Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, no Facebook
Já falei dela aqui. É minha vizinha de porta, uma velhinha de uns 85 anos, talvez um pouco mais. Mora sozinha, caminha com extrema dificuldade pelas ruas e não desiste da vida.
Encontrei-a hoje na porta do elevador. Toda arrumada, como uma senhora das fotos da São Paulo antiga. O momento de entrar no elevador é sempre tenso, ela costuma perder o equilíbrio. Amparo a senhora e descemos.
No térreo, ela me pergunta se vou a uma padaria bacanuda perto. É lá que ela almoça e janta todos os dias. Digo que vou em outra direção, ela pede para ajudar a atravessar a rua e decido levá-la ao almoço.
No caminho de uns 150 metros, ela relata (e eu sei que é verdade) que caminha se escorando nas paredes para não cair. Indago se aquele saltinho do sapato não é perigoso:
— Foi o ortopedista que recomendou para não prejudicar a perna. Mas eu meço todo dia porque não pode passar de 3 centímetros. Só quando tem um coquetel ou casamento eu uso um salto de 4 centímetros e meio.
Na sequência, diz que sua maior despesa é com médicos. Vai a 8. Labirintite, problemas estomacais, osteoporose, incontinência urinária….
Pergunto se algum parente a acompanha nas consultas:
— Meu filho é muito ocupado, mora longe e já tem os filhos para cuidar. Ele queria contratar uma enfermeira para morar comigo, mas eu não quero perder a liberdade.
Na verdade, o filho mora no bairro vizinho e é um completo ausente. Mas pensam que a velhinha reclama da vida? Não. Ela conta com orgulho que depois do almoço vai a um shopping, este sim distante, comprar um sapatinho com 4,5 cm de salto:
— Eu sei que parece que eu vou embora logo, mas eu quero viver bastante ainda.
Deixo a vizinha na porta da super padoca, entrego a bolsa que carregava e prometo que ao menos hoje não vou reclamar de nada da vida.