Por Marina Souza, publicado em Carta Capital –
Centenas de mortos e sem ajuda humanitária, afinal o Tio Sam não enxerga pessoas, mas petróleo e afins
O número de mortos e feridos em razão do ciclone Idai, que atingiu o continente africano no último dia 14, não para de subir. Dados recentes, divulgados pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU, revelam que no mínimo 2,8 milhões de pessoas foram diretamente prejudicadas, o governo moçambicano decretou estado de emergência pela primeira vez desde sua independência há mais de 4 décadas. As pesquisas alarmantes, contudo, não aparentam ser suficientes para gerar a devida repercussão midiática ou atrair a atenção de grande parte dos não africanos. Não é a primeira vez – e não será a última – que os problemas do continente são negligenciados e tratados com descaso.
Para Adilson Moreira, doutor pela Universidade de Harvard em Direito Antidiscriminatório e colunista da editoria de Justiça da CartaCapital, o problema é complexo e tem razões históricas, econômicas e geopolíticas. “Há, portanto, um tipo de interesse. Se alguma coisa acontece com figuras públicas ou empresas de Nova York, Paris ou Londres, ele existe porque esses países têm um grande poder político e econômico sob os outros”, diz.
O terceiro maior continente do mundo, que ocupa cerca de 30 milhões de km², é o segundo mais populoso. Possui 54 países, tem cerca de 3 mil línguas nativas e uma vasta diversidade cultural, política e econômica. Porém, a cegueira para seus problemas constrói um olhar raso no ocidente.
Para Moreira, a mídia tem uma função cultural importante: a construção de um campo representacional. Segundo ele, há uma hegemonia branca dentro da maioria dos meios de comunicação, que ignora as perspectivas de grupos raciais distintos, como consequência do racismo estrutural.
“A África na mídia é apenas a natureza bruta”, enfatiza.
O professor acredita também que o desinteresse do brasileiro branco de classe alta por notícias sobre os povos africanos é gerado pela falta de empatia, influenciada pela geopolítica local.
É como se uma espécie de dor seletiva permeasse as atenções do ocidente. Assim como ocorre um desconhecimento massivo sobre a história do continente africano, o conhecimento quase unânime sobre o 11 de setembro é fruto de determinados processos culturais e, sobretudo, históricos. O terrorismo do grupo Boko Haram, que ataca muitos nigerianos, por exemplo, receberia maior atenção, talvez, se ocorresse em uma potência como os Estados Unidos.
E enquanto a notícia do ciclone Idai ganha pouco destaque, Moçambique, Zimbabwe e Malawi seguem com seus habitantes em filas de hospitais, internados, sem moradia, água e alimento. Ou mortos. E sem ajudas humanitárias – afinal Trump e seus puxa-sacos não enxergam pessoas, só petróleo e afins.