Há 150 anos, primeiro censo feito no país já registrava o extermínio dos indígenas e o predomínio absoluto da população negra, livre e escravizada
Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora
Os primeiros seres humanos chegaram ao continente americano há cerca de 12 mil anos. Cristóvão Colombo chegou à América Central no dia 12 de outubro de 1492. Dois anos depois, sob a égide da Igreja Católica, durante o papado de Alexandre VI, foi estabelecido o Tratado de Tordesilhas, assinado em 7 de junho de 1494, dividindo as terras “descobertas e por descobrir” entre as Coroas de Portugal e Espanha. O tratado definia como linha de demarcação o meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Cabo Verde, abarcando o território que hoje está compreendido em uma linha que vai de, aproximadamente, Belém, no Pará, a Laguna, em Santa Catarina. Por conseguinte, toda a costa leste do Brasil estava definida como uma possessão portuguesa, antes da chegada de Pedro Álvares Cabral.
Os portugueses desembarcaram no Brasil no dia 22 de abril de 1500. Naquele momento, o tamanho da população nativa do país estava em torno de 3 a 4 milhões de pessoas. Três séculos depois, em 1798 a população brasileira foi estimada em 3,25 milhões de habitantes. O tamanho era mais ou menos o mesmo, mas com uma diferença fundamental: a população indígena foi reduzida para somente 250 mil pessoas, a população branca de origem europeia passou para 1 milhão de pessoas, a população de origem africana livre com 400 mil pessoas e a população de origem africana escravizada com 1,6 milhão de pessoas. Houve uma inegável reconfiguração étnica.
O primeiro censo demográfico, realizado em 1872, indicou uma população de 10 milhões de habitantes, sendo 3,8 milhões de brasileiros brancos de origem europeia (39,1%), percentagem maior do que no final do século XVIII. Mas o maior contingente populacional registrado foi o de pessoas de origem africana livres, com 4,3 milhões de pessoas (42,8% do total). A população escravizada era de 1,5 milhão de habitantes (15,2% do total) e a população indígena de 387 mil, representando 3,9% da população total.
O último censo demográfico realizado no Brasil, de 2010, indicou uma população total de 191 milhões de habitantes, sendo 90,6 milhões de pessoas autodeclaradas brancas (47,5% do total), 82,8 milhões de pardos (43,4% do total), 14,3 milhões de pessoas autodeclaradas pretas (7,5% do total), 2,1 milhões de pessoas amarelas (1,1% do total) e 822 mil pessoas autodeclaradas indígenas (0,43% do total). As projeções populacionais do IBGE indicam uma população total de 214,8 milhões de habitantes em 2022. O número real será conhecido após a realização do censo que estava previsto para 2020, mas que foi adiado e deve ser realizado no segundo semestre do corrente ano.
Sem dúvida, a composição étnica e social brasileira mudou bastante nos últimos dois séculos, sendo que o número de habitantes cresceu, aproximadamente, 50 vezes nos 200 anos da Independência. O Brasil está entre os países que apresentaram maior crescimento demográfico nos últimos dois séculos e, atualmente, é o sexto país mais populoso do mundo, ficando atrás apenas da China, Índia, Estados Unidos, Indonésia e Paquistão.
A imigração internacional teve uma contribuição neste alto crescimento populacional. Mas o principal fator de aceleração das taxas de crescimento foi a transição demográfica, que significa a passagem de altas para baixas taxas de mortalidade e natalidade. Esse fenômeno, que tem ocorrido em quase todos os países do mundo, é a mudança de comportamento de massa mais expressiva e impactante da história. Ela mudou uma realidade que parecia inexorável, pois, desde o surgimento do Homo Sapiens, há pelo menos 200 mil anos, as taxas de mortalidade sempre foram elevadas e a morte precoce era a norma que ceifava vidas jovens. As mortalidades materna e infantil eram elevadíssimas e isto forçava a sociedade a manter altas taxas de natalidade para garantir a sobrevivência da população.
Mas, felizmente, a triste realidade da baixa longevidade mudou, pois a maior conquista dos 200 anos da Independência foi, de forma inequívoca, a redução das taxas de mortalidade e o aumento do tempo médio de vida da população brasileira. Em 1822, a expectativa de vida ao nascer dos brasileiros estava em torno de 25 anos e passou para 76 anos em 2019 (último dado disponível). O tempo médio de vida foi multiplicado por 3 vezes. Isto nunca tinha ocorrido no passado e nem vai acontecer no futuro, pois as projeções indicam uma expectativa de vida em torno de 85 anos em 2100.
Em 1900, o mundo tinha uma expectativa de vida ao nascer de 32 anos, enquanto o Brasil registrava 29 anos. Quatro décadas depois, o mundo atingiu expectativa de vida de 42 anos e o Brasil 37 anos. Mas na década de 1940 o Brasil deu um salto e atingiu uma expectativa de vida ao nascer de 50,1 anos em 1950, contra 45,7 anos da média global. Pela primeira vez o Brasil teve anos médios de vida acima do padrão internacional. No ano 2000, a expectativa de vida ao nascer do Brasil atingiu 70,1 anos, enquanto a média mundial chegou a 66,3 anos. Os ganhos foram espetaculares no século XX e continuaram no século XXI. Em 2019, o Brasil alcançou 75,9 anos e o mundo 72,6 anos.
