Por Miguel Nicolelis, compartilhado de Correio Braziliense –
Está muito claro para a comunidade internacional que qualquer esforço para controlar a pandemia será seriamente comprometido caso o Brasil continue nesta espiral, onde o coronavírus se espalha e sofre mutações sem grandes entraves, gerando variantes que podem escapar pelas nossas fronteiras porosas e alcançar todo o planeta numa questão de dias
No final de março de 2021, o mês mais letal desde o início da pandemia da covid-19 no Brasil, muitos não conseguem enxergar nenhuma luz no fundo do abismo em que o país continua a despencar, completamente fora de controle. Passados 13 meses do início da maior crise sanitária da nossa história, a cada dia cerca de 100 mil novos casos e 4 mil mortes são acrescidos aos números desta tragédia. Nas últimas semanas, como epicentro mundial da pandemia, o Brasil passou a ser cotidianamente manchete na imprensa internacional, bem como objeto de preocupação da OMS e de outros governos. E não poderia ser diferente. Está muito claro para a comunidade internacional que qualquer esforço para controlar a pandemia será seriamente comprometido caso o Brasil continue nesta espiral, onde o coronavírus se espalha e sofre mutações sem grandes entraves, gerando variantes que podem escapar pelas nossas fronteiras porosas e alcançar todo o planeta numa questão de dias.
Não bastasse isso, envolto num colapso hospitalar nacional sem precedentes, o Brasil também vê crescer no seu horizonte a iminente ameaça de um colapso funerário, que pode elevar a crise nacional de mortalidade, bem como provocar a contaminação do solo e do lençol freático. Uma vez cruzado este verdadeiro ponto de não retorno, a volta à normalidade no Brasil será medida em anos, não mais em meses.
Alheio a esta tenebrosa realidade, o governo federal, liderado pelo inimigo público número 1 do combate ao coronavírus, assiste impávido e resoluto ao país despencar rumo ao caos. Sem alterar de forma significativa nem o discurso, muito menos sua estratégia de não defender ações reconhecidamente efetivas para conter a transmissão do vírus, o governo empossou o seu quarto preposto ministro da Saúde em um ano e, ato contínuo, anunciou a criação de uma comissão nacional. Só “para inglês ver”, pois tal comissão, destituída de representatividade política ampla, claramente não desempenhará nenhum papel operacional relevante, servindo como cortina de fumaça para ocultar a continuidade de uma política sanitária — se é que se pode usar este termo — fracassada, que já custou a vida de 326.683 brasileiros (até 1° de abril).
Neste contexto, dados preliminares indicam que o Brasil pode ter atingido um patamar inédito de mortalidade. Segundo o site transparecia.registrocivil.org.br, em fevereiro de 2021, foram registrados 200.034 nascimentos no Brasil. No mesmo período, um total de 121.559 óbitos (por covid-19 ou outras causas) ocorreram, gerando uma diferença de apenas 78.475 mil nascimentos a mais do que mortes. No mesmo período de 2020, antes do início da pandemia, essa diferença foi de 105.449 mais nascimentos (198.735) do que mortes (93.286). Em 2019, a média anual foi de 126.124 mais nascimentos do que óbitos por mês. Surpreendentemente, em março de 2021 foram registrados até agora apenas 47.047 mais nascimentos (220.302) do que óbitos (173.255), uma redução de 63% no excedente de nascimentos mensais. Isso quer dizer que, se o número de mortes por covid-19 (e por outras causas) continuar a subir, o Brasil pode viver o primeiro momento da sua história em que as mortes superaram os nascimentos de novos cidadãos. Tal tendência ilustra a magnitude profundamente épica do impacto da covid-19 no país.
Dentro deste festival de horrores, existe hoje um consenso que o Brasil precisa tomar pelo menos três medidas urgentes para tentar reverter a crise. Primeiro, é imperativo que um lockdown nacional seja implementado por pelo menos 21-30 dias para reduzir rápida e drasticamente a taxa de transmissão do vírus. Em paralelo, é preciso reduzir o tráfego não essencial pelas malhas rodoviárias, aeroviárias e ferroviárias do país. No que tange à vacinação, é necessário garantir suprimento para que 2-3 milhões de pessoas sejam imunizadas diariamente. Essas três diretrizes precisariam ser implementadas por uma comissão de salvação nacional legítima e representativa que, contando com o apoio do congresso, do STF, do fórum dos governadores, das associações nacionais de prefeitos e de membros da sociedade civil e da comunidade científica, passariam a coordenar, de forma independente do poder executivo, todo o manejo da pandemia, com a missão de impedir que, pela primeira vez na nossa história, o abismo seja maior do que o Brasil.
Coordenar, isolar, bloquear e vacinar: quatro palavras que definem a receita para tentar escapar do cataclisma que nos espera se nada for feito, para ontem.
#BASTA