À Procura de um Desafio

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E o doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, na coluna “A César o que é de Cícero” nos transporta aos tempos do fliperama, video-game, Atari… Lendo o texto, passei até a ouvir o som do fliperama conforme a bolinha dançava comandada pelos nossos, nem sempre, ágeis dedos.

Bom jogo e, no final, viaje mais ainda com The Who em “Pinball Wizard”:




É certo que estou desatualizado quando o assunto é videogames, mas o que tenho visto tem me assombrado. De vez em quando, eu vejo o meu filho jogar um tal de Fifa no X-Box dele e fico pensando que os jogos estão realistas demais – apesar dos jogadores em closes terem cara de zumbi, está tudo mudado.

Para se ter uma ideia, é tudo cheio de “getty-getty”: você pode trocar a roupa, o cabelo, a chuteira, o uniforme, o cônjugue do jogador etc. De modo que até parece que é o jogador de verdade que está se baseando no videogame, e não o contrário.

Além disso, demora-se tanto para jogar que os mais impacientes desistem e vão fazer outra coisa que a vida é curta. Jogar videogame é só uma maneira de se ver televisão.

Eu me lembro da primeira vez que vi um Atari na vida. Foi em Vila Isabel, início dos anos 80s, na casa do Cristiano, o riquinho da turma. A casa dele era um lindo sobrado reformado, quase do tamanho de um clube. Tinha piscina, cachorro pastor alemão chamado Herbie, sala de jogos, viveiro de passarinhos, assoalho de tábua corrida com cheiro de cera de carnaúba e o escambau. E numa das inúmeras salas da casa do Cristiano tinha o Atari, a última maravilha vinda dos States.

Com o Atari, ninguém precisava ir a um antro dos viciados de maus costumes, isto é, a um Fliperama. Agora poderia se jogar em casa mesmo, no conforto e na segurança do lar.

A essa época, quando eu tinha meus onze, doze anos, eu frequentei sem que meus pais soubessem, um Fliperama que ficava perto da Escola Equador, em Vila Isabel. Meu sonho era ser um jogador profissional de PinBall, aquela máquina com palhetas, tampa de vidro, mesa inclinada e bolas de bilha.

Eu queria derrotar o Cavaleiro Negro, a máquina mais bacana da época. Eu queria ser um daqueles caras do antro, os maconheiros desviantes e tatuados,os reis das meninas, que sabiam dominar aquelas máquinas como poucos, que compravam uma ficha e jogavam a tarde inteira como se não estivessem nem aí para a história do Brasil.

O Atari era maneiro. Viciava também. Viciava mais que aquele joguinho de tela de cristal líquido, que só tinha um jogo. Entretanto, na época do Cristiano o meu primeiro contato com o Atari não me roubou a alma. O negócio só piorou quando já morávamos no Engenho Novo. A gente acampava no apê da Rose do 402 devido ao Atari e às meninas Cristiane e Alessandra, duas irmãs que eram de Casimiro de Abreu e passavam férias por lá (Férias no Engenho Novo! Meu Pai!).

Tempos, tempos bons. Meu coração mais parecia um cartucho de videogame.

Meu pai, com anos de atraso, nos comprou finalmente um Atari fabricado na Zona Franca de Manaus. Aí meu irmão e eu jogamos bastante. Já era uma época em que Cristiane e Alessandra não passavam mais férias no Engenho Novo e o meu coração teve que se adaptar aos novos tempos.

Tal como o amor das férias, que surge e cessa como chuva de verão, eu deixei de jogar videogame. Melhor, perdi o interesse para sempre, o substitui por outras atividades. Eu quereria tanto que o mesmo acontecesse com cigarros, isto é, que um dia eu acordasse com a suave convicção de que não iria fumar nunca mais.

De vez em quando, eu vou mais os meus filhos a um desses “Video Arcades” em shopping centers. Video Arcade agora se chama Game Zones e é tudo no cartão em vez de fichas de chumbo, que eram menores do que as dos orelhões. Jogo basquete contra o meu filho e de vez em quando topo com uma PinBall.

Não resisto, jogo uma ficha, no máximo duas. E fico e não fico na esperança vaga de topar com um sessentão (pelas minhas estimativas, as diferenças de idade entre mim e os tatuados do antro é de seis, sete anos) que morava em Vila Isabel, que frequentava o Fliperama perto da Escola Equador e que sempre vencia o Cavaleiro Negro, que não se cansava de dizer seu bordão inesquecível: “Eu sou o cavaleiro negro, à procura de um desafio”.

Catapimba! Pimba! PinBall! Aquelas senhoras tão distintas não são a Cris e a Alê?

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019),  Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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