Por Lucas Vasques, publicado na Revista Fórum –
Acioli de Olivo afirma que o ex-reitor “foi morto pela dor de ser desonrado publicamente, pelo Estado e seus agentes, e pela opinião pública informada pela imprensa sensacionalista”.
A dor da perda do irmão, o ex-reitor da UFSC, Luis Carlos Cancellier de Olivo, o Cau, como era conhecido na intimidade, ainda mais diante de circunstâncias tão trágicas, deixou marcas profundas e eternas em Acioli Antônio Cancellier de Olivo. No entanto, a revolta se transformou em uma necessidade irresistível de denunciar as injustiças e ressaltar o legado acadêmico e humanista deixado por Cau.
Para Acioli, são vários fatos que determinaram o suicídio do irmão. “Primeiro, ser detido e interrogado durante seis horas por policiais sobre a legalidade de um ato jurídico. Em seguida, foi encaminhado para um presídio comum, já como prisioneiro. A suspensão de seu mandato de reitor foi outro golpe que o dilacerou; acrescido de requintes de crueldade, como a proibição de entrar na UFSC e se comunicar com integrantes da universidade. Como esses fatos devem ter doído, haja vista que a UFSC era tudo para ele, a sua vida, seu orgulho.” Acioli fala com exclusividade à Fórum sobre o que ocorreu com o irmão durante esse doloroso processo e relembra suas últimas conversas.
Fórum – Logo após a morte do seu irmão, ainda no calor da forte emoção, você divulgou um texto no Facebook, uma espécie de desabafo. Começa o texto com uma questão: “Quem matou meu irmão?”. É possível responder essa pergunta?
Acioli Antônio Cancellier de Olivo – Meu irmão, Luis Carlos Cancellier de Olivo, o Cau, como era conhecido, foi morto pela dor insuportável que sofria. Dor maior que o amor que por nós sentia. Dor de ser desonrado publicamente, de ser achincalhado, inicialmente pelo Estado e seus agentes, depois pela opinião pública informada pela imprensa sensacionalista. Mas doeu nele também o silêncio de muitos de seus pares, que se calaram, e o grito de uma parcela de estudantes da própria UFSC. Quem o matou? Cada um dos que causaram essa dor.
Fórum – Por que você considera que a morte do seu irmão se caracteriza como “um crime premeditado”?
Acioli Antônio Cancellier de Olivo – Falei de “crime premeditado” como figura de linguagem, haja vista que não acredito ter ocorrido uma grande conspiração para tirar a vida. Houve, sim, uma série de ações individuais que concorreram para o trágico desfecho. Os “grandes canalhas” se encontram no Estado e seus agentes, que não mediram as consequências de tratar como ato criminoso um ato legítimo de gestão (o aparato jurídico da UFSC é quem o orientou), a avocação de um processo interno para a reitoria. E acusaram o dirigente máximo da instituição de obstruir a justiça por este ato. Seus carcereiros e algozes não permitiram um debate jurídico sobre a legalidade do ato.
Fórum – Você falou em “grandes canalhas” e “pequenos canalhas”, estes, de dentro da própria universidade. Apesar de ser uma situação delicada, você se sente à vontade para dizer quem são esses canalhas?
Acioli Antônio Cancellier de Olivo – Repito: os seus pares que se calaram, se omitiram; e aqueles vermes, travestidos de estudantes, que, na manhã do dia 14, quando a RBS os entrevistou lançaram a pecha de ladrão, bem como aqueles que picharam a UFSC com o libelo condenatório “Cancellier, devolva os 80 milhões roubado da UFSC”.
Fórum – Ainda em referência aos “pequenos canalhas”, você disse que eles divulgaram uma série de mentiras a respeito do seu irmão. Que mentiras são essas?
Fórum – Em sua análise, o que, de fato, aconteceu para que a situação chegasse ao limite de uma atitude tão radical por parte do seu irmão?Acioli Antônio Cancellier de Olivo – Como não tenho vínculo com universidades, não conheço os procedimentos internos de averiguação de irregularidades, como apontado pela Corregedoria interna da UFSC, bem como em relação à denúncia feita por uma professora do Ensino a Distância. Mas conversei muito com o Cau, nos dias que antecederam à sua morte, e ele me garantiu que ambos estavam equivocados. Prefiro dar voz ao professor Marcelo Carvalho: “Afinal, parece que de todas as universidades federais, somente a UFSC e a Universidade Federal da Bahia têm esse cargo (corregedor), logo, deve haver uma razão para tão poucas universidades terem a figura do corregedor. O ponto crucial que a comunidade acadêmica deve refletir é se deseja ter a figura de um corregedor que, investido de amplos poderes, agiu de forma totalmente inapropriada ao afirmar, em público, por meio de uma entrevista a um jornal, fatos relativos a um processo sigiloso envolvendo pessoas e cuja suspeição o próprio corregedor reconheceu ser baseado em mera suposição”.
Acioli Antônio Cancellier de Olivo – São vários fatos que determinaram o seu gesto fatal. Primeiro, ser detido e interrogado durante seis horas por policiais sobre a legalidade de um ato jurídico. É assimétrico discutir atos jurídicos com carcereiros. Em seguida, alegando falta de acomodações adequadas na sede da PF, foi encaminhado para um presídio comum, já como prisioneiro, com todas as “regalias”, da nudez vexatória, passando pela revista íntima humilhante, finalizada pelo uso do traje clássico. A suspensão de seu mandato de reitor foi outro golpe que o dilacerou; acrescido de requintes de crueldade, como a proibição de entrar na UFSC e se comunicar com integrantes da UFSC. Como esses fatos devem ter doído, haja vista que a UFSC era tudo para ele, a sua vida, seu orgulho. E ele morava a 50 metros da Universidade. Caso ele atravessasse a rua poderia ser preso por desobediência. Por último, quando saiu a “permissão” para ele voltar à UFSC, no dia 5, por exatamente 2h30, para participar de uma banca de qualificação para escolher os futuros alunos de mestrado e doutorado em Direito, ele entendeu como uma humilhação adicional, pois seria uma visita cronometrada. Logo, cerceada.
