A vida de um herói

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O que você diria de alguém que intitulasse sua autobiografia A Vida de um Herói? A carreira de Richard Strauss distingue-se das de outros compositores contemporâneos e passados pela abundância de recursos materiais. Proveniente de uma das famílias mais ricas de Munique, nunca passou pelas dificuldades financeiras que atormentaram Mozart e Schubert, por exemplo. Jamais teve os problemas de saúde que afligiram Schumann ou Chopin. Não precisou aceitar encargos desgastantes e desagradáveis como Mahler ou Schoenberg. E não sofreu a angústia de uma trágica vida afetiva como Beethoven ou Berlioz. E, no entanto, restam poucas dúvidas de que Strauss realmente considerou esse último de seus grandes Poemas Sinfônicos como autobiográfico. A evidência não advém apenas da recapitulação, incluída no quinto movimento de A Vida de um Herói, de temas musicais de algumas de suas obras precedentes, mas de outros episódios, em que Strauss parece descrever seus conflitos com detratores e opositores, ou então sua vida familiar.




A vida de um herói

Strauss foi um espírito metódico, trabalhando intensamente suas composições, mas com disciplina incomum no mundo musical. Extremamente atento às preferências do público e avesso a inovações. E isso ocorreu em uma época de grande inconformismo formal e de revoluções conceituais. Não é, pois, de estranhar que despertasse tanta polêmica a sua música, apesar da incontestável inspiração melódica e da competência técnica principalmente no que diz respeito ao uso de recursos orquestrais.

Seus poemas sinfônicos são indiscutíveis obras-primas e suas óperas dignas sucessoras daquelas de Wagner. E como compositor de canções pode ser considerado igual a Mahler ou a qualquer de seus contemporâneos.

Seu preciosismo na orquestração exige pois de seus intérpretes igual virtuosismo. Antes de optar definitivamente pelo poema sinfônico, Strauss escreveu uma série de peças concertantes e de música de câmera. Uma excelente coletânea de seus Concertos é oferecida por Kempe e a Orquestra Estadual de Dresden. Além dessa série de composições preparatórias, a obra de Strauss é composta principalmente de um conjunto de óperas que cobre praticamente toda sua vida, de um grupo de poemas sinfônicos que se situam na primeira metade de sua existência como compositor e de inúmeras canções distribuídas esparsamente em uma cronologia aparentemente aleatória.

Alguns de seus poemas sinfônicos tornaram-se imensamente populares e são das obras mais abundantemente gravadas. Seria tediosa uma avaliação detalhada de cada interpretação. Não obstante, alguns preceitos gerais podem orientar-nos quanto à escolha de gravações adequadas. Do que discutimos acima vimos a necessidade de um certo virtuosismo, de sensualidade sonora, de um certo gosto pelo intrincado que representa a escrita orquestral de Strauss. Há também um elevado grau de intelectualismo em suas concepções. Não é, pois, por acaso, que Clemens Krauss foi, no passado, considerado seu intérprete ideal. E suas interpretações dos poemas sinfônicos Don Juan, Till Eulenspiegel, Assim Falava Zaratustra, A Vida de um Herói, como também da ópera Salomé, são até hoje imbatíveis. Furtwängler talvez tenha sido o único regente igualmente bem-sucedido nesses mesmos poemas sinfônicos, senão das óperas.

Karajan está excelente em O Cavaleiro da Rosa, onde conta com Schwarzkopf, Stich-Randall e Ludwig. Quase tão boa quanto a antológica versão com Lehmann, Schumann e Olszewska, sob a direção de Heger. Outras versões satisfatórias dessa ópera são aquelas de Kleiber de 1954, e de Solti de 1969. Karajan também é imensamente bem-sucedido em Ariadne em Naxos assim também como Solti e Leinsdorf.

Outro bem-sucedido intérprete de Strauss em sua música sinfônica é Reiner, cujo Assim Falava Zaratustra é incomparável. Kempe também nos dá uma excelente coletânea completa em seis discos de todos os Poemas Sinfônicos. E para os verdadeiros aficionados, proponho a coletânea gravada entre 1926 e 41 pelo próprio Strauss, que foi um magistral regente. Toscanini também inclui em seu repertório as obras sinfônicas de Strauss e suas gravações de 51 e 52, do Don Juan, do Till Eulenspiegel e do Morte e Transfiguração são históricas. Dentre os intérpretes das canções de Strauss destacam-se obviamente Schwarzkopf e Fischer-Dieskau.

Nota – Do livro do autor Um Roteiro para Música Clássica.  São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1992. 705p. Publicado originalmente no jornal FSP: 19/08/1984.

Clemens Krauss conducts Ein Heldenleben by Richard Strauss part 1 of 5. The Vienna Philharmonic Orchestra with Willi Boskovsky, solo violin

RICHARD STRAUSS
EIN HELDENLEBEN (A HERO’S LIFE) – PART 1 OF 5

The Vienna Philharmonic Orchestra (with Willi Bokovsky, solo violin)

Clemens Krauss (Conducts)

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