Não há erro estrutural de projeto no Sistema de Proteção contra Inundações de Porto Alegre, mas sim uma gestão irresponsável.
Por Vicente Rauber (*), compartilhado de Sul 21
Tão logo a inundação generalizada foi ocorrendo em Porto Alegre, no início de maio, um grupo de 48 profissionais – ex-dirigentes do Saneamento e áreas vinculadas, professores e pesquisadores – sentiram-se completamente indignados com o que viam, comportas externas vazando, casas de bombas também com as comportas vazando, as águas do Guaíba invadindo pelas próprias canalizações, fazendo chafarizes nas bocas-de-lobo. Ficaram mais indignados ainda quando viram que os defeitos não estavam sendo sanados com mergulhadores, profissionais especializados que trabalham sob águas, usualmente atuantes nas atividades do Saneamento a qualquer tempo.
Redigiram uma “Manifestação aos portoalegrenses” fazendo um diagnóstico da situação e apresentando propostas emergenciais, com a Cidade ainda inundada, e propostas para após as águas baixarem. A manifestação teve ampla repercussão nacional e internacional, num primeiro momento, e depois em nível local.
A reação dos dirigentes da Prefeitura e do DMAE foi atacar a nível pessoal e com fakes os signatários.
Numa tentativa de “um grande lance de marketing” foi trazida uma ampla delegação holandesa que, após avaliar a situação, anunciou preliminarmente: “É necessário recuperar a integridade do Sistema, fazer o monitoramento de seus níveis de integridade. Monitorar vazões e ventos, com alertas para a população”.
Ou seja, nada diferente do que nossa Manifestação, engenheiros do DMAE e especialistas em pesquisas hidráulicas já haviam alertado. Frise-se: “recuperar a integridade” é fazer a manutenção que deixou de ser feita.
No dia 19/8/24, a delegação holandesa entregou à Direção do DMAE o relatório final. A direção do DMAE informou que somente irá divulgar a sua íntegra daqui a dois meses, ou seja, após as eleições municipais. E resolveu chamar uma entrevista coletiva para divulgar a sua versão.
Segundo informado, o Relatório aborda centralmente três pontos: “a baixa altura dos diques do Sarandi, a deficiências nas Casas de Bombas, que foram construídas num nível mais baixo, e as fragilidades das Casas de Bombas”.
Na entrevista a palavra manutenção esteve proibida. A versão apresentada é a de “existem problemas estruturais decorrentes da construção do Sistema de Proteção contra Inundações”.
Se assim realmente consta do Relatório é necessário perguntar qual fonte de informações foi dada à delegação holandesa. Erro de projeto deve ser verificado no Projeto original. Ou seja, seria necessário revisar a documentação técnica do DNOS que estava arquivada no DEP, essencial para o exercício das atividades. Era usada cotidianamente nos trabalhos do DEP e foi base da publicação ‘PREVENIR É O MELHOR REMÉDIO”. Certamente esta documentação não foi apresentada à delegação holandesa. Anteriormente um dirigente do DMAE já havia informado que esta documentação não existia no DMAE. Ou esta documentação está “escondida” ou foi realmente perdida, o que é gravíssimo, e os responsáveis por transferir o DEP ao DMAE precisam responder por isto!
Vamos aos fatos:
– DIQUES DO SARANDI – Os principais são os diques Sarandi (Arroio Passo das Pedras) e Fiergs (Arroio Santo Agostinho). Foram construídos nas alturas corretas, no caso, na cota 6,5m com a régua DNOS. Estão sendo degradados há anos. Em 2018 a Metroplan, no seu Relatório visando a implantação dos diques no Arroio Feijó, de competência estadual por ser a divisa entre os Municípios de Porto Alegre e Alvorada, alertou para a necessidade de recomposição destes diques. Este Relatório foi encaminhado à Prefeitura de Porto Alegre, para conhecimento e providências. Nada foi feito.
– CASAS DE BOMBAS – Igualmente foram construídas pelo DNOS, atendendo as recomendações dos engenheiros alemães. A altura dos motores nas Casas de Bombas está correta. As Casas de Bombas não foram feitas para operar inundadas. Aliás, todo o Sistema foi feito para proteger a Cidade e não para inundá-la. Atendem na melhor eficiência para mais de 95% das necessidades de operação. Com as águas subindo necessitam de mais potência. Com o crescimento da Cidade há necessidade de mais potência para retirar as águas das chuvas.
Por isto, os Engenheiros do DEP, em 2014, elaboraram um Plano de ampliação e modernização das Casas de Bombas e obras no Arroio Moinho (Partenon), para o qual a Presidente Dilma liberou R$ 124 milhões a fundo perdido (ratificados por Temer e Bolsonaro), perdidos em 2019 por falta da apresentação dos projetos de engenharia (DEP extinto em 2017). E a atual gestão, mesmo acumulando R$ 430 milhões em aplicações financeiras também não executou nada deste Programa até hoje.
FRAGILIDADES DAS COMPORTAS – Fala-se em atualização das comportas em 2010. O que aconteceu de fato: A última revisão com reformas foi realizada em 2020. Em informação oferecida pelo DMAE, para investimentos entre 2021 e 202não consta nenhum recurso destinado a comportas e Casas de Bombas.
“Malditas comportas”: Não possuem nenhuma manutenção desde 2020, mesmo tendo sido operadas em setembro e dezembro de 2023, quando, pelo menos nestas oportunidades, deveriam ter sido registrados seus defeitos e contratadas as respectivas manutenções. Tempo e dinheiro não faltaram. A comporta nº 3, próxima ao TCE, importante acesso ao Porto, numa cena dantesca, foi arrancada ao invés de ser aberta devidamente. A seguir, num rompante, foi anunciado que todas as comportas seriam substituídas. Ora, porque não revisá-las e verificar quais suas reais necessidades.
Agora anunciou-se que 8 das 14 comportas externas seriam eliminadas, sendo concretado nestas aberturas. Em relação a de nº 14, que permite acesso aos clubes náuticos e outras importantes atividades da região norte junto ao Rio Gravataí, houve fortes manifestações públicas contrárias e a Direção do DMAE resolveu retirá-la da relação. E as outras 7? Qual a justificativa para a sua eliminação?
Não apenas o DEP foi extinto, o bom senso também!
CONCLUSÃO: Não há erro estrutural de projeto no Sistema de Proteção contra Inundações de Porto Alegre. Há sim uma gestão irresponsável que propositadamente destrói estruturas públicas essenciais e não cumpre com seus compromissos públicos.
(*) Engenheiro Especialista em Planejamento Energético e Ambiental, ex-Diretor do DEP.
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