condição. Bille ligou pra ele na noite anterior à sua morte e se despediu dizendo: “Eu te amo, Bobby”.