A redução das taxas de mortalidade foi importante não somente para o aumento da duração da vida dos brasileiros, mas também foi fundamental para o avanço do desenvolvimento socioeconômico do país, uma vez que os investimentos em saúde e educação apresentam maiores retornos quanto mais longa é a sobrevida das pessoas. A pandemia da covid-19 reduziu a expectativa de vida no Brasil e no mundo, mas espera-se que nos próximos anos a tendência histórica seja retomada, mesmo que em ritmo menor do que o previsto anteriormente.
O gráfico abaixo mostra a Transição Demográfica no Brasil entre 1800 e 2100. Nota-se que na maior parte do século XIX, as taxas brutas de natalidade (47 por mil) e de mortalidade (33 por mil) eram muito altas, o que gerava taxas de crescimento vegetativo, na ordem de 14 por mil (1,4% ao ano). A grande imigração de origem europeia e japonesa aumentou o ritmo do crescimento demográfico. Mas foi a redução da Taxa Bruta de Mortalidade (TBM), a partir das duas décadas finais do século XIX, que acelerou o crescimento vegetativo. A TBM continuou caindo na primeira metade do século XX, enquanto a Taxa Bruta de Natalidade (TBN) continuava elevada. Como resultado, a população brasileira passou a crescer cerca de 3% ao ano entre 1950 e 1970, atingindo o maior nível de crescimento de toda a história brasileira.
A partir do final da década de 1960 as taxas de natalidade começaram a cair e, em consequência, diminuiu o ritmo de crescimento demográfico. Segundo as projeções da Divisão de População da ONU (revisão 2019) as duas curvas vão se cruzar em meados da década de 2040 e a partir daí a TBM vai superar a TBN, gerando o início de um processo de decrescimento populacional que deve se tornar a norma na segunda metade do século XXI. Portanto, a população brasileira vai atingir o pico máximo em 2045 com 228 milhões de habitantes, iniciará uma fase inédita de decrescimento e deverá chegar em 2100 com 181 milhões de habitantes.
O gráfico também mostra os três grandes grupos etários da população. Observa-se que a população de 0 a 14 anos (crianças e adolescentes) era de 1,5 milhão em 1800 e chegou a 22,4 milhões em 1950 (representando algo em torno de 42% da população total neste período). Este grupo etário chegou ao pico do valor absoluto em 1995 com 53 milhões de indivíduos (representando 22% da população total). Desde 1996 o grupo 0-14 anos está diminuindo em termos absolutos e deve atingir 23,4 milhões de crianças e jovens em 2100 (representando 13% da população total).
Já a população em idade ativa (15-59 anos) representava 53% da população total até 1950 e deve apresentar crescimento em termos absolutos e relativos até 141 milhões de indivíduos em 2033 (representando 62,5% da população total). Após 2034 este grupo iniciará um processo de queda e deve atingir 85 milhões de pessoas em 2100 (representando 47% da população total). Em contraste com os dois grupos anteriores, a população idosa (de 60 anos e mais) que representava somente 5% da população total até 1950 vai apresentar um grande crescimento até atingir 79,2 milhões de pessoas (representando 38% da população total) em 2075. Em 2100 o número de idosos deve cair para 72,4 milhões de pessoas (mas representando o recorde de 40% da população total).
Dessa forma, os diversos grupos etários apresentarão diferentes ritmos de crescimento e defasados picos populacionais. A população de 0-14 anos atingiu o valor absoluto máximo no ano de 1995, a população de 15-59 atingirá o valor máximo em 2033 e a população idosa atingirá o máximo em 2075. Portanto, a população de crianças e jovens começou a diminuir em 1996, a população adulta começará a diminuir em 2034 e a população idosa em 2076. A população total deverá começar o decrescimento a partir de meados da década de 2040. Cabe destacar que, pelas projeções da ONU, entre 2045 e 2075 a população total do Brasil diminuirá, mas a população idosa será o único grupo etário com crescimento absoluto.
Durante os primeiros 500 anos da história, a população brasileira tinha uma estrutura etária jovem, com idade mediana abaixo de 25 anos até o ano 2000. Na primeira metade do século XXI o Brasil terá uma estrutura etária adulta, com idade mediana entre 30 e 40 anos. Mas, nas últimas décadas do atual século, terá uma estrutura etária envelhecida, com idade mediana acima de 50 anos de idade.
Portanto, os quinhentos anos de contínuo e elevado crescimento de uma população jovem, está sendo substituído pelo envelhecimento populacional e a perspectiva do decrescimento demográfico na segunda metade do século XXI. Essa nova realidade traz desafios e oportunidades, sendo que a sociedade e as políticas públicas precisam minimizar as desvantagens e maximizar as vantagens dessa nova configuração intergeracional.
No próximo mês de maio será lançado o livro “Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI”, onde diversos aspectos da demografia e da economia serão analisados em maior detalhe, em uma perspectiva de longo prazo e com a apresentação de cenários para as próximas décadas. O livro publicado pela Escola de Negócios e Seguros, terá acesso livre.