Fórum – Você acompanhou de perto o processo pelo qual passou seu irmão, depois da prisão, que o deixou deprimido a ponto de tirar a própria vida?
Acioli Antônio Cancellier de Olivo – Sim, acompanhei. No dia 15 de setembro, às 21 horas, o levamos da prisão para seu pequeno e modesto apartamento. Ele estava muito assustado. E fragilizado. A princípio, eu e meu irmão nos preocupamos com os problemas cardíacos que recentemente enfrentara, inclusive uma cirurgia cardíaca. Mas nos dias seguintes vimos que esta era uma questão menor. Tornou-se cabisbaixo, meditativo, reticente em suas palavras. Por isso, o levamos a uma psiquiatra em duas oportunidades, que o medicou. Mais uma ironia do destino: ele era um profundo conhecedor de Psicanálise. Este foi o coquetel, acrescido de vislumbrar dificuldades em recuperar sua honra atingida, destruindo a sua carreira, mesmo quando fosse inocentado, mistura fatal que o levou a tomar sua decisão.
Fórum – Como irmão mais velho, você devia conhecê-lo como poucas pessoas. Evidentemente, não suspeitou que ele tomasse essa atitude limite, mas você chegou a sentir que o que fizeram com ele poderia deixá-lo em uma situação tão difícil como foi?
Acioli Antônio Cancellier de Olivo – Passei a última semana com o Cau no seu apartamento. Tomava o café da manhã com ele, às vezes preparava nosso almoço, passeávamos de carro (que eu aluguei, pois nem carro ele possuía) pela Ilha, provocava-o para falar de assuntos que o interessavam e sobre o qual orientava alunos como Psicanálise (era um freudiano ortodoxo), Literatura (era um profundo conhecedor de Shakespeare), Cristianismo Primitivo (assunto que eu desconhecia e que me despertou o interesse), Fanatismo (seu autor predileto era Amós Oz), Bioética (admirador de Leonardo Boff e Yuval Noha Arari) e temas ligados à diversidade. Era seu maior orgulho ter criado na UFSC a Secretaria de Diversidade, que permitiu a negros, índios, quilombolas e homossexuais terem, na UFSC, o tratamento digno que fora lhe são negados. Era um democrata e humanista. Mas não percebi que ele estava à beira do abismo. Nem eu nem os que estiveram perto dele não entendemos como sinais de alerta os silêncios profundos, o olhar perdido, a face triste e sua voz cada vez mais baixa e pausada.
Fórum – Você se recorda das últimas conversas que tiveram?
Acioli Antônio Cancellier de Olivo – Um dos últimos diálogos que tive com Cau foi sobre Sergio Moro e o Judiciário. Ele explicou-me que os concursos públicos para o Judiciário são tão concorridos que as pessoas que têm maiores chances de aprovação são aquelas que se dedicam exclusivamente a estudar as questões que “cairão” nas provas. Então, essas pessoas devem ter pais com posses para bancar longos períodos de cursinhos (ou seja, pertencem à elite econômica) e, principalmente, não possuem tempo para ler, estudar e aprender sobre Humanidades, Antropologia, Ciência, Filosofia, Ética e tudo o que não for “cair” na prova. O resultado, dizia ele, é um Judiciário jovem, despreparado, malformado e reprodutor do que pior existe na classe dominante.
Fórum – Como foram suas trajetórias profissional e de vida?
Acioli Antônio Cancellier de Olivo – Ele e eu nascemos em Tubarão, Santa Catarina. Eu em 1950 e ele em 1958. Cau iniciou seus estudos de Direito na UFSC, mas, por ser filiado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro) e se envolver com política estudantil (foi uma das lideranças da Novembrada), teve que se esconder no interior de SC, abandonando os estudos. Ele já atuava como jornalista, voltou a Florianópolis como profissional de imprensa no jornal O Estado. Começou a assessorar Nelson Wedekin, tendo sido seu Chefe de Gabinete no Senado. Em 1998, abandonou a política partidária e o jornalismo, voltando a estudar na UFSC, onde completou seu curso de Direito, fez seu mestrado e doutorado. Ingressou como professor na faculdade de Direito por concurso público, foi chefe de Departamento, diretor do Centro de Ciências Jurídicas e, em 2016, foi eleito reitor, após um processo de consulta à comunidade, onde disputou com outros quatro concorrentes, incluindo a então reitora. Possui profícua produção científica, tendo publicado vários livros, inúmeros artigos em revistas especializadas e orientado uma grande quantidade de alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado. Éramos em 3 irmãos, o mais novo, Julio Cancellier, mora em Florianópolis, nasceu em 1966, é jornalista e possui mestrado em Mídias Sociais. Eu sou formado em Matemática na UFSC, mestrado em Engenharia de Sistema pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), doutorado em Engenharia Mecânica e Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Fui servidor do INPE de 1980 a 2017, tendo me aposentado em março deste ano.
Foto: Arquivo Pessoal
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