A vida e a dor não são para amadores

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Por Carlos Eduardo Alves, jornalista – 

Ela está todo dia na padaria. O cenário é de filme paulistano, daqueles de duas décadas atrás. Talvez por isso, lembro às vezes de Ugo Giorgetti. É um espaço até grande, meio escuro, com uma Tv sempre ligada na Globo e às vezes uma música sertaneja alguma linha, sempre insuportável. Quase vazia também sempre, com funcionários jovens e simpáticos mas sempre preferencialmente ligados às redes sociais no celular. O café pequeno e barato muitas vezes é servido em xícaras imensas, vítima da falta de uma de tamanho adequado. Não combina com a correria da rua, cheia de gays em direção às muitas academias do pedaço. Na primeira mesa, uma velhinha de cabelos brancos, rosto de quem já foi muito bonita décadas atrás.




Não tem dia em que a velhinha não dê um escândalo, xingue ou ameace bater em alguém que esteja lá. Não olho para ela, tenho medo de ser alvo também. Já deu para traçar um pouco do perfil dela. Instigante. Diz, no meio de uma discussão qualquer, que já foi “casada com bandido” e usa algumas expressões de cadeeiro mesmo. Tem traços finos e uma bengala que, sentada, mostra como promessa de agressão aos funcionários.

“É esquizofrênica”, se arrisca no diagnóstico a jovem que atende no balcão quando concede um tempinho ao celular. Universitária à noite, não vê a hora de sair daquele “inferno”. Dá risada e desata a contar vários episódios da “peste”. A última teria sido uma bengalada no porteiro do prédio em que a velhinha mora, ao lado da padoca de filme. Sabe que a senhora das ameaças vive a sozinha e não tem filhos. “Quem iria morar com uma coisa dessa”?

Saio, acendo o maldito cigarro, vejo a rua começando a ganhar movimento novamente, após o intervalo da madrugada de gritos de jovens bêbados e blasfêmias de gente com problemas mentais. Penso nos muitos idosos que moram sozinhos, alguns certamente malucos e que confinam algum tipo de insanidade diante da TV. São os pacatos. Na rabeira da cabeça, teses simplórias sobre a nossa ignorância diante da dor alheia.

Sabemos quase nada sobre depressão, por exemplo, e ouvimos ou falamos simplismos sobe a doença. Nos espantamos diante de suicídios na verdade anunciados. Pensamos primeiro na possibilidade de sermos a vítima. De certo modo, é meu comportamento diante da velhinha louca da padoca esquisita. Imagino que a loucura não seja datada, mas uma “atividade” perene e em renovação. A vida e a dor não são mesmo para amadores.

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