A vitória do Chile e as lições que devemos aprender

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Por René Ruschel, jornalista, Bem Blogado

Foto: Martin Bernetti/AFP




A arte da política consiste em saber a diferença entre o possível e o imaginável. O recém-eleito presidente do Chile, Gabriel Boric, 35 anos, soube entender esse estratagema e assim derrotou a direita andina mais radical. No Brasil, a esquerda pueril aplaude com entusiasmo o resultado chileno, mas se nega a discutir o intricado jogo de xadrez que, por lá, está apenas começando. 

Boric, considerado um político de centro-esquerda moderado, terá pela frente uma das mais difíceis missões. Implementar mudanças dos modelos políticos, econômicos e sociais em um País onde ainda predomina as sombras de um terror implacável, de uma ditadura cruel que assassinou mais de 3 mil cidadãos, prendeu e torturou cerca de 10 mil e mandou quase outros 30 mil para um exílio forçado.

O discurso da vitória deu mostras que, para governar, vai precisar de muita habilidade e contorcionismo político.

A eleição terminou no domingo, 19. Sem maioria no Congresso, Boric terá que negociar com a oposição. Seu adversário no segundo turno, José Antonio Kast, radical de ultradireita e simpatizante do nazismo, obteve mais de 44% dos votos. Convenhamos, não é pouco. A reação do “mercado” financeiro foi imediata. Os índices da Bolsa de Valores despencaram e o dólar disparou. Nenhuma novidade.

A elite do atraso é igual em todo o mundo. Dane-se à miséria, ao desemprego, a fome e a concentração de renda. O golpe fatal já fora dado pelos “Chicago boys” na década de 1970, durante a ditadura de Augusto Pinochet, com o beneplácito do atual ministro da Economia de Jair Messias, Paulo Guedes.

A política econômica neoliberal transformou o Chile em um laboratório de experimentos que resultou em tragédia. O “Posto Ipiranga” tupiniquim esteve entre os alquimistas do mal.

Um país onde os índices de suicídios da população mais velha, aposentados, só crescem. A Previdência Social, como Guedes fez por aqui, foi totalmente desestruturada para que os bilhões de dólares nas mãos do Estado fossem colocados no bolso dos banqueiros.

Em muitos casos, os valores recebidos como benefícios não pagam sequer os medicamentos que necessitam.

Embora a situação do Chile possa ser mais difícil que no Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabe que, uma vez eleito, vai enfrentar problemas e também irá precisar de apoio no Congresso.

Por aqui, os empresários e banqueiros da Faria Lima vão reagir, afinal, Lula já avisou que um dos dramas verde-amarelo é “que os pobres não estão incluídos no orçamento e os ricos estão fora do Imposto de Renda”. As regras do jogo neste mundo capitalista não preserva o “fair play”. Nele, vale tudo. 

As pesquisas mostram que Lula pode vencer a disputa à presidência da República sem o apoio do centro ou da direita democrática. O problema será governar sem eles. Só os neófitos são capazes de imaginar o contrário.

A engenharia partidária que vem sendo desenhada e incluí o nome do ex-governador tucano, Geraldo Alkmin, tem o efeito de produzir um amálgama previamente azeitado.

O Brasil vive o pior momento de sua história republicana. Um desgoverno que ultrapassou os limites da irracionalidade, que flerta com o fascismo, que tenta de todas as maneiras destruir a democracia. Que não foi capaz de implementar um único, apenas um e tão somente, programa social em favor da população. Só não vê quem não quer.

O País foi pilhado, saqueado, destruído. Centenas de milhares de mortos pela pandemia. Temos um exército com milhões de desempregados, esfomeados, miseráveis sem esperança, sem expectativas por dias melhores.

A educação, a saúde, a ciência e tecnologia, o meio-ambiente, os projetos sociais, a infraestrutura, a venda das estatais por preço de banana, tudo isso é fruto da eleição de um ex-capitão desprovido de qualquer senso cognitivo. Chegamos ao ocaso, ao fundo do poço.

O quadro dantesco exige união, perseverança e responsabilidade. Lula tem consciência que não pode errar, que não terá margem de manobra e para isso necessita de apoio político.

Sabe que não vai mudar esse panorama com “O Capital” debaixo do braço, recitando e protestando contra a “mais valia”. As discussões estão acima de firulas políticas ou ideológicas.

O Brasil é muito maior que as desavenças partidárias e Lula quer assumir o governo com respaldo e apoio. A tal governabilidade não pode ficar à mercê do Centrão, um agrupamento que se especializou em viver à custa do Estado. Não há tempo a perder.

O País não suporta mais quatro anos de atraso. Ou saímos juntos desta enrascada ou certamente mergulharemos na mais longa e negra noite do obscurantismo.

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