A triste (im)potência dos super-ricos

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Súbito e bruto, o iate invadiu as águas e investiu contra os golfinhos. Intuí o gozo do piloto; a compulsão por velocidade, ruído e ego. É preciso suprimir os muito ricos e seu vazio medonho, por um mundo de frugalidade privada e luxos públicos

Por George Monbiot, compartilhado de OutrasPalavras




Em uma manhã calma e bonita na costa do sul de Devon, na semana passada, eu estava observando um pequeno grupo de golfinhos do meu caiaque. Eu os havia avistado a 800 metros de distância, alimentando-se e brincando na superfície. Estavam vindo em minha direção; me sentei na água e esperei.

Mas, ao contornar o promontório, surgiu em velocidade máxima um gigantesco wankpanzer marítimo bimotor. Embora os golfinhos estivessem bem visíveis e houvesse muito tempo para parar ou evitá-los, ele avançou em direção a eles a toda velocidade. Ao passar, evitando-os por alguns metros, o piloto virou-se e olhou para eles, mas não controlou a velocidade. Os golfinhos mergulharam. Reapareceram brevemente, bem mais longe da costa, e depois disso não mais os vi. Pude ouvir o barco muito depois de ele ter desaparecido: parecia um avião a jato. Só Deus sabe o sofrimento que ele pode ter causado aos golfinhos, altamente sensíveis ao som.

Fui dominado por duas sensações. Uma, obviamente, foi de repulsa. A outra foi de perplexidade: onde está a alegria? Se há uma coisa que quase todo mundo ama e – se tiver sorte – gosta de ver, são os golfinhos. Não conheço ninguém que não queira parar e observar. Embora eu já tenha tido essa sorte dezenas de vezes, por estar sempre no mar, nunca deixo de achar emocionante. A euforia permanece comigo por semanas.

Mas para o piloto daquele barco, ao que parecia, o mar era apenas uma estrada para correr em direção ao horizonte. Isso me fez lembrar de algo que já vi muitas vezes: o efeito amortecedor da riqueza.

Para possuir e operar um barco de 35 pés desse tipo, é preciso ser extremamente rico. Ele é vendido por cerca de £ 300 mil [R$ 2,1 milhão], além dos custos extraordinários de atracação, garagem no inverno, manutenção e combustível. Tanto dinheiro não seria para comprar prazer? Se não, qual é o objetivo?

A riqueza extrema pode prejudicar seriamente o prazer. Como Michael Mechanic documenta em seu livro, Jackpot, há dois grupos de pessoas que precisam pensar em dinheiro o tempo todo: os muito pobres e os muito ricos. Uma riqueza imensa o possui tanto quanto você a possui: administrá-la torna-se um trabalho de tempo integral. Você não sabe em quem confiar; pode começar a imaginar que seus amigos não são amigos de fato; isso pode dominar e envenenar seus relacionamentos familiares. Isso pode esvaziá-lo social, intelectual e moralmente.

Mas acho que pode haver um outro aspecto corrosivo da riqueza que não foi amplamente discutido. A grande riqueza nivela o mundo. Se você pode ir a qualquer lugar e fazer qualquer coisa, tudo está aquém do horizonte. Você ultrapassa rapidamente o local e o particular, em direção a um ideal de luxo que aumenta infinitamente: a melhor marina, o iate maior, o jato particular, a supercasa. O horizonte da satisfação pode recuar diante de você. O lugar não tem significado, a não ser como um cenário que pode impressionar os amigos em quem você não confia mais. Mas quem se impressiona com dinheiro não merece ser impressionado.

Também parece haver uma conexão entre velocidade, ruído e ego. Deve haver algo não resolvido em uma pessoa que sente a necessidade de encher o céu de barulho e chamar a atenção de todos por quem passa, seja na estrada ou na água. E sim, quase sempre é um “ele”. Estudos mostram uma associação entre conceitos tradicionais de masculinidade, velocidade e direção perigosa. Não é de surpreender que as tentativas de restringir o comportamento ao volante, como radares de velocidade e bairros com pouco tráfego, tenham se tornado temas tão potentes nas guerras culturais, animadas por supostas ameaças aos papéis tradicionais de gênero e às relações de poder.

Ao viajar de caiaque, percorro menos mar e preciso ficar mais perto da costa do que as pessoas que passam correndo em barcos a motor. Mas tenho uma intimidade de conexão com os lugares e os sistemas vivos que me cercam, com os sons da natureza, com sinais sutis demais para serem vistos em alta velocidade – enguias salpicando a superfície, as barbatanas dorsais do robalo perseguindo-as, groselhas-do-mar holográficas suspensas na coluna d’água, búzios comendo ascídias-estrela nas rochas expostas em águas baixas – da qual eles provavelmente serão privados. Não consigo imaginar que o dispersor de golfinhos estivesse se divertindo mais em seu megafone de R$ 2,1 milhões do que eu em meu caiaque, comprado de segunda mão por 300 libras [R$ 2,1 mil]. Por quê? Porque não consigo imaginar uma alegria maior do que a que sinto no mar.

Já conheci algumas pessoas muito ricas. Algumas são animadas, curiosas e engajadas, mas entre as outras tenho notado repetidamente a mesma coisa: um embotamento de espírito. Há uma sensação de que nada é suficientemente estimulante para prender sua atenção; que elas perderam a capacidade de se maravilhar. Aquele barco barulhento proclamou que seu proprietário estava entre os vencedores. Mas como se pode chamar alguém que não consegue apreciar a visão dos golfinhos, se não um perdedor?

Em nome da fantasia da transcendência, da fuga da conexão com outras vidas, estamos queimando nossos sistemas de suporte à vida. Consentimos com o sistema devorador da Terra e sugador de almas, a que chamamos capitalismo, porque acreditamos erroneamente que somos todos milionários, temporariamente restringidos. Um dia, nós também poderemos viver a vida sem aborrecimentos dos ultrarricos.

É surpreendente o quanto os sobrevalorizamos. No litoral, em Salcombe, um amigo pintor-decorador dedica grande parte de seu tempo à reforma interminável de segundas residências. Elas ficam vazias durante a maior parte do ano. Mas, segundo ele, seus clientes deixam o aquecimento ligado e, muitas vezes, também as luzes, para criar a impressão de que alguém está em casa. Há três anos, este distrito declarou uma crise de moradia, mas ainda assim permitimos que os muito ricos abocanhem as casas locais e as deixem vazias, enquanto queimam combustível como se não houvesse amanhã. Assim como o dono do barco dispersou os golfinhos, os muito ricos destroem comunidades, privam as pessoas de moradia e ameaçam, em última instância, nos expulsar do nicho climático humano, ou seja, a faixa de temperatura que nos permite viver.

Devemos buscar uma riqueza de comunidade, de conhecimento, de admiração, de vida, de amor: uma riqueza que não empobreça os outros. Não devemos buscar o luxo privado, mas a suficiência privada e o luxo público.

No entanto, à medida que bilionários vazios e raivosos financiam Donald Trump, podemos estar prestes a descobrir o quanto eles podem nos prejudicar. A democracia, a distribuição justa de recursos, a paz de espírito e um planeta habitável dependem da contenção do poder dos muito ricos: seu barulho, sua ocupação de nosso espaço comum e sua intrusão em tudo o que nos é caro.

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