Por Ulisses Capozzoli, jornalista, no Facebook
Quero acreditar que é um pesadelo, mas o sol amarelo como laranja madura suspensa no céu de poucas nuvens sugere o contrário. Li a entrevista do oráculo da família do eleito, Olavo de Carvalho, e mesmo sabendo de quem se trata, fiquei com sensação de peso no estômago. Como se tivesse engolido uma pedra no café da manhã.
No meu caso, menos uma forma de me alimentar que fazer a transição difícil da noite para o dia. Qualquer um sabe da dificuldade de digerir uma lasca de paralelepípedo o que explica a dificuldade de concentração no trabalho que tenho pela frente.
Na ausência de concentração me vem à memória a figura de Olavo, com os dentes apodrecidos, que substituiu por implantes ou alguma outra forma de recuperação. O ano da imagem é 1986. Olavo de Carvalho não é burro, como muita gente pensa. É louco, insano, grosseiro e completamente irresponsável.
Há alguns dias li a carta aberta dirigida a ele, escrita por uma filha, apontando comportamentos típicos de um enfermo. Tive empatia pelo sofrimento dela, mas, também neste caso, o que sinto é uma impotência em podermos mudar as coisas, de forma a amenizar o sofrimento humano e isso sempre me remete a uma sensação de orfandade cósmica.
Estamos abandonados à própria sorte, sob o silêncio abissal das estrelas. Olavo é o cara que indicou dois ministros ao próximo governo: um deles o também lunático futuro ministro das Relações Exteriores, evidência do que os físicos chamam de entropia crescente. Constatação, em outras palavras, de que nada está tão ruim que não possa ficar ainda pior.
Olavo de Carvalho, entre outras características, é astrólogo, o que sempre me pareceu algo inofensivo. A não ser como conselheiro dos detentores de poder. Neste caso, trata-se invariavelmente de desastres anunciados e quem duvidar pode consultar páginas de história em relatos que vão da Rússia à Argentina, sem poupar inúmeros outros países que se envolveram com misticismo barato como estratégia de ilusão.
E o pior: Olavo repreende gente da extrema direita, insanos ainda mais que ele, por carência de leitura, entre outras limitações, em casos que envolve o que ficou conhecido pelo eufemismo de “escola sem partido”. Denominação enganosa para encobrir uma farsa típica de nanismo intelectual. Incompreensão elementar do que são as relações humanas e do que é verdadeiramente a política, por aqui confundida com atuação partidária.
Na essência, todo ato humano é um ato político, incluindo as omissões, que são omissões políticas. Política neste sentido, de origem grega, envolve relações humanas regidas pelo que posteriormente foi definido como “contrato social” pensado, reconhecido e enfatizado por intelectuais como o matemático, teórico político e filosofo inglês Thomas Hobbes, o também inglês e filósofo John Locke, autor do “Ensaio sobre o entendimento humano”, sobre a origem do conhecimento. Além do suíço Jean-Jacques Rousseau, um dos filósofos do Iluminismo, período em que as luzes da inteligência humana brilharam como a intensidade de uma estrela de primeira grandeza e pareciam ter eliminado para sempre os demônios do obscurantismo.
Mas a história, em muitos aspectos, é um rio de planície, com meandros que levam a aproximações periódicas com a nascente, afastando-se da foz, o destino de todo rio. Retornando a Olavo: louco de pedra, ele ainda é mais lúcido, em casos como “escola sem partido”, que toda uma horda de deserdados do discernimento que o segue com os olhos vendados de um condenado à forca.
Mesmo antes de assumir o poder, a retórica simplista e simplória do presidente eleito já provoca estragos: a proposta de mudança da capital de Israel para Jerusalém, irritando o mundo árabe com quem temos intenso comércio de diferentes bens.
O possível arrefecimento desse mercado impactará o cotidiano das pessoas comuns: com queda em vendas internacionais, a oferta de trabalho tenderá a ser reduzida, mas esse é apenas um dos efeitos de uma complexa equação diplomática.
O apoio à mudança, bajulação servil ao governo desastroso de Donald Trump, pode atrair atos de terrorismo ao Brasil? Esta é uma das perguntas sem resposta a uma atitude puramente estúpida. Como se não bastasse, o Brasil anunciou nesta semana a desistência em sediar o fórum de mudanças climáticas, a COP-25, prevista para ocorrer aqui em novembro de 2019.
A desistência, com a justificativa de restrições orçamentárias, reflete um posicionamento equivocado, destrutivo mesmo, atrelado ao simplismo com que se interpreta o papel da Amazônia como área vital à estabilidade climática em escala global.
O futuro chanceler, o pateta recomendado por Olavo de Carvalho, entende que “ambientalismo é coisa de esquerdistas”, num curioso caso de surto psicótico coletivo que se apossa da já combalida capacidade de reflexão nacional. Uma das muitas evidências disso é a disposição da bancada ruralista em aprovar um projeto de lei (PL) que libera a caça mesmo em áreas de reserva ambiental. O que significa dizer: nem mesmo os animais selvagens estão livres da insanidade crescente.
A laranja madura do sol, escalou, observei pela janela, um pouco mais no céu, desde que comecei a escrever esse pequeno texto. O tempo fluiu, como só o tempo é capaz de fazer, e caminhamos para o que tudo sugere um desastroso impasse.
Um astrólogo insano dando as cartas para os que vão ocupar o poder, substituindo um ladrão de casacas, mais sujo e malcheiroso que uma colônia de pinguins.
O Brasil retrocede no tempo, viaja para um passado sem solução. O passado é o que foi, nunca o que será. Mas quem reflete sobre isso num governo em que evangélicos têm mais peso e audiência que os mais arcaicos aiatolás?
Imagem da capa: Remédios Varo – Olhos sobre a mesa