Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, para o Bem Blogado
Dois acontecimentos da semana que antecede o Natal retratam bem o momento atual do Brasil. Primeiro, a intervenção de Dias Tofolli ao anular decisão do ministro Marco Aurélio sobre prisão em segunda instância, o que poderia beneficiar, entre outros, o ex-presidente Lula. Dois dias depois, um certo Queiroz, a figura mais desaparecida do país, faltou pela segunda vez a um depoimento agendado pelo Ministério `Público. O tal Queiroz, como se sabe, é o amigo e agora convenientemente ex-assessor da família Bolsonaro, que cuidava do pedágio nos salários de quem trabalha nos gabinetes do clã.
A decisão de Tofolli não surpreendeu. É um presidente desacreditado de um igualmente desacreditado STF. O próprio Lula, segundo se noticia, em nenhum momento acreditou que poderia sair da prisão de Curitiba. Tofolli é, afinal, o ex-petista que chama agora o golpe militar de 64 de “movimento” e que tem general como assessor.
Relevante politicamente, no entanto, foi a reação quase unânime da mídia ao tratar o assunto. Em nenhuma ocasião recente houve uma quase unanimidade desse porte na condenação a Marco Aurélio. Duas conclusões podem ser retiradas da constatação: Lula não sairá da prisão sem um amplo movimento de massas, já que seu confinamento compulsório não se dá em bases jurídicas. É uma questão somente política. Outro fato é que, apesar de todo cenário adverso, o ex-presidente continua temido pela elite, direita e extrema-direita.
O pavor que a possibilidade de liberdade para Lula desperta entre os reacionários é um atestado da força que ele continua tendo, principalmente entre os brasileiros mais pobres.
A desfaçatez de Queiroz e seu círculo causaria, em qualquer país que vivesse uma situação institucional normal, um rebuliço daqueles de chacoalhar mandatos. Três semanas depois da revelação de um esquema de cobrança de pedágios no gabinete de um dos filhos do chefão, logo de um dos que se apresentam como novos donos do Brasil, o cidadão tornou-se um Gasparzinho, simplesmente sumiu.
A certeza é inevitável: em qualquer investigação honesta, não há como fugir da conclusão de que no mínimo um dos Bolsonaro autorizou ou foi complacente com uma prática velha conhecida dos parlamentos, que é a cobrança do pedágio dos nomeados.
Tudo está sendo feito, já que é impossível montar uma historinha factível, para que a “matada no peito” de Queiroz ocorra apenas após a posse do milico. O fugidio assessor deve assumir a culpa e isentar seus comandantes.
Nesse cenário de total desagregação institucional, o que podemos esperar depois do primeiro dia de 2019? Aí, recomenda-se o apego à realidade e não à torcida. Todo, simplesmente todo, governo que assume tem um imenso crédito de boa vontade da população ao menos nos primeiros seis meses. E Bolsonaro foi eleito pelo voto, gostemos ou não.
E a elite que patrocina a busca das tais “reformas”, na verdade um eufemismo para a retirada de direitos sociais, sabe que a hora de avançar é logo no início, quando a caneta de um novo mandatário está com a tinta inteira.
Não é hora de se iludir com possível reação da maioria conservadora do Congresso a qualquer medida proposta por Paulo Guedes. As atrocidades devem ser aprovadas e os cargos serão cedidos para tal. O que resta, então, às forças progressistas? No momento e lamentavelmente, pouco.
A mãe de todas as batalhas, a da Previdência, é, no entanto, a janela de oportunidade para os setores populares. Por mais que deva ser provável que a elite tenda a tentar vender a ideia de que é indispensável ajustar os parâmetros dos servidores públicos aos trabalhadores da iniciativa privada, para assim tentar diminuir a resistência às mudanças na aposentadoria, a tese não é fácil de emplacar. Além disso, é sabido que não há mudança, nos planos de Guedes, que deixe incólume direitos dos mais pobres.
Não é hora de sonhar com o impossível, mas é obrigatório e possível tentar organizar uma resistência ao assalto que se prepara aos direitos. Aposentadoria é um tema sensível até ao cidadão sem militância política.O adversário é forte, o juiz está comprado, o campo não é favorável, mas o time tem que entrar em campo e tentar virar esse jogo.