A Via Láctea, nossa ilha cósmica

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Por Ulisses Capozzoli, jornalista

Todas as estrelas que se pode observar a olho nu, nas noites mais escuras, são parte da Via Láctea, a galáxia que abriga o Sistema Solar. Ao longo de todo o ano essas estrelas somam perto de 6 mil e isso porque a Terra, girando em torno do Sol, mostra um céu em constante transformação.




A cada noite, resultado da translação, o movimento da Terra em torno do Sol à velocidade próxima de 110 mil km/h, as estrelas nascem 4 minutos mais cedo. As 23h56 minutos em que a Terra faz um giro em torno de seu eixo, somadas aos 4 minutos, resultado da translação, fazem o dia sideral atual de 24 horas definido pelos relógios. Mas nem sempre foi assim e nem sempre será.

Há um único ponto de luz visível a olho nu em condições ideais de céu, bem inclinada ao norte, para um observador do hemisfério sul, que está fora da Via Láctea. É a luz que emerge da galáxia vizinha de Andrômeda, a 2,3 milhões de anos-luz e isso revela que a sensibilidade do olho humano é capaz de detectar um ponto luminoso a pelo menos 2,3 milhões de anos-luz de distância.

Um jorro de luz que deixou Andrômeda há 2,3 milhões de anos e viajou a 300 mil km/segundo pela vastidão do espaço antes de atingir a retina de um eventual observador na Terra. Surpreendente, mas real.

Mas o que é uma galáxia e qual é a singularidade da Via Láctea? Uma resposta algo alegórica, mas não distante da realidade, define uma galáxia como um enxame de pirilampos, cada uma dos supostos 400 bilhões de estrelas, no caso da Via Láctea, voando pelo espaço que se distende com um balão de aniversário soprado pelo ar dos pulmões.

Nas regiões mais distantes do chamado “universo visível”, aquele que os mais sensíveis telescópios podem perscrutar, o espaço, o Cosmos inteiro, distende-se a velocidades crescentes que podem chegar à velocidade da luz levando com ele galáxias inteiras.

Mas não são as galáxias remotas que viajam à velocidade da luz, algo vetado pela Relatividade Geral de Einstein. É o espaço que se distende ampliando-se cada vez mais e se tornando mais rarefeito por uma massa cósmica supostamente constante.Trilhões de galáxias, “animais do zoológico cósmico”, na linguagem usual entre astrônomos, que exibem certa sociabilidade.

Galáxias costumam apresentar-se em grupos. O chamado Grupo Local, que inclui tanto a Via Láctea, quanto Andrômeda, reúne ao menos 54 membros e esse número tem crescido cada vez mais com as observações.

O Grupo Local ocupa um diâmetro de 10 milhões de anos-luz abrigando, na maioria dos casos, galáxias anãs.

As Nuvens de Magalhães, visíveis como manchas esbranquiçadas, nas proximidades do Cruzeiro do Sul, são duas dessas galáxia anãs ou satélites.

Elas estão sendo canibalizadas pela Via Láctea num embate gravitacional que distorce suas extremidades num cabo de guerra.

A particularidade da Via Láctea, obviamente, é abrigar, em uma de suas estruturas elípticas, o Braço de Órion, o Sol e seu séquito planetário: o Sistema Solar.

A Via Láctea foi, durante muito tempo, classificada como galáxia espiral e apenas em 2005, com observações feitas com o Telescópio Espacial Spitzer, operando no infravermelho ¬ comprimento de onda que permite a travessia de nuvens de poeira estelar, ao contrário da luz visível ¬ se descobriu que é uma espiral barrada.

Isso quer dizer, que exibe uma barra de estrelas em seu núcleo, onde, como ocorre com quase todas as galáxias, ruge um buraco negro canibal, com massa de 4 milhões de sóis.

E isso representa uma massa equivalente à de 4 milhões de massas solares que perfurou a estrutura do espaço-tempo em um poço sem retorno, mesmo para um raio luminoso que passar a uma distância crítica dele, o horizonte de eventos. Surpreendente, mas também real.

Nas noites de inverno que se aproximam, límpidas como cristal, será possível observar o corpo leitoso da Via Láctea percorrendo a noite como uma concentração de carneiros luminosos, intercalados por regiões escuras onde se acumulam densas massas de gás, mas principalmente poeira cósmica, liberadas por gerações de estrelas que explodiram ao final de uma vida mais ou menos longa, dependendo da massa que reuniam. Quanto mais massivas, mais brilhantes e de menor duração.

No caso de uma estrela, a luminosidade que fazem delas um destaque no céu, tem um custo: uma vida mais curta. Galáxias em especial, que se formaram algum tempo após o Big Bang, a explosão que deu origem ao Universo (e que pode ser apenas o evento mais recente de uma série infinita, no caso de um universo eterno e não temporal) permitem longas e fascinantes interpretações. Como peças de um jogo misterioso que incluem questões como: por que o Universo existe, em vez do reino do nada?

Galáxias como um todo, que devem superar 1 trilhão no universo observável, tem merecido constante esforços de interpretação dos cosmólogos, astrônomos que investigam a origem e o fim do Universo. A Via Láctea, em particular.

Nas últimas semanas, astrônomos do Centro de Astrobiologia da Espanha (CAB) desenharam o mapa mais preciso da Via Láctea até agora. Para isso incluíram uma descoberta fascinante, que chamaram de “Esporão do Cefeu”. Essa estrutura se estende do Braço de Órion, onde nos encontramos, até o Braço de Cefeu.

É uma estrutura de pelo menos 10 mil anos-luz, formada por estrelas azuis de grande massa que ainda não haviam sido detectadas ali. Estrelas azuis são jovem e gigantes, com vida longa pela frente.

A estrutura, segundo a descrição de dois dos astrônomos que participaram da descoberta, Michelangelo Pantaleoni González e Jesús Maíz Apellániz, “está localizada acima do disco galáctico, cerca de 300 anos-luz acima do plano médio da galáxia”.

Acredita-se, que “essa diferença seja provocada por algo como enrugamentos já observados em galáxias vizinhas”, mas ainda inéditos na Via Láctea.

Mesmo gigantesca para os padrões humanos, com diâmetro de pelo menos 100 mil anos-luz, a Via Láctea é apenas uma das galáxias previstas por Kant em 1755, que as chamou de “universos-ilha”.

Os astrônomos só identificaram as galáxias nos anos 30 do século passado, o que fez com que a cosmologia, instalada no território da filosofia, se transferisse para a ciência, pela possibilidade de observação e cálculos.

As descobertas da ciência, como toda descoberta, não cessam e as galáxias, mesmo as mais remotas, são evidência disso. No conhecimento, no entanto, descobertas só levam ao aumento e intensidade no ritmo das perguntas. Num processo sem chance de um dia se esgotarem. Ao menos enquanto o Universo existir.

 

Imagem: Andrômeda, a 2,3 milhões de anos-luz. Crédito Nasa/Esa. J.DePasquale, E. Wheatley, e Z. levay.

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